O pensamento sociológico de Karl Marx - Parte II

Rodrigo Barros
Paiol
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12 min readApr 7, 2017
Estátua com o busto de Marx na cidade de Chemnitz, Alemanha.

Na primeira parte desse texto escrevi brevemente a respeito da vida de Karl Marx, das principais influências que marcaram sua obra e alguns dos seus conceitos primordiais, como o materialismo dialético/histórico, infraestrutura, superestrutura e classes sociais.

Nesta segunda parte me deterei nos seguintes pontos: como Marx vê a evolução da história humana a partir do modos de produção do passado, até o estabelecimento modo de produção capitalista; as teses da exploração (mais-valia) e alienação (fetichismo da mercadoria); a teoria da crise do sistema capitalista; e por último as suas teorias políticas sobre revolução e comunismo.

A história através dos modos de produção

O materialismo histórico, como vimos, constitui o método para se estudar a sociedade e a história. A sociedade divide-se em infraestrutura e superestrutura, e é a infraestrutura, ou seja, a base material da sociedade, o modo como os seres humanos produzem e se relacionam neste processo, que condiciona a superestrutura.

Partindo desses princípios, Marx via que a sociedade se transformava quando se alterava a infraestrutura (o modo de produção), pois uma vez alteradas as forças produtivas, as relações de produção também se alteravam e acabavam por produzir novas classes sociais e novas ideologias. Com isso, Marx elaborou um esquema que tenta retratar a evolução da história humana, partindo sempre da análise da infraestrutura, do modo de produção consolidado em cada período.

Nesse esquema, presente nas obras “A ideologia alemã” e “Grundrisse”, Marx divide a história basicamente em 5 fases consecutivas: modo de produção primitivo; modo de produção escravista; modo de produção asiático; modo de produção feudal e o modo de produção capitalista. Vejamos cada um deles.

No modo de produção primitivo, também chamado de “comunismo primitivo”, o ser humano de milhares de anos atrás sobrevivia em pequenos grupos basicamente através da caça e da pesca, ou muito raramente da agricultura e criação de animais. As forças produtivas são, portanto, o cultivo e extrativismo de subsistência: o que é colhido/produzido serve para satisfazer as necessidades primárias do grupo e não para a troca, o que impossibilita um acúmulo da produção e o surgimento da propriedade privada. Tudo, desde os meios de produção ao que é produzido, pertence ao coletivo. Não existiam classes sociais e nem Estado, e religião assume o papel de explicar o mundo.

Já no Egito antigo, China, Babilônia e Índia se estabeleceu o modo de produção asiático, onde o Estado é o dono das terras e estabelece que escravos devam cultivá-las. Temos aqui duas classes fundamentais: os governantes (faraós, reis, imperadores) e os escravos. O Estado também controla o destino da produção e os governantes muitas vezes assumem papéis de figuras religiosas, divinas.

Posterior ao modo de produção asiático, aparece o modo de produção escravista com uma nova forma de organização social. Os maiores exemplos desse modo de produção são a Grécia e Roma antiga, onde a forças produtivas consistem no cultivo da terra com base na escravidão. As relações de produção se dão entre os senhores e os escravos, sendo que os senhores são donos das terras, dos escravos (força de trabalho) e do que é produzido. O Estado é presente e centralizador, e a religião oficial do Estado é a ideologia reinante.

Em seguida temos o modo de produção feudal, que tem como classe produtiva os servos. Diferente dos escravos, os servos não eram propriedade dos senhores, mas trabalham em troca de abrigo e alimento. A maior parte do que produziam iam para o senhor (nobre), dono da terra, e a menor parte ficava com os servos. O estado é descentralizado, sendo cada senhor responsável por manter suas terras, e a religião cristã católica age como ideologia dominante, justificando a ordem existente.

