Arte: Pedro Henrique Cabo.

O poder da tela preta

Usar as redes pressupõe ter responsabilidade

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4 min readMay 10, 2020

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Este é um artigo de opinião.
Escreveu Pedro Henrique Cabo. Colaborou Luiz Eugênio de Castro.

O porte de armas sempre gera debate e, com certeza, ganhou força durante a campanha do presidente da República Jair Bolsonaro. Entretanto, não analisamos que a grande maioria da população brasileira já possui uma arma que pode ser muito mais letal que a de fogo: o celular. Executamos uma variedade de funções, desde pagar uma conta até compartilhar momentos de nossas vidas por meio de vídeos curtos, os famosos stories. Entretanto, será que precisamos de instruções para usar algo que já consideramos parte da gente?

Capaz de transmitir essa sensação de blindagem, as redes sociais podem colocar os seus usuários em um beco sem saída. Agir sobre o princípio de que não geramos impacto é a mesma coisa que acreditar que uma bala de borracha não pode causar dor. Recentemente, vimos o caso da blogueira Gabriela Pugliesi que fez uma “festinha” para amigos em sua casa em meio à pandemia de coronavírus. A blogueira é uma digital influencer, ou seja, tem um grande alcance de fala pelos seus veículos comunicativos. Esse é um bom exemplo sobre o poder que possuímos frente a uma simples tela de vidro e a responsabilidade que devemos ter como usuário da rede.

Arte: Pedro Henrique Cabo.

Essa rede está para além do virtual. O impacto que se gera, quando não há conhecimento sobre a capacidade destrutiva do armamento que possuímos, pode ser equivalente a balas perdidas. Você pode achar que o impacto causado pela blogueira é mínimo e se restringe aos seus quatro milhões de seguidores “influenciáveis”. Porém, quando Gabriela fala “f*-se a vida”, em um dos seus vídeos, sua “bala” também reverbera em profissionais que lutam justamente por essa mesma vida. O ato causa um enorme estrondo e negligencia o trabalho duro das profissões de áreas como a saúde, de necessária exposição para garantir nossa segurança em casa.

De forma irresponsável e perigosa, observa-se o poder de influência absurda que pessoas como ela possuem na “timeline” de outras. Mas influência e alienação são a mesma coisa? Definitivamente não. Por conta do atual contexto de pandemia e quarentena, acabamos por concentrar grande parte de nosso tempo dentro da tela preta. O que, de certa forma, faz com que busquemos refletir e questionar sobre quem seguir e por quê. Quais conteúdos, de fato, agregam para a realidade de um confinamento?

Feita essa análise crítica, podemos nos perguntar se houveram mudanças com relação à produção de conteúdo desses “influencers” e a maneira pela qual se posicionam. Seria o fim da influência digital como a conhecemos?

Arte: Pedro Henrique Cabo.

Os influenciadores digitais do mundo inteiro estão sofrendo uma reação muito grande e inédita quando compartilham seus momentos em quarentena. A cantora Jennifer Lopez, por exemplo, causou polêmica ao expor em seu Instagram, um momento descontraído entre seu filho e o marido. No vídeo, o menino serve uma lata de água para o padrasto e logo depois, pula na piscina. A problemática, encontrada por diversos seguidores, encontrou-se na legenda da artista: “Não podemos sair para nenhum restaurante, mas o serviço e a diversão aqui são bem bons.” A postagem recebeu comentários como: “O coronavírus parece até divertido quando você é rico”, “Que sorte, hein! Porque minhas crianças estão entediadas e eu estou lutando para manter minha sanidade mental”.

O problema não está em você ser rico e compartilhar seus momentos em família. A questão está na forma como isso é mostrado. A não-ida à um restaurante não pode ofuscar e minimizar os motivos reais da quarentena. Isso pode ajudar a construir uma imagem superficial e elitista, que é tudo o que não queremos. Além disso, essa realidade distópica e ilusória acaba por reforçar as marcas de desigualdade que convivemos, principalmente no Brasil.

Queremos que esses famosos utilizem de seu evidente privilégio para ações reais, como doações e até mesmo o compartilhamento de suas angústias e medos. Afinal, buscamos a identificação por pessoas verdadeiras, de carne e osso, e não apenas “celebridades” vivendo dentro de uma bolha.

Aflição de jornalista

Estou aflito

aflito por estar

Impaciente

Inseguro

Não paro quieto em nenhum lugar

Já fui da sala pra cozinha

do banheiro pro quarto

Mas a aflição não me deixa pra lá

Não consigo ver TV

Escrever ou desenhar

Nada me prende

preciso respirar

Me sinto preso

Dentro dos tijolos

Dentro do vidro

Dentro de mim

Pessoa no qual perdi

E não consigo encontrar.

Tem tanto caos que eu não sei

por onde começar

Está acontecendo de novo não consigo termin…

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Um coletivo de jovens da Baixada e da ZO em busca de boas histórias.