#PraCegoVer Ilustração em dois blocos. No bloco da esquerda, de fundo azul, um homem gesticula de frente de uma tela de computador. No bloco da direita, de fundo amarelo, uma mulher segura um bebê no colo de frente para uma tela de computador. Eles estão de frente um para o outro, indicando uma conversa a distância mediada pelas telas.

UX Research na Pandemia: você precisa mesmo fazer essa pesquisa?

Viviane Delvequio
pagsegurodesign
Published in
10 min readMay 5, 2020

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Assim que as questões sobre isolamento social começaram no Brasil, a comunidade de UXR foi super rápida em compartilhar conhecimento sobre pesquisa remota e o que era possível ser feito para não parar as pesquisas e seguir nossas atividades (e descobertas) normalmente apesar da distância física.

De fato, muito tem se falado sobre metodologias e ferramentas para UX Research na pandemia, mas pouco temos falado sobre os impactos nas pesquisas em função das mudanças causadas pela crise atual nas vidas das pessoas.

No PagSeguro Pagbank temos observados situações atípicas relacionadas a pesquisa desde o início do isolamento. Assim esse texto busca trazer alguns questionamentos que surgiram em função dessas situações e as recomendações internas que estamos dando relacionadas à pesquisa.

Trazendo um pouco de contexto…

Entramos no período de isolamento sem nenhum indicativo de que nossas entregas mudariam. Por já estarmos habituados no PagSeguro PagBank com trabalho remoto 2 vezes por semana, a adaptação para o trabalho exclusivamente de casa foi rápida. Esses dois fatores fizeram com que o ritmo de trabalho se mantivesse, demandando pesquisas também como uma rotina normal.

Além disso, desde o início de 2019 temos estruturado uma área de ResearchOps para dar suporte às pesquisas qualitativas e quantitativas. Parte central desse trabalho é dar suporte a cada designer que precisa fazer pesquisa para ajudar em tomadas de decisão de projetos. Esse suporte envolve tanto consultoria no planejamento quanto acompanhamento de execução e análise de resultados das pesquisas. E isso nos dá visibilidade do que acontece em pesquisa com nossos clientes.

E o que temos observado desde o início do isolamento?

  1. O estado emocional de nosso cliente está alterado
  2. Há limitações de pesquisa que a tecnologia não resolve
  3. As mudanças de comportamento estão bruscas e constantes, muito arriscado afirmar como se dará uma estabilização.

Vou detalhar a seguir esses três pontos e então compartilhar como temos, em função deles, orientado sobre pesquisas internas.

Estado emocional dos nossos clientes

O PagSeguro conta com um leque de serviços financeiros bem amplo, e parte significativa do volume de clientes é de pessoas que dependem financeiramente de vendas presenciais e trabalham com capital de giro bem estreito. Quando o público pára de circular de um dia para outro, o impacto é rápido e agressivo para esse nosso perfil de cliente.

Esse público se adaptou super rápido (logo começamos a ver os números de migração para nossas soluções online de pagamento), mas estamos falando de pessoas lidando com incertezas muito grandes para as responsabilidades financeiras que têm (sustento próprio e da família, pagamentos de funcionários, fornecedores, contas fixas, etc).

Além das questões financeiras, há outros pontos para levarmos em consideração: o medo de uma doença ainda desconhecida, as limitações de deslocamento, confinamento físico, informações confusas, privação de contatos e rotinas conhecidas, novas atividades que antes eram executadas por outras pessoas, incertezas sobre o futuro…

Enfim, é um momento onde a maioria das pessoas está passando por questões que afetam muito o estado emocional. Sabendo disso, vem à tona questionamentos como:

  • A pessoa pesquisada tem condições emocionais de responder uma pesquisa? (seja ela interagindo com outra pessoa ou mesmo respondendo um questionário online)
  • Ela consegue raciocinar com clareza e focar no que você está querendo saber?
  • O quanto esse estado emocional está afetando o que ela está nos passando de informação?
#PraCegoVer Ilustração em sequência de 4 quadros com a mesma pessoa. No primeiro, há a pessoa feliz e um ícone de verificado. No segundo, a pessoa está com expressão de atenção, ícone de verificado e ícone de alerta. No terceiro, aumentam os ícones ao redor da pessoa. No quarto, a pessoa está angustiada com muitos ícones ao redor.

