Cotton Ceiling?

Maria Rita Casagrande
Paginas Negras
Published in
4 min readJan 22, 2016
ilustração Agata Nowicka

Escrevi este texto em janeiro de 2014, quando publicava o True Love, site sobre relações entre mulheres lésbicas e bissexuais. Escrevi por conta do dia da visibilidade trans* (29/01). Fazia um tempo que não ouvia nada sobre o assunto, mas a alguns dias voltou a pipocar nas redes sociais, e a surgir em forma de comentários sem noção de volta no meu inbox. O True Love saiu do ar, o texto passou a existir somente na memoria de quem leu na época ou que aparentemente guardou com todo carinho a publicação. Enfim, acho que permanece pertinente hoje, mesmo 2 anos depois. Minha vida mudou muito , fiz inúmeras descobertas e já não me identifico mais como lésbica e sim bissexual, mas parece que foi só isso que mudou mesmo.

A s categorias definidas pela sigla “LGBT” são muitas vezes vistas como estados exclusivos de ser. Pode-se ser lésbica, gay, bissexual OU trangenero/transexual — não há sobreposição.

Está é uma suposição falsa e é perpetuada pela mídia e cinema contemporâneo, onde protagonistas trans* — algo bastante raro — estão constantemente acompanhados de uma pessoa do sexo “oposto”. Basta pensar em Brandon Teena em Meninos não Choram, ou Café da manhã em Plutão.

Quando foi a ultima vez que você viu um retrato sensível, cheio de nuances de uma pessoa trans* e seu/sua parceiro do mesmo sexo? The L word (e já faz tempo hein) deu um passo em direção a essa relação quando uniu os personagens de Max e Tom. No entanto a abordagem sensacionalista dada a gravidez de Max eliminou a possibilidade de fazer uma verdadeira inclusão trans* na televisão .

O que estas relações invisíveis significam para as pessoas trans* e seus parceiros em potencial na realidade? O ‘cotton ceiling’ (teto de algodão) é uma teoria americana que alguns membros da comunidade trans apresentam para explicar sua posição única. A teoria do “cotton ceiling” trabalha para explicar as experiências que mulheres trans* lésbicas tem com “inclusão social simultânea e exclusão sexual” dentro dos espaços femininos (lembrando de novo que se trata do contexto americano, aqui no Brasil precisamos caminhar muito para assistir mulheres trans* sendo acolhidas em todos os espaços femininos ou feministas).

Em poucas palavras, as mulheres cis (mulheres cuja identidade de gênero corresponde com o sexo a que foram atribuídas ao nascer) podem ser aliadas da comunidade trans dando-lhe voz, mas ainda hesita em considerar as mulheres trans* como parceiras sexuais e românticas viáveis.

Sendo muito clara aqui: o ‘cotton’ refere-se a roupa de baixo, calcinhas. Definitivamente não é a metáfora perfeita, mas não há como negar o fato de que as mulheres lésbicas e bissexuais cis podem ser relutantes em entrar em um relacionamento físico ou romântico com mulheres trans*. A crença de que as mulheres trans* não são ‘mulheres reais’, e , portanto, não desejáveis, que são e prejudiciais, perigosas , se transforma num argumento para policiar sobre de quem, e como, uma pessoa pode se sentir sexualmente atraída por outra.

O assunto é complicado e não é algo que possa ser resolvido de uma hora para outra, pressupõe-se que o principio para uma relação lésbica é que não haja o fator ‘pênis/esperma’ envolvido, do contrário está em um relação hétero, mas no caso de uma relação entre uma mulher lésbica e um homem trans* independente de seus genitais a relação passa imediatamente a ser identificada como hétero (ou muito raramente como uma relação bissexual, dentro da realidade de invisibilidade bi). Porque dois pesos e duas medidas?

Mulheres trans* não têm uma vida fácil, de modo geral. Elas são assassinadas em um ritmo alarmante, especialmente as negras, com a praticamente inexistente cobertura da mídia. Muitas figuras do feminismo têm notoriamente posturas anti-trans, e utilizam do conceito de “cotton ceiling” para serem tranfobicas, alegando que mulheres trans* na verdade são estupradores em potencial infiltrados nos espaços femininos para executar suas estratégias. Então uma pessoa abre mão do privilégio de ser um homem cis, que detêm todos os privilégios do mundo, para sofrer todo o tipo de preconceito e violência possível apenas para conseguir sexo com mulheres (tecnicamente ele já não fazia sexo com mulheres como homem cis?!), será que um estuprador precisaria ou utilizaria realmente de um artificio destes? Um estuprador iria se expor a violência física, verbal, psicológica dado a sua natureza covarde? Faz algum sentido? Eu vejo apenas como a pior teoria da conspiração já cunhada por qualquer pessoa. Definitivamente este não seria o crime perfeito.

Se você lésbica não se atraiu por uma mulher trans* não se relacione com uma, se você se atraiu, aproveite a vida e ame sem preconceitos. Qualquer sexo sem consentimento é estupro não é necessário que parta de uma pessoa Trans*, este argumento é apenas desonesto, pra dizer o mínimo. Uma mulher trans* é apenas mais uma mulher que pode sim ser lésbica, bissexual ou heterossexual e acredito que a preocupação delas está em ser feliz e sobreviver e não em ser agressoras de mulheres cis. Isto se chama vida. Não devemos tornar os rótulos mais importantes do que nossos desejos, amores e paixões.

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Maria Rita Casagrande
Paginas Negras

Escrevo pra não enlouquecer, sobre coisas que já me enlouqueceram.