Rodrigo Barros
Paiol
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8 min readJan 18, 2023

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Max Weber e a sociologia compreensiva — Parte I

Ao lado de Karl Marx e Émile Durkheim, Max Weber é considerado um dos “pais fundadores” da sociologia. Aquele a quem o termo “erudito” se encaixa muito bem, Weber foi um intelectual que estudou e escreveu sobre os mais diversos assuntos (economia, história, direito, política, epistemologia etc), mas com fundamentos opostos aos que eram tendência em sua época.

Prezo por alertar que este texto é de natureza introdutória, com o objetivo de apresentar brevemente a vida e a obra de Max Weber, seja para estudantes das ciências sociais e demais áreas ou para qualquer interessado na sociologia clássica. Em nenhuma hipótese esse escrito substitui as obras originais do Weber, restando para os reais interessados recorrer aos escritos do próprio autor.

Vida

Nascido em 1864 na cidade de Erfurt, Alemanha, Karl Emil Maximillian Weber vem de uma família abastada e com prestígio. Sua infância e juventude foram vividas em Berlim, onde frequentou escolas renomadas e exigentes. Estudou direito, economia e filosofia nas universidades de Heidelberg, Göttingen e Berlim, tendo se destacado na carreira de jurista e assumido o cargo de professor universitário na Universidade de Humbolt aos 29 anos de idade.

Casou-se aos 33 anos com Marianne Schnitger e logo em seguida, devido ao falecimento do pai, caiu numa depressão profunda que o incapacitou por vários anos. Em 1904 viajou até os EUA, se recuperando do seu estado mental debilitado e se impressionando com a dinâmica sociedade americana. Ao retornar para a Alemanha, publicou “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, considerada a sua obra mais famosa e uma das mais importantes.

Durante a I Guerra Mundial trabalhou em hospitais militares, e ao final do conflito integrou a delegação para os acordos de paz em Versalhes. Também foi um dos que ajudou a redigir a Constituição da República de Weimar, e em 1920 decidiu retornar aos estudos sobre as religiões mundias, mas contraiu a gripe espanhola e faleceu no dia 14 de junho do mesmo ano.

Contexto e influências

Proclamação do Império Alemão no Palácio de Versalhes, França, 1871.

Weber foi o mais jovem dentre os clássicos da sociologia, vindo a nascer pouco antes da unificação da Alemanha (1871). Esse tardio processo de unificação marca um atraso da Alemanha em relação à França e Inglaterra, países que já passavam por um vigoroso processo de industrialização e transformação social. A Alemanha também ficou praticamente de fora da corrida imperialista por colônias ultramarinas, tendo que se contentar com pequenas regiões se comparadas aos domínios franceses e ingleses.

As referências do mundo intelectual alemão também foram diferentes das referências dos outros países ocidentais. Se na França e na Inglaterra havia uma valorização das ciências naturais e uma aproximação da sociologia com estas ciências (lembremos de Comte, Durkheim), na Alemanha se dará um caminho diferente, tendo a filosofia e a história maior peso.

É importante frisar que os pensadores do século XIX herdaram, de modo geral, uma característica importante dos seus predecessores: a crença de que toda a história e todas as ações humanas possuem um sentido e um objetivo final. Os utilitaristas ingleses, os hegelianos e os marxistas alemães, os darwinistas sociais e os sociólogos franceses compartilhavam a ideia de que a história humana segue leis rumo a uma pirâmide evolutiva (evidentemente que cada uma dessas correntes de pensamento citadas possuíam suas diferenças, mas podemos dizer que tinham esse traço em comum).

A obra de Weber vai contra todas essas ideias. Suas principais influências foram as figuras de Kant e Nietzsche, assim como os filósofos neo-kantianos (Wilhelm Dilthey, Wilhelm Windelband e Heinrich Rickert) e os pensadores sociais alemães (Georg Simmel, Ferdinand Tönnies). Mesclando vários elementos desses autores, Weber constrói uma teoria social renovada e singular, se destacando como um dos maiores sociólogos do século XX.