Com o passar do tempo e os avanços nas tecnologias, as forças produtivas foram transformadas e tornaram a ordem feudal impossível, fazendo surgir daí o modo de produção capitalista. Os nobres perdem seu protagonismo e ascendem duas novas classes fundamentais: a burguesia e o proletariado. A burguesia exercerá seu controle não somente por ser proprietária dos meios de produção, mas também por sua influência no Estado parlamentar e na disseminação da ideologia através de todos os meios possíveis: educação, literatura, ciência etc. Este é o modo de produção da época de Marx e será no que ele mais se concentrará, procurando não somente descrevê-lo, mas também criticá-lo ferozmente.

O capitalismo segundo Marx

Naquela que é considerada a sua maior obra, “O capital”, Marx procurou explicar como o modo de produção capitalista se estabeleceu , quais são suas principais características e como esse sistema chegaria ao fim através das suas crises inerentes.

Surgimento do capitalismo

Marx alega que o surgimento do capitalismo se deve a um processo histórico violento, e para entendê-lo podemos começar por compreender como surgiram as principais classes sociais nesse modo de produção: a burguesia e o proletariado.

É preciso explicar dois processos: 1) o surgimento de uma massa de trabalhadores livres no mercado, forçados a vender a única coisa que possuem, sua força de trabalho e; 2) uma massa de capital-dinheiro relativamente grande na mão dos capitalistas para que estes pudessem investir (SELL, 2009, p.58)

Marx explica que a origem do proletariado está relacionada com os cercamentos, fenômeno presente na Inglaterra e no restante da Europa durante o século XVIII. Proprietários de terra começaram a cercar terrenos que antes eram tidos como“comuns”, apropriando-se deles. Os camponeses eram surpreendidos com ordens de despejo, declarando que eles estavam em terras particulares. Que defesa tinham? O suposto proprietário real possuía um documento oficial alegando ser dono do local, enquanto eles não tinham nada. Aos poucos, muitos camponeses ficaram sem trabalho e se viram forçados a sair do campo para os centros urbanos. Foi desse êxodo rural que se formou o proletariado, uma grande massa de pessoas disposta a trabalhar nas indústrias em troca de um salário.

A concentração de terras levou ao surgimento dos arrendatários, que eram os grandes proprietários que contratavam a mão de obra remanescente do campo para trabalhar. As inovações tecnológicas na produção e o crescimento do mercado consumidor aumentou seus lucros enormemente - vale lembrar que a extensão desse mercado consumidor se deve pelo fato dos camponeses terem se tornado compradores dos itens que antes produziam. A esses fatores somam-se os lucros provindos da exploração colonial em outros continentes, acarretando uma nova classe social com uma exorbitante quantia de dinheiro acumulada para investir nos mais diversos negócios (como as fábricas), produzir mais e gerar mais dinheiro, mais capital. A essa classe dá-se o nome de burguesia.

Dessa forma vimos como as mudanças das forças produtivas (avanço técnico, novas necessidades, aumento da capacidade produtiva) e das relações de produção (surgimento do proletariado e da burguesia, estabelecimento do vínculo entre patrão e empregado) alteraram o modo de produção feudal e deram origem ao modo de produção capitalista. Criou-se um sistema baseado no lucro, na acumulação, no trabalho assalariado, numa economia de mercado e numa capacidade de produção jamais antes vista, modificando toda a sociedade.

Estrutura do capitalismo: mais-valia e alienação

Vimos como o capitalismo surgiu, mas quais são suas características estruturais? Marx parte do elemento básico da economia, a mercadoria, para elucidar essa questão. A mercadoria possui duas características fundamentais, que são o seu valor de uso e o seu valor de troca.

O valor de uso de uma mercadoria é a sua eficácia em saciar uma necessidade humana, e o valor de troca é a capacidade que cada mercadoria tem para se trocada por uma outra mercadoria. A primeira é fácil de entender, mas como mensurar o valor de troca entre as mercadorias? Como vou saber o quanto de ferro posso trocar por café? O valor é determinado de acordo com a quantidade de trabalho socialmente necessário, ou seja, o tempo padrão que se levou para produzir determinada mercadoria.

Para as mercadorias serem trocadas entre si de forma mais ordenada, surge a necessidade de uma mercadoria única que funcione como equivalente geral para todas as outras: o dinheiro.

