O que aprendi com o teatro e o que isso tem a ver com o meu trabalho

Alice Lucena
pagsegurodesign
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9 min readJan 23, 2019

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Comecei a fazer teatro em um curso livre apenas como um hobby, para me distrair e aprender uma coisa nova (que não tivesse relação com o meu dia a dia). No começo foi desconfortável e até doloroso. Eu parecia ter tomado uma decisão ruim. Mas, para a minha surpresa e sem nenhuma expectativa, fui apresentada a vários tipos de inteligência durante os meses seguintes. Inteligência emocional, espacial, musical, existencial. Aprendi e aprendo várias lições naquele lugar tão diferente do meu ambiente de trabalho, e que ao mesmo tempo, me ajudam bastante a entender meu papel dentro da minha equipe e empresa.

Muitas vezes nos fechamos em uma área e nos especializamos naquilo de tal forma que não conseguimos enxergar a beleza e a importância de outros conhecimentos em nossa vida. Fazer teatro me fez desenvolver e enxergar habilidades ao qual eu nunca tinha dado atenção e que fizeram uma grande diferença na meu dia a dia. Eu percebi isso depois de, por várias vezes, escutar meus colegas comentando o quanto eu havia mudado meu modo de trabalhar após ter iniciado o curso. Estar em contato com esse mundo tão único tem sido deliciosamente angustiante e, pensando nisso, pontuei algumas características que criei e/ou desenvolvi no teatro que são extremamente úteis para lidar com minha equipe, para ser líder, como designer e facilitadora.

E agora gostaria de compartilhar com vocês um pouco do que aprendi lá =)

1. Não tenha medo de ser bobo

A primeira lição que tirei fazendo aulas de teatro foi que ser ridículo seria comum. Ao menos no início. Fazer coisas que você nunca se imaginaria fazendo, passar umas vergonhas. E ficar em paz com isso.

Aprender a rir de si mesmo, no palco, no ônibus, no trabalho. Ter um olhar mais gentil para as pessoas e assim olhar dessa forma para você mesmo. E, assim, seguir mais leve.

Como isso me ajudou no trabalho: Não tenha medo de dar aquela ideia no brainstorm, aquela solução bizarra, não tenha medo de soar bobo. A gente é gente e convive com gente. E vai passar umas vergonhas no almoço com o time, em uma reunião, vamos falar uma besteira fora de hora, porque é inevitável. E precisamos está em paz com isso. Ao mesmo tempo, quando paramos de nos julgar ridículos, olhamos com um olhar mais leve para o outro e suas bobagens, de forma que aceitamos ideias diferentes e conseguimos extrair o melhor delas.

2. Fuja do óbvio, pense rápido e improvise

Vários exercícios no teatro estimulam a criatividade e o improviso. Uma cena que você precisa continuar, uma linguagem que você precisa inventar, a solução que você precisa encontrar. E tudo isso, claro, com a pressão da plateia (ou de seus professores e colegas de turma). Para improvisar, a gente aprende a estar atento e disponível para ouvir o outro. Não há uma regra, mas basicamente você precisa estar consciente de quem é você, onde você está e qual o seu papel naquela cena.

Como isso me ajudou no trabalho: Como designer, ter a capacidade de ouvir é fundamental. Conseguir se manter calma em situações de estresse e pressão por uma solução rápida também. Aprender a observar e ouvir todo o cenário antes de tomar uma decisão e, sobretudo, ter consciência de qual é o seu papel ali naquele contexto. A gente trabalha dentro de squads e, nem sempre, a solução ideal é viável. É necessário improvisar, buscando o apoio daqueles que entendem de tecnologia para que possamos fazer um bom trabalho.

Por último, ao fazer inúmeros exercícios de improvisação e criação de histórias, novas ligações entre os neurônios são desenvolvidas e contribuem para uma maior velocidade de processamento do cérebro e capacidade de resolução de problemas (cientificamente falando).

3. Acredite. Acredite mesmo.

Imagine que você é um passarinho na floresta. Você é um torturador. Você é uma criança pobre. Um idoso. Imagine. Ande como uma criança. Fale como uma criança. Você precisa realmente acreditar naquilo. Se jogar no exercício, como se sua vida dependesse disso. Se você não acreditar no seu personagem, no seu contexto, como espera que a plateia acredite? Na construção dos nossos personagens, aprendemos a acreditar com muita força, mesmo no absurdo, no improvável.

