Construindo uma Sonda Cultural

Ivan Bilhó Toledo
pagsegurodesign
Published in
8 min readMay 29, 2018

--

Os desafios e aprendizados no uso de um método semi-etnográfico

Introdução

Aqui no PagSeguro estamos constantemente estudando novos métodos e formas de pesquisar e compreender o universo de nossos clientes, afim de criar as melhores experiências. Dentro desse contexto recebemos a tarefa de aprofundar o nosso entendimento sobre a relação de crianças e adolescentes com o dinheiro.

Essa necessidade fora resultado de um grande estudo realizado anteriormente pelo time de design que avaliou oportunidades de novos negócios para consumidores domésticos, famílias e crianças / adolescentes.

Um dos seus principais aprendizados foi a existência de um vácuo de boas soluções financeiras voltadas para o público jovem, que permita que eles aprendam como lidar com o dinheiro, e ainda sejam inseridos dentro do universo financeiro.

O desafio

Diante disso, era necessário entender melhor a relação que crianças e adolescentes têm com o dinheiro. Mas como? Uma pesquisa quantitativa com a nossa base de clientes não atingiria diretamente o público alvo da pesquisa e não traria insights relacionados aos aspectos atitudinais dos jovens com o dinheiro, por outro lado, uma pesquisa qualitativa tradicional levaria muito tempo e esforço uma vez que precisaríamos de uma grande quantidade de entrevistas em profundidade, fora o agravante de que as respostas poderiam não ser tão espontâneas por conta da presença do pesquisador.

Eis que surgiu a ideia: por que não utilizar um diário de uso continuado? Este método de pesquisa se parece com uma pesquisa semi-etnográfica (método oriundo da antropologia), porém o pesquisador não está presente durante a coleta dos dados. Isso porquê é o próprio pesquisado que faz as anotações, a partir de um questionário previamente elaborado. Com ele garantiríamos o mínimo de intrusão possível no cotidiano do jovem e as respostas seriam dadas em um contexto natural.

Tinhamos encontrado o nosso método! Uma sonda cultural, tendo em vista que o objetivo da pesquisa não era entender o uso específico de um produto em si, mas sim a relação do jovem com o dinheiro.

Mãos à obra: construindo o roteiro da sonda cultural

Definido o método, passamos a delimitar nossa amostra: 36 jovens de 12 a 17 anos (6 de cada faixa de idade) das classes B e C da região metropolitana da cidade de São Paulo. Em seguida iniciamos a construção do roteiro da sonda, mais precisamente as perguntas e atividades a serem realizadas. Elaboramos 20 diferentes questões e as distribuímos ao longo dos 7 dias de estudo, de forma que a cada dia houvesse em média 3 perguntas.

Havia uma grande preocupação da nossa parte em tornar o preenchimento do estudo algo prazeroso e estimulante, por essa razão, mesclamos perguntas abertas e atividades lúdicas, tais como: desenhar, colagem de adesivos e captura de fotografias do seu cotidiano como: lugares onde ele costuma comprar, a última compra e algo que o jovem queira muito comprar.

As perguntas, por sua vez, sempre estimulavam que fossem retratadas histórias e fatos reais como: a última vez que o jovem precisou pedir dinheiro aos pais ou alguma vez que ele deixou de realizar algo por não ter dinheiro.

Humanos são espetacularmente ruins ao prever seu comportamento futuro. É tentador perguntar “Você gostou dessa ideia?” ou “Você compraria este produto?” Infelizmente, você precisa tratar essas respostas com grande ceticismo. É mais efetivo pedir ao entrevistado que compartilhe uma história do seu passado.

Giff Constable — Talking to Humans

Ainda assim, existia o risco de que o jovem não completasse o preenchimento do estudo. Para solucionar esse problema, atrelamos a ele um incentivo / bonificação: um cartão pré-pago com R$ 100,00 em créditos para eles gastarem a vontade. O cartão seria entregue no 6º dia do estudo e só seriam elegíveis a recebê-lo os jovens que tivessem completado todas as atividades até o 5º dia.

Com essa solução acabamos solucionando dois problemas: garantiríamos o preenchimento do caderno e ainda seria possível monitorar em que tipos de estabelecimentos os jovens gastariam seus créditos complementando os dados da pesquisa.

Criando o visual da sonda cultural

Uma vez definida a estratégia do estudo e seu conteúdo, reunimos nosso talentoso time de designers para dar vida à sonda cultural. Para isso, decidimos criar uma identidade visual completamente diferente da nossa marca com o objetivo de não enviesar as respostas. Essa identidade criaria uma relação de identificação com o jovem por seu tom de voz informal e seu visual moderno e arrojado. Apelidamos essa identidade de “Pesquisa AE”.

“Design é realmente um ato de comunicação, o que significa ter uma profunda compreensão da pessoa para qual o designer está se comunicando”

Don Norman — The Design of Everyday Things

Mas ainda faltava o toque final. Como entregaríamos o kit da sonda cultural? A solução foi construir uma caixa especial que abrigasse o roteiro, as instruções e alguns materiais como lápis, borracha, caneta, adesivos de bolinha e post-its. Estes materiais auxiliariam na conclusão das atividades do roteiro.