Teoria sociológica

Para Weber, a história não tem sentido objetivo algum e os seres humanos não são movidos por uma força exterior. As pessoas são as causadoras de todas as suas atividades. Em outras palavras, o sujeito individual agora assume o papel de autor do seu próprio destino. Weber pretendia estabelecer uma sociologia que não partisse da teoria para explicar a realidade, mas que viesse da empiria para poder então teorizar.

Weber também era contra a ideia das ciências sociais ocuparem o lugar que antes era o da religião, ou seja, o de fundamentar valores morais e meios para manter a coesão social. Alguns cientistas acreditavam que o declínio da fé era iminente, sendo necessária a sua substituição. A oposição de Weber a essa postura se devia a dois fatores: primeiramente, ele acreditava que se tratava de uma intromissão dos legados religiosos no mundo da ciência; em segundo lugar, porque ele não acreditava na existência de uma ciência objetiva, válida para todas as épocas passadas e futuras, que pudesse servir de fontes para novos valores absolutos e unificados.

Os valores, assim como a ciência, seriam algo particular de cada geração, pois as bases significativas mudam de acordo com cada era ou cultura. O que é fundamental numa época deixa de sê-lo noutra, o que significa que a ciência é subjetiva e as observações do cientista sempre vão sofrer influências dos valores que este traz consigo, tornando assim impossível a criação de uma ciência total, dotada do poder de criar valores absolutos.

Weber também negou a proposta de basear as ciências sociais na busca de leis gerais, como as que existem na física ou na química. Essas propostas seriam resquícios de visões do passado, provindas das grandes religiões que atribuíam todas os acontecimentos em figuras mitológicas. Weber opta pela multicausalidade, ou seja, haveriam diversas causas possíveis que poderiam movimentar a história humana, e não somente uma única força motriz como o Espírito de Hegel ou a base econômica da sociedade segundo Marx.

Figuras carismáticas (lideranças) juntamente com organizações econômicas, políticas, camadas sociais ou mesmo as organizações religiosas seriam alguns dos responsáveis pelas transformações sociais, criando um mundo de junções e possibilidades. A seguir veremos com maiores detalhes esses elementos formadores da sociologia weberiana, também chamada de sociologia compreensiva.

Ação social

Para a teoria sociológica de Émile Durkheim, o todo sobrepõe as partes como num sistema orgânico. As ações e interações sociais seriam meras expressões individuais da totalidade existente além dos sujeitos; o social determinaria a ação.

Mas Weber notou que muitas vezes os indivíduos, somente em suas ações, podiam modificar cenários e gerar tensões, o que eliminaria a existência de um corpo fechado com leis estritas. Não é a sociedade, para Weber, que devemos considerar como unidade fundamental de análise, mas a ação social dos indivíduos. É o indivíduo que interpreta e dota de sentido o mundo, o que significa dizer que Weber não enxerga as pessoas como meras reféns do todo social.

A ação social, diz Weber, implica ao mesmo tempo uma “orientação significativa para a conduta de outros e o aspecto interpretativo ou reflexivo do indivíduo. (…) Uma ação é social quando seu sentido subjetivo leva em consideração a conduta de outros e por ela orienta seu curso.
- (KALBERG, 2010, p. 34)

O sujeito aqui não é passivo, mas potencialmente ativo e reativo. É o sujeito que atribuiu um sentido para cada ação social. Cabe ao sociólogo procurar captar esse esse sentido e compreender os seus possíveis reflexos, seja pela compreensão racional (uma apreensão intelectual do sentido que cada sujeito rende à sua ação) ou pela compreensão intuitiva (onde se apreende o plano de fundo emocional em que a ação se desenvolve). Para ficar mais claro, vejamos os quatro tipos de ação social dotada de sentido definidos por Weber: ação racional com relação a fins, racional com relação a valores, afetiva e tradicional.