Impacto da pesquisa ser intermediada pelo uso da tecnologia

Sabemos que realizar pesquisas remotas e usando soluções como Skype, UserTesting e outras plataformas não é nenhuma novidade. Tanto que adoção de ferramentas online para as pesquisas foi bem rápida (e entre uma travadinha e outra, Lookback resolveu nossos testes de usabilidade e o Teams fez as vezes de uma "sala de espelho" pra todo mundo que quisesse acompanhar uma entrevista remota).

Mas nós nos deparamos com questões como:

  • Não vamos deixar de alcançar um público por ter requisitos de dispositivo e de qualidade de internet para fazer a chamada e transmitir vídeo?
  • E essa ferramenta que é toda em inglês, como vai ser a recepção?
  • Se o protótipo “travar” ou a pessoa pesquisada se perder indo para telas não esperadas, não teremos como “pegar na mão e arrumar pra pessoa”.
  • E quando o que precisa se validar, conta com questões onde o físico importa (caixas, ergonomia de máquina, impresso de cartão), mas não é viável gerar protótipos múltiplos ou enviá-los para as casas dos entrevistados?

Há meios de se contornar muitas situações, mas algumas a tecnologia ainda não resolve totalmente. Principalmente quando parte do público não é familiarizado com o mesmo tipo de tecnologia que faz parte do nosso dia-a-dia.

#PraCegoVer Ilustração de duas pessoas olhando impressionadas para uma representação do globo do planeta terra.

Mudanças de comportamento ainda não mapeáveis

Migração de vendas das soluções físicas para soluções online, queda na respostas às pesquisas por alguns canais, clientes não atendendo nos telefones fixos dos seus comércios, apenas via Whatsapp em números particulares…

Em menos de uma semana, vários comportamentos que conhecíamos dos nossos clientes mudaram. E continuam mudando conforme as pessoas adaptam suas rotinas, valores e aspirações pessoais são revistos, novas oportunidades de negócio são identificadas e vamos vendo novas ações e comportamentos para se adaptar ao atual cenário.

Que o hoje já está muito diferente do que conhecíamos, está bem claro. Mas é possível ter a resposta sobre o que será da sociedade quando essa pandemia passar?

Quando olhamos para o passado, temos uma ideia do que pode ser o impacto de uma pandemia em uma sociedade. Nessa entrevista do Leandro Karnal para a CNN, ele cita vários fatos históricos que mostram as mudanças culturais após epidemias, ao lado de crises e guerras, as quais, segundo ele, aceleram mudanças sociais que já haviam começado.

Assim, olhando para o futuro, já há alguns especialistas fazendo suas previsões, indo desde o impacto por geração, nessa reportagem de Tiago Dias no UOL, até a maneira como a tecnologia vai atingir relevância antes do esperado em alguns setores, nessa entrevista com especialistas publicada pela Fast Company.

Previsões de mudanças nós já temos, mas como elas de fato se estabilizarão a médio-longo prazo e como ela impactará nossos usuários que têm perfis e necessidades mais específicas, ainda é arriscado de se afirmar.

Como ficam as pesquisas então?

Como área de ResearchOps dentro do time de Design, sempre incentivamos fazer o máximo possível de pesquisas, para reforçamos uma mentalidade de projeto embasada em dados e guiada para entregar a melhor solução para o usuário final.

Mas nesse momento atípico, temos analisado com cuidado quais pesquisas precisam realmente ser feitas agora ou mesmo que faz sentido, dado que o resultado pode estar sendo “alterado” pelo cenário atual.

Impulsionados por esse cenário, temos reforçado a importância de tentar entender o contexto e já lapidar algumas respostas através de informações que temos dentro de casa (os clássicos: dados vindos do Google Analytics, análises de números da nossa base, reclamações no SAC, comentários de lojas e redes sociais, o que aprendemos em outras pesquisas, etc.).

