Colagem: Diogo Gomes

Opinião: Defender a vida não tem prazo de validade

O mês que deveria ser símbolo de conscientização se tornou alvo de ironias que, consequentemente, imobilizam ações de prevenção ao suicídio.

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7 min readSep 30, 2020

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Este é um artigo de opinião.

Escreveu Diogo Gomes. Colaborou: Thais Carvalho

A campanha do Setembro Amarelo ocorre no Brasil desde 2014, por iniciativa conjunta do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). 10 de setembro foi a data escolhida para marcar o Dia Internacional da Prevenção contra o Suicídio. Dentro da média de mais de 1.000.000 de casos registrados em todo o mundo anualmente, cerca de 12.000 acontecem no Brasil. Entre os principais transtornos que causam o suicídio de jovens, a depressão lidera; e, logo após, há altos números relacionados também à bipolaridade. 96,8% dos casos de suicídio estão associados aos transtornos mentais.

A saúde mental tem se tornado o assunto do século e, ainda assim, poucos conseguem assimilar como a depressão, a ansiedade e outras vertentes são verdadeiramente responsáveis por parte do mal-estar social. Mesmo quando se inicia uma campanha séria — implementada e defendida por governos e autoridades da área de saúde — para nos conscientizar, não conseguimos entender seu verdadeiro sentido.

Responsabilidade na vida, responsabilidade na internet

Foto: Bruno Fortuna. Reprodução: Fotos Públicas

No mês em que deveríamos falar abertamente sobre o assunto e divulgar as medidas públicas articuladas para evitar o suicídio, perdeu-se espaço para críticas, ironias e memes sobre a hipocrisia das pessoas que, supostamente, se importam com o assunto apenas quando setembro chega. Enquanto publicações sarcásticas rendem likes, as postagens responsáveis que informam e tratam o assunto de maneira séria e conveniente são pouco visualizadas.

Não houve posts e retweets conscientizadores suficientes para bater de frente com a grande massa daqueles que precisam se sentir completos quando ganham likes por fazer uma crítica irônica, descabida e insensível. Mas, na verdade, isso não transforma a realidade de uma pessoa que está decidida a tirar sua própria vida; os posts que nos ensinam a lidar com essa situação e buscar evitar perdas, sim.

“E aí, quando de fato acontece, sempre vem aquele: ‘Meu Deus, como eu não percebi? O que eu podia ter feito?’. Todo mundo fica muito chocado e muito mobilizado. Mas, na verdade, quando as coisas podem ser feitas, as pessoas só colocam embaixo do tapete”, diz Thais Carvalho, 26, formada em Psicologia pela PUC-Rio e especializada em Terapia Cognitivo-Comportamental.

Sim, alguns realmente se lembram de comentar apenas no mês da campanha. Porém, quando deixamos de expor um dado ou alguma outra informação — seja em que tempo for -, nos colocamos em lugar de igualdade com as pessoas que só querem tocar na ferida de quem age com hipocrisia.

Afinal, é mais fácil nomear o “depressivo de Whatsapp” como um “falso doente” do que entendê-lo pela atitude que o leva a se manifestar assim. Por mais falsa que pareça, pode ser um sinal: um pedido público por socorro. E, ao invés de ajudar esse alguém a encontrar um psiquiatra — único especialista que pode diagnosticar transtornos mentais -, preferimos discursar e destilar opiniões.

Quanto mais julgamento a pessoa que está deprimida sofre, mais difícil isso torna a sua recuperação. Então é importante que exista o auxílio e o suporte de amigos, familiares, todas as redes de apoio […] E aí como que essa rede vai oferecer suporte se ela tem pouco conhecimento? Se ela tem muito preconceito e fica replicando discursos que não são verdadeiros, que acreditam em fake news relacionadas a isso, “tratamentos milagrosos” e coisas do tipo?”

Cuidar dos próximos e fazer dos outros também empáticos

Colagem: Diogo Gomes

Alguns muros foram construídos quando, não muito tempo atrás, nos colocamos em negação às aflições mentais e sua veracidade, mas hoje, com a informação a nosso favor é fácil mudar esse percurso de desajustes. A falta de políticas públicas mais abrangentes não pode nos afetar se, nos nossos próprios lugares, na nossa região de moradia, conseguirmos nos conscientizar, promover linhas de pensamentos informativas, praticar falas e atitudes positivas.

Quem nunca ouviu de amigos tristes e aparentemente cabisbaixos: “meu pai disse que é coisa da adolescência e que vai passar”? Ou então: “é falta de Deus”? Infelizmente, nem mesmo alguém de dentro do lar, do ciclo social de alguém que precisa de ajuda, consegue perceber os sinais que ela desenvolve, mas, pelo contrário, há uma falta de compreensão e atribuição do comportamento às coisas banais.

