Colagem: Pedro Henrique Cabo.

Mulheres plantam solidariedade na Serra da Misericórdia

Projeto garante alimentação saudável e gera renda para famílias de favelas da Zona Norte

pagdezenove
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4 min readJun 16, 2020

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Escreveram Thallys Braga e Victória Santana.
Este texto foi publicado originalmente no Boletim sobre Sistemas Populares de Abastecimento Alimentar, vinculado ao site da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro).

Neste boletim, conheça a experiência do sistema popular de abastecimento alimentar das agricultoras urbanas da Serra da Misericórdia, que estão desenvolvendo o projeto “SOS Agricultura Urbana”. O projeto nasceu para apoiar o plantio na pandemia e gerar renda local, em parceria com Arranjo Local Penha, AS-PTA e Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS). A construção dialoga com as ações de reduzir os resíduos durante a pandemia e fortalecer a autonomia das mulheres.

Até março de 2020, dez famílias agricultoras de favelas da Serra da Misericórdia, no Complexo da Penha, ainda se encontravam semanalmente para trocar sementes e conhecimentos sobre a agroecologia. As técnicas e os saberes compartilhados foram transformados em quintais produtivos nos barracos improvisados, ocupados em sua maioria por famílias nordestinas. Das sementes nasceram árvores frutíferas, que hoje colorem as ocupações irregulares das montanhas da Zona Norte carioca. São os resultados da agricultura urbana, que tem garantido trabalho, alimentação saudável e esperança durante a crise causada pelo novo coronavírus.

Na região, o Centro de Integração na Serra da Misericórdia (CEM) promove a geração de renda familiar a partir do trabalho na terra desde 2011. A rotina de trabalho inclui aulas sobre os processos de plantio e colheita, mapeamento de famílias vulneráveis à pobreza e doação de alimentos produzidos através dos princípios da agroecologia. O ritmo de produção foi afetado pela pandemia, as aulas e reuniões presenciais foram suspensas, mas a equipe está buscando estratégias para garantir o escoamento dos alimentos, que não param de crescer nos quintais. “Estamos criando maneiras de manter a produção. A pandemia tem fortalecido o protagonismo das mulheres. Pensamos e construímos juntas ações no território a partir da solidariedade. E por que não transformar essa solidariedade feminina e política?”, explica Ana Santos, co-fundadora do CEM.

As mulheres são protagonistas no movimento agroecológico e, segundo Ana, muitas famílias da favela têm mulheres no comando. Porém, numa realidade onde elas ainda sofrem com a invisibilidade de seus trabalhos, é necessário falar sobre feminismo. O lema ‘’Sem feminismo não há agroecologia’’, construído pelo Grupo de Trabalho de Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia, foi adotado pelo CEM. Um boletim organizado pelas agricultoras descreve que o feminismo e a agroecologia fazem parte da construção de um mesmo projeto de transformação da sociedade, que “deve garantir a soberania dos povos sobre seus territórios e promover a produção e o consumo de alimentos saudáveis, a partir do uso e manejo sustentável dos agroecossistemas ao mesmo tempo em que reconheça o conhecimento, o trabalho e a contribuição econômica das mulheres para a sustentabilidade da vida e promover autonomia, igualdade, liberdade”.

“Através da agricultura urbana, resgatamos a nossa ancestralidade, pois na agroecologia se respeita todos os saberes, e isso é potência em territórios frágeis. Isso empodera, une, fortalece e ressignifica o papel dessa mulher.’’ destaca Ana.

Em conjunto com a Agricultura Familiar e Agroecologia (AS-PTA), a Fundação Banco do Brasil distribuiu 1000 cestas agroecológicas no total, sendo 400 delas ao CEM. A cesta conta com arroz, farinha e feijão oriundos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), junto com pão artesanal orgânico e materiais de limpeza. Os pepinos, abóboras, temperos e árvores frutíferas colhidos pelas agricultoras do CEM também foram inclusos. Desde o final de março, são doadas 100 cestas agroecológicas a cada quinze dias, organizadas em rodízio entre as famílias das favelas.

A co-fundadora da organização destaca que as atividades de solidariedade geraram renda para toda a equipe, que é composta por pessoas de vários campos de estudo. Com apoio do PACS, O CEM está garantido renda para 5 mães solo. Desde moradoras, que produziram sabão através do óleo reaproveitado, até o jovem, que cuidou da parte de comunicação, todos saíram ganhando.

Foto: Reprodução/Centro de Integração na Serra da Misericórdia (CEM)

Misericórdia busca por água

Outros dois jovens da equipe do CEM contribuíram para uma mudança importante nas rotinas de trabalho na Serra. Os estudantes fizeram um intercâmbio à Paraíba para conhecer técnicas e metodologias de plantio usando cisternas do semiárido. O modelo capta água das chuvas para garantir que a população possa ter acesso a água potável. A viagem dos estudantes, promovida pelo AS-PTA, deu esperança aos agricultores das favelas Terra Prometida e Estradinha, que, assim como alguns da Paraíba, não têm água encanada em casa.

O Centro de Integração na Serra da Misericórdia criou, em parceria com o Arranjo Local Penha, a campanha “Água é direito” para arrecadar fundos e criar o modelo de cisterna na Serra da Misericórdia. No dia 31 de maio, quando foi encerrado, o projeto já tinha arrecadado R$49 mil reais, o que possibilitará a construção de dois reservatórios de água. Além de ampliar a irrigação e o plantio nos quintais e hortas, o projeto também garantirá segurança nesse momento de crise sanitária. “Assim promovemos o cuidado com a saúde e higiene, e ainda a produção de alimentos saudáveis para alimentar e fortalecer a imunidade das famílias.” destacou Ana.

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