Mas sabemos que isso não responde todas as questões que podemos ter. Assim, avaliando as demandas de pesquisa no contexto atual, o que temos orientado:

  • Pesquisa para soluções de venda online seguem. Suportam produtos que ganharam prioridade como forma de atender às necessidades do nosso público nesse momento. Não é pesquisa "perdida", tudo o que precisamos entender e validar está muito presente no dia-a-dia das pessoas agora. E são as pesquisas mais urgentes, pois o desenvolvimento e lançamento estão com prazos apertadíssimos.
  • Pesquisa para testar usabilidade e verificar entendimento de interface, termos, ícones seguem. As que mapeiam mais questões de usabilidade, entendimento, significado e associações não estariam sendo tão afetados, afinal as pessoas que estão bem para fazer um teste de usabilidade ou First Click Test, por exemplo, continuam associando um termo a uma função, usando aplicativos de celular no dia-a-dia, encontrando ou não um botão em uma tela, etc.
  • Pesquisas de soluções físicas esperam um pouco. Existem alternativas sim para testarmos soluções que dependem de um contato físico com o que está sendo avaliado (podemos pedir para filmar, tirar fotos, contar por vídeo o que achou). Mas esbarramos em questão de confidencialidade, a logística para chegar no destino da entrevista, possibilidade de "perder" os protótipos, além do risco de ficar sem a riqueza de detalhes que só um pesquisador presente garante. No que temos prazo para trabalhar, está aguardando podermos nos movimentar novamente. :)
  • Pesquisas que requerem algum contato direto esperam um pouco. Aqui falamos de pesquisas que demandam ir na casa ou no estabelecimento comercial para entender contexto, trabalhar com material impresso, ou que notamos que teríamos um corte de público pelas limitações impostas pela tecnologia e que por isso dependem de um pesquisador fisicamente junto ao pesquisado. Temos andando com outras análises que possam ajudar na etapa física enquanto esperamos o isolamento passar, já calculando quais alternativas temos caso se prolongue muito. Mas por enquanto, são pesquisas que estão aguardando.
  • Pesquisas sobre comportamentos, hábitos e aspirações de futuro esperam um pouco. Como já comentamos, a única certeza que temos é de que não sairemos como sociedade da maneira que conhecíamos. Relação com tecnologia mudou agressivamente, as pessoas estão repensando suas prioridades e seus valores pessoais, hábitos conhecidos podem mudar pelas novas descobertas ou sequelas desse momento. Pedir para a pessoa pesquisada prever comportamentos futuros já era uma prática não recomendada, mais ainda nesse momento de incerteza. Mesmo o método de avaliar comportamentos já existentes para prever comportamentos futuros também fica em dúvida, uma vez que toda a sociedade está ainda passando por mudanças muito fortes. Por essas questões em aberto, tudo o que visa ser entendido agora para guiar tomadas de decisão a médio-longo prazo, temos recomendado avaliar se há espaço em cronograma de projeto para serem retomadas em um futuro (esperamos que) breve. Afinal: vale realizar uma pesquisa dessa complexidade agora sabendo que estamos vivendo mais incertezas do que certezas?

Veja, não é uma lista de regras que foi imposta. São orientações que damos quando nos procuram e que compartilhamos em um material interno, incluindo orientações sobre ferramentas que temos acesso, logo na segunda semana de quarentena quando começamos a observar as primeiras mudanças bruscas de comportamento do nosso público.

Das experiências que tivemos, uma orientação que acaba sendo a mais importante é a seguinte:

#PraCegoVer Ilustração em sequência de 4 quadros com a mesma pessoa, cujo rosto é rosa. Do primeiro para o último quadro, o rosto da pessoa vai aos poucos tomando a forma de um coração.

As pesquisas que seguem ganham ainda mais cuidado no contato…

Estamos vivendo um cenário de crise que a maior parte da nossa geração não vivenciou, e o mínimo que podemos fazer nesse momento ao realizar pesquisas é nos esforçarmos para sermos empáticos e cuidadosos com quem talvez não esteja vivenciando os mesmos privilégios que a gente.