O desafio do recrutamento

Com o kit pronto, passamos então a traçar a estratégia de recrutamento para a pesquisa. Como a faixa de idade era ampla (12 a 17 anos) e não queríamos recorrer a indicações internas (para evitar uma amostra enviesada), optamos por fazer o recrutamento em escolas.

Selecionamos algumas escolas e fizemos o primeiro contato por meio de uma ligação telefônica, apresentando e explicando o objetivo do estudo. Como era esperado, as escolas pediram para detalhar o estudo através de um e-mail, para que a diretoria pudesse avaliar a participação da escola.

Das 5 escolas abordadas, 3 acenaram positivamente ao nosso pedido: uma na cidade de Itapecirica da Serra, e duas na cidade de São Paulo. Vencida a primeira barreira, agora era necessário sensibilizar os pais dos alunos, já que precisávamos da autorização dos responsáveis para que os filhos participassem do estudo. Para isso, criamos um termo de consentimento onde os responsáveis autorizariam a participação dos jovens e tomavam ciência do valor de R$ 100,00 que seria recebido a título de bonificação.

Para nossa surpresa, em pouco menos de 1 semana já tínhamos em mãos todas as autorizações e podíamos seguir com a próxima etapa da pesquisa.

Execução da pesquisa

Chegou o momento de entregarmos os kits das sondas. Agendamos com cada uma das escolas um dia em que pudéssemos conversar rapidamente com os alunos para apresentar e entregar o kit. A recepção por parte dos jovens foi muito positiva, muitos deles ficaram encantados com a caixa e pediram que ao final da pesquisa eles pudessem ficar com ela.

Entrega dos kits na escola de Itapecirica da Serra

Uma vez entregues os kits, teve início a semana da pesquisa. Ao longo da sua duração, mantivemos contato com os jovens por meio do WhatsApp, com estímulos diários cujo objetivo era esclarecer eventuais dúvidas e motivá-los a concluir as tarefas da sonda cultural. Em todas as interações, buscamos sempre manter um tom de voz jovem, abusando de gifs animados com o objetivo de deixá-los a vontade para compartilhar suas experiências conosco.

No 6° dia retornamos às escolas, dessa vez para a entrega dos cartões pré-pagos. Como combinado previamente, pedimos a cada aluno que trouxesse seu caderno para que pudéssemos verificar se todas as atividades até o 5° dia haviam sido preenchidas, um pré-requisito para receber o cartão.
O saldo foi extremamente positivo: de toda a amostra, 35 alunos, apenas dois apresentaram o caderno incompleto. Ainda assim, optamos por entregar os cartões a eles com o compromisso de que estes terminariam todas as atividades faltantes até o término da semana.

Passados os dois dias restantes de pesquisa, retornamos uma vez mais às escolas para recolher os cadernos e cartões e agradecer a cada um dos alunos pela participação na pesquisa. Reforçamos esse agradecimento por meio do nosso canal no WhatsApp e as mensagens não poderiam ter sido mais gratificantes.

Interações por meio do WhatsApp

Interpretando os dados

Em posse de todos os kits, iniciamos a interpretação dos dados. A análise consumiu 1 mês de trabalho do nosso time para avaliar e consolidar as mais de 697 respostas divididas em 17 perguntas do caderno, além das mais de 170 fotografias enviadas que nos ajudaram a compreender os signos visuais do universo desses jovens e compor materiais como as Personas.

Toda a análise foi consolidada em um grande diagnóstico que detalha as principais marcas consumidas, as categorias de compras mais frequentes, redes sociais utilizadas, influenciadores digitais, hábitos de poupança, personas, além de um painel estratégico com as principais rotas de conexão do PagSeguro com o público em questão.

Ao final, todo o material foi disponibilizado às equipes de produtos com o objetivo de subsidiar a concepção de novos produtos / funcionalidades.

Principais Aprendizados

Uma vez concluída a pesquisa, fizemos uma balanço com os principais aprendizados que todo esse longo processo trouxe para o nosso time e para o PagSeguro:

· O envolvimento de todo o time de Design foi fundamental para o sucesso do projeto, pois cada um trouxe um tipo de contribuição para a construção da sonda cultural, o que reforçou o sentimento de equipe;

· Ainda que não fosse o principal objetivo do projeto, a criação de uma identidade visual diferente nos ajudou a quebrar barreiras de comunicação com os jovens eliminando ruídos que o uso da nossa marca poderia causar.

· Utilizar atividades lúdicas tais como desenhos, adesivos e fotografias foi uma escolha acertada pois reforçou o interesse do jovem com a pesquisa;

· Usar o cartão pré-pago como bonificação foi benéfico para ambos os lados. Os jovens tiveram muito mais liberdade para escolher o que iriam comprar (o que não seria possível com os cartões presentes de varejistas) e nós pudemos cruzar as categorias de compras declaradas com as compras realizadas.

Ainda que este tipo de pesquisa seja mais demorado do que métodos comuns, seus resultados certamente justificam o investimento.

Agradecimentos à Sheyla Amaral Constantino Ramos, Hugo Luigi Leonardo Crespo, Bruno B. Macedo e Solaine Cristina de Lima.

Ilustras e projeto gráfico: Thiago A.M.S., Bruno Macedo e Rodrigo Maia

--

--