Como isso me ajudou no trabalho: Em muitos momentos precisamos defender ideias para o nosso squad, ou diretoria, ou gerente ou pares. E é necessário acreditar no que estamos defendendo. Defender aquilo que acreditamos ser o melhor para o projeto, para a empresa, para os usuários. A probabilidade de ideias serem aprovadas quando defendidas com confiança é grande.

4. Construa e destrua, sempre que necessário

No teatro fazemos vários laboratórios, em que somos colocados em situações que podem nos dar medos e relembrar traumas. A gente constrói narrativas para buscar dentro da gente personagens que não sabíamos que existiam. Mas assim como chegamos nessa construção, podemos sair dela. Afinal, fomos nós que criamos isso, não é mesmo?

Como isso me ajudou no trabalho: Assim como criamos uma ideia incrível, um projeto sensacional, podemos abrir mão dele e desconstruir isso. E criticar isso. E usar isso como ponte para novas ideias, novos projetos. Aprender a ter controle emocional, saber a hora de abrir mão quando aquilo não está mais dando o resultado esperado é algo muito valioso no nosso trabalho.

5. Respeite seus colegas

Não fazemos uma peça sozinhos. Temos os parceiros de cena, o pessoal no backstage, os diretores, a plateia. Respeitar todas essas pessoas é fundamental para que a peça seja um sucesso. Chegar no horário dos ensaios, saber a hora de calar e ouvir as instruções de cena, respeitar o tempo do seu colega. Respeitar as diferenças. No teatro nada é discriminado e há espaço para todas as pessoas. Aqui a diversidade não é apenas permitida, como é incentivada, e é o que torna esse ambiente tão rico.

Como isso me ajudou no trabalho: Como líder, me fez olhar para o meu time de outra forma. Me fez desejar ter um time multidisciplinar, tendo indivíduos com características diferentes para que suas diferenças contribuam para termos diversos pontos de vista e assim um resultado mais rico. Eu passei a desejar o diferente e não a evitá-lo.

6. Confie, confie, confie.

Confiança é a base do grupo. É aquilo que nos mantém unidos e possibilita que a gente se entregue em uma cena. Possibilita que a gente confie nosso corpo e nossas emoções aquelas pessoas. Fazemos constantemente exercícios de olhar nos olhos uns dos outros e transmitir calma e aconchego. Exercitamos a nossa compaixão e empatia pelo próximo, pelo nosso personagem e por nós mesmos.

Seguro na sua mão, você segura na minha, para que juntos possamos fazer, aquilo que não posso fazer sozinha.

Como isso me ajudou no trabalho: Confiança é a base para uma boa relação, seja ela pessoal ou profissional. E ela não surge do dia para a noite. Ela precisa ser trabalhada e conquistada com ações. Confiar que o time tem competência técnica para fazer aquilo que eles dizem saber fazer. Dar liberdade para novas propostas. Dar a eles a certeza de que, independente da situação que eles trouxerem, você vai ter a capacidade de se colocar no lugar deles. Ter um olhar de compaixão e palavras de calma. Afinal de contas, nenhum resultado que se constrói à custa do sofrimento de alguém é duradouro.

7. Você faz parte de uma engrenagem.

Sim. E você não é mais ou menos importante do que ninguém . Não importa seu personagem. É necessário que todas as peças trabalhem juntas para que o todo funcione. E você aprende isso cedo.

Maior do que eu é meu personagem. Maior do que meu personagem é a peça.

Como isso me ajudou no trabalho: Temos diversos projetos com suas estratégias e retornos. E muitas vezes, alguns deles são mais superestimados do que outros. Aqui eu aprendi a mostrar para todo mundo a importância de cada projeto e que, se um deles falhar, por menor que o projeto seja, pode colocar em risco todo o ecossistema. Por isso temos que dar nosso melhor, não importando o tamanho do projeto em que trabalhamos. Afinal de contas, "não existem papéis pequenos, existem atores pequenos".

