#PraCegoVer: Ilustração colorida, com uma garota em um trem seguindo seu destino, na chaminé do trem está saindo fumaça escrito "Migrar"- Ilustração por Bernardo Abreu

Transição de carreira: O que ninguém fala após migrar pra UX

Lidiane Santana
pagsegurodesign
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8 min readSep 22, 2020

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Baseado nos meus aprendizados eu listei coisas que gostaria de ter lido logo depois que migrei para UX e me ajudaram a manter a saúde mental.

Faz cerca de um ano que estou estudando sobre UX. Passei por todo o processo de transição de carreira: questionamento de abandonar anos de profissão, me afundar em vários conteúdos da área, disparar currículos para vagas júniors, mentoria com quem já é sênior na área, até chegar na tão sonhada contratação. Temos acesso a muitos conteúdo sobre transição de carreira, a internet está cheio deles. Mas senti muita falta de ler sobre pessoas que, assim como eu, tiveram um certo incomodo neste trajeto que nem sempre é tão trivial. Vejo conteúdo sobre o que estudar e o que fazer para ajudar a alavancar a transição de carreira. Pensando em todo o stress que uma mudança de carreira pode causar, porque ninguém fala sobre como foi após migrar de área? Será que foi tudo tão perfeito?

Porque falar sobre pós migração e não da minha transição?

Comecei a trabalhar com UX no PagSeguro que já tem uma cultura de UX design muito bem estabelecida. Isso é um privilégio para quem está começando, já que uma parte das empresas está iniciando com UX agora, o que acaba demandando os profissionais da área ter que ficar mostrando o valor e importância de UX, principalmente na área de pesquisa, que é onde estou atuando. Mas sabe o privilégio de que citei acima? Ele vem com um peso maior pelo fato de eu ter contato próximo com vários níveis de senioridade técnica, isso acabou me fazendo criar um critério de comparação elevado.

E uma coisa que me pegou bastante, principalmente na quarentena, foi a autocobrança. Migrei de área há 8 meses e quando a quarentena começou isso foi constante, já que eu não tinha nem 2 meses na área. Atuo com um time de profissionais em que a maioria está há anos no mercado de UX, pessoas incríveis e muitas delas me serviram até de inspiração.

O fato de ter trabalhado há anos em uma área bem diferente me fez sentir que estou começando do zero novamente e que estou tão atrasada. Foi aí que pensei: vem cá, atrasada para onde?

Foi desse questionamento que surgiu minha ideia de escrever este texto. Não vou falar sobre meu trajeto da transição em si, e sim sobre meus sentimentos e percepções após migrar de área.

Olhando para o Futuro

Pensar no futuro é inevitável? Quando vemos as carreiras de quem já está um tempo na área, acabamos pensando na nossa? Uma prática do time de design do PagSeguro, e que me auxiliou foi fazer o PDI (Plano de desenvolvimento individual). O PDI é uma ferramenta que nos auxilia a desenharmos onde queremos chegar. Para tentar alinhar as demandas do dia-a-dia, o gestor faz um acompanhamento do PDI e algumas demandas são feitas através do que pretendemos desenvolver.

Traçar o que quero e, mais importante ainda, o que preciso desenvolver neste ano e ter como medir meus objetivos é primordial para alinhar a minha expectativa. Queremos tanto aprender que acabamos nos perdendo sobre o que estudar, então o PDI veio como uma ferramenta que me ajudou a olhar para o futuro e não me desesperar com a linha de aprendizagem.

“Se você não sabe onde quer ir, qualquer caminho serve.” Lewis Carrol

Exemplo de um modelo de PDI (Plano de desenvolvimento Individual)

Hora de pensar no presente

O PDI me ajudou a olhar para o futuro, mas e o agora?

Após elaborar meu PDI, algumas atividades me ajudaram a lidar com algumas vivências, questões e incômodos que ainda estava tendo. O que muita gente não fala é sobre a sensação que ficamos depois de “começar do zero” de novo. Me peguei pensando várias vezes se existe mais pessoas passando pelo mesmo e enlouquecendo com o mesmo sentimento. Mudar de profissão, de empresa e logo em seguida começar uma pandemia não é muito comum. É um sentimento estranho, mexe com o emocional por um tempo. Como saber se eu estou sendo suficiente boa sendo que nunca fiz isso antes?

Migrar de área nunca é fácil, dói, exige muita coragem e a gente se vê alimentando a síndrome do impostor quase todos os dias.

Por causa de todos esses pontos e questionamentos, listei algumas coisas para compartilhar que me ajudaram e aliviaram a autocobrança.

Aceita que dói menos

Aceite que mudar de área depois de anos tá tudo bem e você nunca vai de mala vazia. Por mais que muita coisa seja nova ainda, eu já trabalhei em outras empresas antes e carrego muitos aprendizados que me auxiliam a organizar o meu dia, a lidar com pessoas, etc. Todo mundo tem um repertório que faz ser quem você é hoje e para trabalhar com pesquisa eu vejo como é importante cada trajeto que trilhei até aqui. Independente da área que atuei, trago um olhar diferente dos meus colegas de trabalho para agregar, seja pela experiência profissional ou pela experiência de vida.