A ação racional com relação a fins é aquela em que são considerados e racionalmente ponderados os objetivos finais, os meios e as consequências. Tem-se um propósito, avalia-se os meios para atingi-lo e mede-se quais seriam os reflexos dessa atitude. Já a ação racional com relação a valores baseia-se, como o próprio nome diz, nos valores que o indivíduo carrega e lhe são importantes (honra e crenças, por exemplo), mas sem pensar muito nos meios ou nas consequências da ação. Por sua vez, a ação afetiva é determinada pelos afetos e estado sentimentais que o indivíduo possui no momento (o choro durante um casamento ou durante um funeral). Por último, a ação tradicional é determinada por hábitos enraizados no sujeito há tempos, normalmente herança de outras épocas (sair no sábado à noite com os amigos, reunir a família aos domingos etc).

Weber afirmava que esses quatro tipos de ação social poderiam ser encontrados em todos os lugares do mundo e também em todas as épocas, mas algumas delas se destacariam mais do que outras a depender da época e de forças sociais identificáveis. Identificando as ações, seria possível compreender o sentido subjetivo que estas possuem para os indivíduos, mesmo em culturas muito distintas.

Dessa maneira, a sociologia compreensiva de Max Weber visa ajudar os sociólogos a compreenderem a ação social do ponto de vista das intenções do próprio agente (KALBERG, 2010, p. 36).

Neutralidade axiológica

Na sociologia weberiana, o cientista social não deve buscar a verdade absoluta, nem desenvolver empatia ou aversão com o objeto de estudo. As inclinações, valores e tendências do pesquisador são inevitáveis, como bem vimos anteriormente, mas Weber insiste que devamos tentar mantê-las o mais distante possível caso se almeje alguma imparcialidade. Isso se torna uma tarefa difícil quando se estuda, por exemplo, um grupo com práticas que o pesquisador condena veemente, mas mesmo nesses casos é necessário tentar se manter imparcial.

Esse tipo de posicionamento garantiria que a ciência social não se tornasse um movimento político, pois este não seria o seu propósito. Na visão de Weber, da ciência cuidam os cientistas e da política cuidam os políticos.

Tipos ideais

Qual seria a função lógica e a estrutura dos conceitos na sociologia? É tentando responder essa pergunta que Weber elabora os chamados tipos ideais, que funcionarão como ferramentas de classificação e parâmetro comparativo na análise das ações significativas que possuem regularidade.

O tipo ideal é uma criação mental que serve para conceituar algo de forma simples e generalizada, exagerando as suas principais características e reduzindo as que são vistas com menos importância. Por exemplo, quando buscamos analisar se um país é democrático ou não, carregamos conosco o que a democracia seria em estado perfeito, ideal, e comparamos esse modelo com a realidade que observados para poder afirmar se tal país é democrático ou se não é. Não encontraremos nenhum país que se encaixe perfeitamente no modelo ideal de democracia que tempos em mente, pois esse modelo só existe como conceito abstrato, mas veremos quais deles se aproximam e quais se distanciam.

Os tipos ideais servem, antes de tudo, para auxiliar a pesquisa empírica de causas e não para “reproduzir” e compreender diretamente o mundo exterior (tarefa, aliás, impossível, dado o fluxo interminável de acontecimentos e a infinita diversidade e complexidade, inclusive de um fenômeno social específico).
- (KALBERG, 2010, p. 42)

Assim, podemos dizer que toda a sociologia weberiana é fundamentada na concepção de tipos ideais: as “ações sociais” são tipos ideais, da mesma forma que “capitalismo”, “burocracia”, “ética protestante” e muitos outros também o são.

Referências bibliográficas:

KALBERG, S. Max Weber: uma introdução. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
SELL, C. E. Sociologia clássica: Marx, Durkheim e Weber. Petrópolis: Vozes, 2015.
WEBER, M. Metodologia das ciências sociais. Curitiba: Editora Cortez, 2016.
WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

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