Num outro sistema poderíamos dizer que o objetivo dessa circulação é a satisfação das necessidades dos sujeitos, já que a mercadoria produzida é trocada em dinheiro e que este, por sua vez, é trocado noutra mercadoria. Mas as coisas não funcionam dessa maneira no sistema capitalista. O objetivo final não é a satisfação, mas sim o a acumulação do lucro. No capitalismo é o dinheiro que aparece primeiro, como investimento para a produção de mercadorias, depois de vendido, vai render mais dinheiro do que o montante que fora investido. Grosso modo, dinheiro torna-se mais dinheiro. Mas como isso acontece?

No ato da compra de um produto, o capitalista interrompe o fluxo de troca para transformar esse produto em outro através do trabalho, agregando assim mais valor para a mercadoria final. Por exemplo, compra-se tecido para produzir camisas. Para fazer essa transformação, o capitalista contrata um trabalhador(a) que realizará o serviço em troca de um salário de acordo com uma jornada de trabalho (tempo de trabalho).

Segundo Marx, o lucro do capitalista advém do tempo de trabalho não pago ao trabalhador, o que ele chama de mais-valia (ou mais valor de acordo com as traduções mais recentes). Digamos que o trabalhador necessite de 3 horas pra produzir o equivalente ao seu pagamento diário (trabalho necessário), mas ele trabalha 6 horas no total e contabiliza 3 horas não pagas pelo capitalista (trabalho excedente). O capitalista não repassa ao trabalhador o valor total do seu próprio trabalho no salário, o que possibilita o lucro. Há aqui um processo que Marx chama de exploração, já que é o trabalhador que gera a riqueza, mas quem fica com ela é o capitalista.

Tira do site www.willtirando.com.br

Marx ainda acrescenta que exitem dois tipos de mais-valia: a mais-valia absoluta e a mais-valia relativa. No primeiro caso, obtêm-se lucro através do aumento da jornada de trabalho, forçando o empregado a produzir por mais tempo, mas sem alteração no seu salário. Ou seja, aumenta-se o trabalho excedente produzido pelo empregado. No segundo caso, o capitalista multiplica seu lucro com o aumento da capacidade produtiva, fazendo com que o trabalho do empregado renda mais. Não há necessidade do aumento da jornada de trabalho, mas requer o aperfeiçoamento tecnológico da produção; uma máquina que auxilie o empregado irá fazer com que seu trabalho seja mais rápido, produzindo mais e rendendo mais lucro.

Além da mais-valia, um outro conceito também faz parte da estrutura central do sistema capitalista: a alienação. Esse termo é mais frequente nas obras do jovem Marx, principalmente nos “Manuscritos econômico-filosóficos”, mas em sua obra madura (O capital) ele opta pelo termo fetichismo da mercadoria para falar sobre o estado alienado do ser humano. Este seria o estranhamento do trabalhador com o produto final do seu trabalho, pois não é ele quem domina todos os processos da cadeia produtiva e nem tem os meios de produção. O que ocorre é que o trabalhador não se reconhece no produto, como se a mercadoria tivesse surgido de maneira independente do trabalho humano. As mercadorias relacionam-se umas com as outras, aparentando ter vida.

O capital, desvinculado do trabalho, aliena o ser humano da produção de sua existência social. A alienação inverte o sentido das relações sociais: o homem (sujeito) se torna objeto, enquanto o objeto (mercadoria) se torna sujeito. (…) Através do conceito de fetichismo da mercadoria, Marx chama a atenção para o processo de mercantilização da vida e das relações sociais (…). Em outros termos, no capitalismo, em vez da produção estar a serviço do homem, é o homem que se encontra dominado pela produção. (SELL, 2009, p. 64)

Até aqui, foi possível ver o quanto Marx já criticou o sistema capitalista ao mesmo tempo em que descreve os seus mecanismos e estruturas. Daqui por diante veremos como Marx pensou a superação desse modo de produção.