“Quando as pessoas perceberem amigos, vizinhos, parentes ou o que for, com comportamentos estranhos, mais isolados, mais irritados, mais tristes, mais sem interesse […] Se as emoções mudaram muito, é aconselhável recomendar uma ida, de fato, a um profissional. Não tentar fazer um diagnóstico sozinho, medicar sozinho, ou achar que aquela pessoa precisa resolver isso sozinha. Existem profissionais que estudaram, que são competentes para lidarem com esse tipo de situação. E aí, muitas vezes, as pessoas querendo ajudar, acabam até atrapalhando, porque entra naquele midiático: “mobilizo meu direct”, “não se sinta sozinho”, “não acabe com a sua vida”, “eu estou aqui”, mas não, as pessoas não têm uma escuta qualificada e a escuta só é qualificada quando ela é terapêutica.”

A nossa importância nessa luta, além de transformar nossa mentalidade sobre o assunto, também é a de acabar com estigmas e pensamentos pejorativos que prejudicam a causa. “Psicólogo e psiquiatra são para malucos” é comumente escutado no nosso convívio e, assim como outros, é um termo que pode afastar alguém necessitado de um tratamento. Afinal, quem gostaria de frequentar algo para “maluco”?

…E isso acaba dificultando essas pessoas deprimidas de buscarem ajuda, porque elas não querem ser julgadas, elas não querem ser rotuladas e isso muitas vezes pode levar com que a pessoa de fato acabe com a própria vida já que ela não teve abertura, incentivo, já que ela não teve suporte para buscar uma ajuda profissional, para que ela pudesse se recuperar. Geralmente, a pessoa deprimida é aquela que recusa o convite, que não quer sair, que vê tudo de uma forma muito negativa e os amigos acabam se afastando.

Abrir os ouvidos e conscientizar a fala

Nós não podemos colocar pessoas deprimidas em uma bolha e fingir que seus sentimentos irão sumir da noite para o dia. Ao escrever esse artigo, me questionei, do início ao fim, acerca das minhas atitudes com colegas e amigos que, por não saber como ou o que dizer, me afastei, mesmo que de forma “sutil”. Eu me desafiei a mudar completamente minha percepção de “não tenho responsabilidades com isso pelo simples fato de não saber como ajudar ou lidar”.

Em minha conversa com Thais, ela me explica que “não é nada indicado tentar conversar de forma terapêutica com a pessoa deprimida” porque as palavras podem ser duras, podem ser um choque para quem ouve. Por isso tem de ser, de fato, um profissional para essa tarefa. Entretanto, nós não precisamos e nem devemos nos afastar desse alguém, mas sim, o envolver com muito amor, carinho, importância, e, claro, ajudá-lo a encontrar um profissional que possa o acompanhar.

“Não é algo que dure para a vida toda. Existem casos, mas é a minoria. O tratamento, tanto farmacológico quanto psicológico, cura sim. É um transtorno que é passível de ser curado. Ninguém precisa viver a vida toda dessa forma, muito pelo contrário.”

Imagem informativa do Governo do Estado do Rio de Janeiro sobre a campanha Setembro Amarelo

Embora pouco reconhecidos, muitos recursos de ajuda são disponibilizados gratuitamente ou por valores muito simbólicos. O Centro de Valorização da Vida (CVV) conta com a ação de voluntários 24 horas por dia no atendimento por telefone no número 188 a quem precise de um auxílio ou conversar. Os Centros de Atenção psicossocial (CAPS) também atuam no atendimento e auxílio em postos específicos disponibilizados pela Prefeitura do Rio. No SUS, além de medicamentos — que devem ser receitados, é possível se encontrar psiquiatras e psicólogos prontos para o início de um tratamento psicológico. Universidades que oferecem o curso de psicologia também costumam praticar, em seus serviços de psicologia aplicada, sessões de terapia por um valor bastante acessível.

A campanha tem seu valor simbólico social de importância para a causa contra o suicídio. Em vez de restringirmos reflexões a um único mês, façamos com que as ações provocadas pelo Setembro Amarelo sejam contínuas. Na nossa responsabilidade afetiva, de compromisso com aqueles que queremos zelar e proteger, façamos a nossa parte: construir pontes para que menos pessoas adoeçam e, caso aconteça, que todos estejam preparados para dar o suporte necessário.

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Um coletivo de jovens da Baixada e da ZO em busca de boas histórias.