O que um filósofo de dois mil anos atrás tem a nos dizer sobre as Redes Sociais

Alessandro Padin
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5 min readJul 28, 2022

As redes sociais são viciantes. A compulsão por acessar Facebook, Instagram, WhatsApp, Youtube etc no faz interagir, em média, 2.617 vezes ao dia com nossos smartphones.

Este fenômeno está sendo responsável pelo dilaceramento do tecido social, corroendo as bases fundamentais de como as pessoas se comportam consigo mesmas e com as outras.

Quem diz isso é nada mais nada menos que Chamath Palihapitiya, um ex-alto executivo do Facebook. Ele alerta que as interações humanas estão sendo limitadas a corações e polegares para cima.

Chamath Palihapitiya

“Os ciclos de retroalimentação de curto prazo impulsionados pela dopamina que criamos estão destruindo o funcionamento da sociedade. Sem discursos civis, sem cooperação, com desinformação, com falsidade”. (Chamath Palihapitiya, ex-alto executivo do Facebook)

Todo o debate em torno das chamadas Fake News é um dos tantos sintomas desse dilaceramento apontado por Palihapitiya. Para mim, mais do que os impactos em disputas eleitorais, por exemplo, a proliferação de falsas notícias me chamou a atenção por outro aspecto: o narcisismo.

Todo vez que recebo uma Fake News imagino alguém do outro lado pensando: — nossa, fui o primeiro a saber, preciso urgentemente repassar! Talvez você ache que estou fazendo generalizações, mas prefiro arriscar ao manter esta percepção e ficar aberto ao contraditório.

A obsessão em ser o primeiro a compartilhar: Moeda Social

Quem me ajuda a alicerçar este pensamento é o professor Jonah Berger, autor do livro “Contágio — Por que as coisas pegam”. Ao investigar os motivos pelo qual produtos, ideias e comportamentos têm sucesso, ele destacou um ingrediente interessante: Moeda Social.

Basicamente ele aponta que ser o primeiro a ter uma experiência ou receber uma informação e compartilhá-la é um impulso que, no mundo digital por exemplo, nos ajuda a criar e valorizar o nosso avatar. Não é por acaso que muito acham que o Facebook é um mundo colorido e irreal. Lá somos narcisistas, montamos nosso perfil da forma que queremos ser vistos e não o que necessariamente somos de fato!

“Pense sobre a última vez que alguém compartilhou um segredo com você. Lembra-se da seriedade como que ela pediu que você não contasse para ninguém? E lembra o que você fez a seguir?Bem, ser você é como a maioria das pessoas, provavelmente foi contar para outro. (Não fique constrangido, seu segredo está a salvo comigo.) Acontece que, se uma coisa deve ser secreta, as pessoas ficam muito mais propensas a falar dele. O motivo? Moeda social. As pessoas compartilham coisas que as deixam bem diante dos outros”. (professor Jonah Berger)

professor Jonah Berger

Quatro lições de Sêneca sobre os impactos das Redes Sociais

Onde isso vai nos levar? Não sei você, mas eu já senti o incômodo da compulsão, da sensação de desconforto ao estar desconectado (existe um mundo vibrando lá dentro da máquina e estou off) e da sensação de desconforto de ficar muito tempo conectado (existe um mundo vibrando lá fora e estou on).

Em meio a estas reflexões tive acesso à obra do pensador estoico Lúcio Aneu Sêneca, que viveu no período do Império Romano no início da Era Cristã. Há muito o que se falar sobre ele, mas, para este artigo, separei trechos de algumas de suas obras filosóficas (Sêneca também foi um grande dramaturgo) que nos levam a refletir: Para onde esta superexposição vai nos levar? Por que precisamos da aprovação de dezenas, centenas de pessoas (grande parte que não convive conosco) e alimentar o nosso narcisismo?

Lúcio Aneu Sêneca

Lendo alguns de seus livros, separei alguns trechos e fiz um paralelo com nossos comportamentos nas Redes sociais. Vamos lá:

1.EXPOR AS INTIMIDADES EM EXCESSO

Ninguém permite que sua propriedade seja invadida, e, havendo discórdia quanto aos limites, por menos que seja, os homens pegam em pedras e armas. No entanto, permitem que outros invadam suas vidas de tal modo que eles próprios conduzem seus invasores a isso.

2.OPINAR SOBRE ABSOLUTAMENTE TUDO

Penso que muitos poderiam ter chegado à sabedoria se não pensassem já serem sábios, se não tivessem dissimulado para si mesmos algumas coisas e se não tivessem passado por outras tantas de olhos fechados. Não há razão para pensares que a adulação alheia nos é mais perigosa que a nossa própria.

3.VIVER DE EXPIAR A VIDA ALHEIA

Certamente, miserável é a condição de todas as pessoas que sobrecarregam a sua vida de cuidados que não são para si, esperando, para dormir, o sono dos outros, para comer, que outro tenha apetite, que caminham segundo o passo dos outros e que estão sob as ordens deles nas coisas que são as mais espontâneas de todas — amar e odiar. Se desejam saber quão breve é a sua vida, que calculem quão exígua é a parte que lhes toca.

4.ENTREGAR O NOSSO TEMPO

Certos momentos nos são tomados, outros nos são furtados e outros ainda se perdem no vento. Mas a coisa mais lamentável é perder tempo por negligência. Se pensares bem, passamos grande parte da vida agindo mal, a maior parte sem fazer nada, ou fazendo algo diferente do que se deveria fazer.

Sêneca defende que são grandes e sábios aqueles que não permitem que lhes tirem nada de seu tempo. É isso grandes corporações como Facebook e Google fazem: disputam escarnecidamente o nosso tempo para que sua máquina de negócios não pare. Isso me preocupa pois, como você, não estou imune. O que você acha? Deixo, como reflexão final, outro pensamento de Sêneca:

Frequentemente, alguém muito velho não tem outro argumento para provar que viveu muito a não ser a sua idade. (Sêneca)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERGER, J. Contágio — Por que as coisas pegam. Rio de Janeiro: LeYa, 2014

SÊNECA, L.A. Aprendendo a Viver -Cartas a Lucílio. Porto Alegre: L&PM, 2018

SÊNECA, L.A. Da tranquilidade da alma. Porto Alegre: L&PM, 2018

SÊNECA, L.A. Sobre a brevidade da vida. Porto Alegre: L&PM, 2018

“As redes sociais estão dilacerando a sociedade”, diz um ex-executivo do Facebook. El País, São Paulo, 13 dez. 2017. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/12/12/tecnologia/1513075489_563661.html>

“Vício em tecnologia pode estar ligado a quadros de depressão e ansiedade”. Revista Galileu, São Paulo, 12 abr. 2018. Disponível em: <https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Saude/noticia/2018/04/vicio-em-tecnologia-pode-estar-ligado-quadros-de-depressao-e-ansiedade.html>

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Alessandro Padin
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Escritor, jornalista e professor universitário