8. Não esqueça de respirar

Engraçado isso. Algo tão simples, mas que fazemos de forma mecânica e automática. No teatro sempre começamos a aula respirando conscientemente e profundamente. Prestando atenção no ar entrando e saindo. E percebendo a mente se acalmar e a ansiedade ser controlada. Na real, aprendemos a escutar nosso corpo e respeitar nosso corpo.

"Não esqueçam de respirar!" é algo que ouvimos várias vezes durante os exercícios. E o que isso no fundo quer dizer é: "Não esqueçam de prestar atenção na sua respiração e se concentrar em você e naquilo que você é capaz de fazer". E, acreditem, isso é muito importante quando você está na coxia do palco escutando as pessoas entrarem para assistir a peça que está prestes a começar.

Como isso me ajudou no trabalho: Quando você aprende a respirar, sua voz sai com mais facilidade e você diminui os níveis de estresse no seu corpo, além de aumentar a concentração. Isso é essencial para quando você está prestes a entrar naquela reunião em que você tem apenas 10 minutos para convencer sua gerente ou diretora de que aquele projeto no qual você trabalhou no último mês vale a pena. E durante essa apresentação lembre sempre de respirar! Se você está ali, é porque é capacitado para isso.

9. Não pule o aquecimento

Eu sei. É chato. É muito chato. Caramba, é chato demais. A gente faz caretas para soltar os músculos da face, a gente grita, a gente corre no mesmo lugar, a gente pula, a gente faz barulhos estranhos com a boca, limpamos a garganta e respiramos. Profundamente. E depois tudo de novo.

Como isso me ajudou no trabalho: É chato, mas eu me peguei fazendo aquecimento corporal antes de uma reunião importante. Isso fez com que meu corpo tivesse preparado para esse momento. É como se eu estivesse avisando a ele que vamos entrar em cena. E, além do aquecimento físico, também comecei a estimular aquecimentos mentais antes de realizar uma demanda. Antes de colocar a mão na massa, vamos pesquisar sobre o tema, vamos fazer benchmarking, vamos preparar o terreno para que na hora que a gente for executar uma tarefa, nosso corpo e nossa mente estejam preparados para isso.

10. Lembre-se: Talento não existe!

Eu escutei isso na primeira aula, quando ousei a dizer que estava ali só por curiosidade, porque não tinha talento nenhum para as artes. Ouvi, naquele momento, que talento não existe. O que existe são pessoas que são mais expostas a ambientes e oportunidades para aprender determinada habilidade. Mas, que qualquer um disposto a aprender algo e com os estímulos corretos, pode desenvolver a tal habilidade desejada. E ouvi isso várias vezes durante os últimos meses. Passei a acreditar. Ainda bem.

Se o ambiente permitir, pode-se aprender qualquer coisa, e se o indivíduo permitir, o ambiente lhe ensinará tudo o que ele tem para ensinar. "Talento" ou "falta de talento" tem muito pouco a ver com isso.Viola Spolin

Como isso me ajudou no trabalho: Passei a acreditar que poderia aprender tudo que quisesse. E, algo ainda melhor do que isso: que meu time poderia crescer o quanto ele desejasse, desde que eu ajudasse a manter um ambiente saudável e propício para seu desenvolvimento. Passei a acreditar nisso e propagar essa ideia. E vi a confiança em cada um aumentando. Ao que tudo indica, irei ter o prazer de ver pessoas confiantes no seu aprendizado alçando voos cada vez maiores.

Eu queria deixar aqui registrado meu imenso agradecimento ao Curso Ator e dizer o quanto sou apaixonada por esse lugar e por essas pessoas. E, claro, um agradecimento especial a Fafá, pessoa maravilhosa que me recebeu lá de braços abertos e não deixou que eu fugisse com todas as minhas neuroses e dúvidas no primeiro dia de aula e a Mari, diretora extremamente competente que não desiste de mostrar pra gente como atuar é fácil e como somos capazes de nos conhecer e encontrar a emoção que precisamos para cada momento.

Só gente bonita!

E pra você que ficou interessado em conhecer mais desses mundos (teatro ou design), não hesite em entrar em contato comigo que terei o maior prazer de tirar todas as suas dúvidas!!!

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