Dado que estamos vivendo uma crise, uma boa palestra sobre o assunto é do Interaction 2019, da Aubrey Bach, do Facebook. A fala foi focada em projeto de design para momentos de tragédia, mas as dicas finais podem servir como lembretes de atenção inclusive para pesquisa:

  1. Entenda as necessidades das pessoas. Ok, a pesquisa é justamente para isso, mas antes de abordar alguém para responder questões específicas, levante as necessidades do seu público nessa pandemia. Textos sobre as mudanças atuais de comportamento, aumento de ansiedade, mercados onde o desemprego é maior e até aumento da violência doméstica não faltam. Se informe com o que já foi publicado para ter visibilidade do que cada perfil está vivendo no agora antes de acessar.
  2. Explique como e porquê. Eventualmente deixamos de dar algumas informações para não influenciar na pesquisa. Repense o que pode ser aberto para ficar claro para a pessoa entrevistada o que é esperado e quais são suas motivações ou mesmo da empresa por trás da pesquisa. Pode ser inclusive uma oportunidade de mostrar o quanto há empresas sérias preocupadas em se movimentar e ajudar.
  3. Seja claro para diminuir ansiedade. Para as pesquisas que estamos fazendo de forma remota, algumas ferramentas são novidades para determinados perfis. Nesses casos, faça tutoriais detalhados da ferramentas que precisam ser instaladas ou mesmo que serão usadas online. Garanta canais abertos para ajudar a tirar dúvidas (WhatsApp tem nos sido bem útil, por exemplo).
  4. Lembre: a escolha de cada palavra importa. Como estamos vivendo um momento onde as pessoas estão mais sensíveis, vale dar ainda mais atenção a cada detalhe da abordagem e da condução da pesquisa. Uma vez que você fez a lição de casa do passo 1, releia pensando que é você na situação estudada. Principalmente para os contatos assíncronos (e-mail, chamadas para pesquisa dentro das próprias plataformas, contato por Whatsapp), que além de você não ter a reação da pessoa para poder "corrigir" rapidamente um mal entendido, há outros elementos que podem influenciar no entendimento (imagens de suporte no e-mail ou no WhatsApp, texto de push-notification que pode ser "cortado" dependendo de como o smartphone mostra, etc.).
  5. Mostre cuidado. Comente que vocês não pararam de trabalhar, mas que têm tomados ações de proteção, por isso a pesquisa remota. Reforce que o que está sendo feito é para viabilizar produtos para melhorar vidas ou ajudar clientes a gerar receita nesse momento, por exemplo. Tenha paciência a mais com o que está acontecendo em torno da pessoa pesquisada: crianças fazendo barulho, gato subindo no colo, a irmã interferindo nas respostas, internet não dando conta. Sua pesquisa é importante, mas aquela vida do outro lado da chamada é mais.

Enfim, para ajudar a observar essas várias questões já citadas, temos reforçado a importância de mais pessoas revisarem textos e roteiros, não apenas para a condução trazer respostas para as perguntas que temos, mas também para garantir uma abordagem o mais respeitosa possível com nossos clientes.

“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana” — Carl Jung

Obrigada por ler até aqui. Beba água, lave as mãos e, quem puder, fique em casa. ❤

Quem quiser agregar a essa discussão, deixe comentários aqui ou entre em contato comigo pelo Linkedin, pois serão super bem vindas outras visões e questões sobre o assunto.

Ainda sobre processos do nosso time de Design durante a pandemia, compartilhamos já algumas visões e práticas no nosso Medium:

Obrigada a quem me ajudou revisando esse texto e às guerreirinhas e guerreirinhos que estão fazendo pesquisa nesse momento atípico, esse texto é um grande apanhado da experiência e descobertas que vocês têm feito e gentilmente compartilhado. ❤

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Viviane Delvequio
pagsegurodesign

Brazilian UX professional with 20 years of experience, including 5 in managerial roles. Writing about stuff I am in the mood. More info: www.viviane.work