Retrô das Pequenas entregas

Ao contrário do PDI que tende a traçar uma rota do que você quer desenvolver, fazer uma retrô das pequenas entregas é uma das atividades que ajudou muito, pois temos uma tendência a esquecer as pequenas vitórias. Foi uma atividade que eu valorizei muito e foi sugerida até pela minha lead de design, fazer uma retrô de tudo que fiz desde que entrei no PagSeguro. Temos entregas toda semana, algumas trazem aprendizados não programados, ou até então não esperados desenvolver quando você traçou o PDI. E posso dizer como isso me surpreendeu, relembrar projetos que acompanhei e outros que executei me mostrou minha evolução constante. Não se limite a lembrar apenas na cabeça, anote e se possível fale sobre os itens com alguém.

Rede de apoio

Ajuda muito poder contar com alguém, a pior coisa é ter que guardar tudo para você e não ter alguém com quem compartilhar dúvidas, angústias e frustrações profissionais. Se puder fazer terapia, melhor ainda, tanto para a vida pessoal, quanto a profissional. No meio de UX, a comunidade é bem unida, tem vários grupos para trocas de experiências e alguns funcionam muito bem. Eu tenho amigas na UXMP (UX para Minas Pretas) que estão passando pelo mesmo processo de migrar de área. A UXMP é uma iniciativa por e para mulheres negras e essa troca me fortalece todos os dias. Existe outros grupos com essas trocas de experiências para quem está começando em UX, vou citar alguns:
Clube do UX;
Ladies That UX;
UX em Casa;
PretUX;

Mente aberta

Ter segurança sobre o que está fazendo é ótimo, mas acima de tudo devemos estar sempre aberto para novos métodos. A área da tecnologia se renova constantemente, o que você faz muito bem hoje de um jeito, da noite para o dia pode ter mil maneiras novas e diferentes de fazer ( ex: mudanças de tecnologia que afetam projeto de interface, LGPD para pesquisa, etc.). Não que exista o certo ou o errado, mas dependendo do cenário que você estiver, vai ser necessário mudar a rota muitas vezes, sim.

Compartilhar conhecimento

Segundo a pirâmide de aprendizagem de William Glasser, aprendemos muito mais ensinando do que lendo, então sempre que possível, passe seu conhecimento para alguém. Eu faço umas trocas com pessoas que estão ingressando na área e consigo medir minha evolução de uma forma muito positiva.

Pirâmide de William Glasser, também conhecida como “Cone da Aprendizagem”

Pare agora

Constantemente me pego com atitudes que não me ajudam com meu processo de transição. Ainda me policio muito sobre certas ações, mas é automático. Se você faz isso também e assim como eu percebe o quanto te faz mal, pare agora!

De se comparar com alguém

É normal se comparar com alguém, ainda mais quando vejo tantas pessoas há muito tempo na área. Eu sei o quão difícil é, mas toda vez que me comparo com alguém, me deixa mal. Então hoje eu penso: aquela pessoa tem o mesmo tempo de experiência que eu? Não. Cada pessoa é única, cada momento é único e isso faz cada um ter uma experiência singular.

Querer estudar tudo que vê pela frente

Sei que o estudo não acaba só porque migrei e por mais que eu esteja amando estudar UX, tenho que lembrar que não sou meu trabalho, não posso passar 24h focada nisso e me afastar de coisas que me fazem bem. Reservar um tempo para estudar é ótimo, porém eu recarrego a minha energia até para estudar não estudando. Saber descansar e ter pausas faz com que eu absorva até melhor todo conteúdo estudado.

Ter pressa

Vejo tanta gente perguntando se já sou Pleno, Sênior, etc.
Sei que é muito importante se desafiar e estipular metas para evitar a autossabotagem, mas eu entendo que muitas vezes essa vontade precoce de ser sênior pode te fazer perder parte primordial do processo.

Acho importante ressaltar que como Júnior na área, ás vezes, nossas expectativas sobre a vaga podem ser bem diferentes da realidade. Muitas empresas anunciam vagas de nível júnior exigindo um trabalho de sênior. No processo seletivo faça perguntas para alinhar as expectativas de ambos. Se desafie, mas seja realista e não aceite uma vaga para executar funções de maior complexidade e que exija uma autonomia superior de alguém júnior. Isso pode levar sua saúde mental embora, pois você vai dar tudo para entregar mais do que pode.

Ter medo de falar que não sabe

Claro que pode parecer muito intimidador você parar uma reunião e perguntar sobre algo que não sabe ou não entendeu alguma expressão que você nunca ouviu falar, mas isso é muito comum na área da tecnologia, muitas vezes anoto para perguntar depois. Nada melhor que se informar com alguém que lida com essas expressões todo dia. É natural não sabermos de tudo, não só quando o assunto é sobre tecnologia. Trabalhamos com pesquisa justamente porque não tem como saber tudo e o que sabíamos até um tempo atrás, com o tempo pode mudar.

Ilustração: Bernardo Abreu

Para finalizar

Acho válido ressaltar que não exige receita de bolo pronta, o que funcionou para mim, pode não funcionar para você. Mas se tem uma coisa que aprendi com UX é sobre cada experiência ser única, e as trocas sobre elas podem ajudar a traçar um melhor caminho. Vamos ter autocompaixão em um processo tão difícil que é a transição de carreira.
Espero colaborar de alguma forma compartilhando sobre meu processo. E falando em trocas: E você, migrou de área? Compartilha comigo como se sentiu? O que fez para te ajudar nesse desafio?

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Lidiane Santana
pagsegurodesign

Ux Researcher, curto viajar e conhecer lugares fora da rota de turistas, sou mãe de duas gatas, amante de vinho e dedicada na luta antirracista.