Crise no capitalismo

No terceiro volume de “O capital”, Marx desenvolve o que vem a ser a tese da tendência decrescente da taxa de lucro. Em síntese, essa tese afirma que o processo de acumulação de capital, a longo prazo, resulta na contradição irreversível que é a diminuição da taxa de lucro. Para obter cada vez mais lucro, o capitalista busca sempre incrementar a sua capacidade produtiva, o que o leva a investir cada vez mais em tecnologia e cada vez menos nos empregados; uma máquina eficiente pode substituir 20 funcionários, livrando o proprietário do custo de pagar 20 salários.

Contudo, como vimos antes, o lucro provém da exploração do tempo não pago aos trabalhadores, pois é o trabalho que agrega valor. Logo, quanto menor for o trabalho usurpado, menor será o lucro. Marx acreditava que, apesar de existirem mecanismos para retardar a tendência decrescente da taxa de lucro, esta seria a principal contradição (antítese) do sistema. O resultado só poderia ser uma crise fatal que levaria o modo de produção capitalista ao fim, dando oportunidade para a emancipação da classe proletária.

Mas tanto o fim do sistema como essa emancipação não chegariam sem dificuldades. A classe burguesa não iria abdicar do seu poder facilmente, e a classe proletária precisaria de união e consciência de classe para realizar uma verdadeira revolução.

Revolução, comunismo e legado

Ilustração retratando a Comuna de Paris

Marx fora marcado profundamente pelos ideais da Revolução Francesa, mas achava que estes, ainda assim, eram insuficientes. Embora a emancipação política fosse importante, ela não substituía a emancipação social. A liberdade, igualdade e fraternidade deveriam existir não somente nas leis, mas na vida material de todos os seres humanos. Sem isso, os conflitos sociais continuariam existindo, pois eles eram expressões das contradições econômicas basilares da sociedade.

A luta de classes, ou seja, a luta entre dominantes (burguesia) e dominados (proletariado) é fundamental para se compreender os aspectos políticos e revolucionários da obra de Marx. Novamente temos a aplicação da dialética materialista, onde tudo produz o seu oposto num eterno devir, para explicar o funcionamento do mundo.

A burguesia foi, em sua origem, um classe revolucionária, uma vez que ela derrubou a aristocracia e dissolveu o modo de produção feudal para poder se estabelecer como classe dominante num novo sistema. Ao assumir o poder tornou-se conservadora, mas também acabou gerando a sua maior oposição, o proletariado. É a massa trabalhadora explorada pela burguesia que consiste a maior ameaça para a sua hegemonia.

No início, a classe proletária se uniria contra o maquinário que a substitui nos postos de trabalho. Posteriormente, se organizaria em sindicatos e partidos políticos, reconhecendo-se enquanto classe social. Por fim, o proletariado iniciaria uma revolução contra a burguesia, o que resultaria na inevitável derrota da classe dominante (vale lembrar que Marx via o processo dialético da histórica como uma lei incontornável: mais cedo ou mais tarde a burguesia seria destronada).

Para realizar tudo isso, a classe proletária precisaria possuir consciência de classe, que é a capacidade de se enxergar para além da condição de trabalhador assalariado, percebendo-se como alguém explorado, que sente a necessidade de transformar essa condição.

O modo de produção que se estabeleceria com o fim do capitalismo seria o do comunismo. Todavia, Marx não tratou de desenvolver profundamente como poderiam ser as características desse novo sistema. O que temos são várias considerações vagas e muitas interpretações divergentes entre os estudiosos da obra de Marx e do marxismo. O que podemos dizer com certa objetividade é que: seria uma sociedade que se estabeleceria com a derrota da burguesia pelo proletariado; não haveriam classes sociais, elas seriam abolidas; a propriedade privada chegaria ao fim; o Estado também seria abolido (se o Estado existe para servir a uma classe e as classes não mais existem, o Estado perderia seu sentido em existir).

O pensamento político de Marx gerou impactos imensos no movimento socialista internacional; impactos estes que Marx não pôde presenciar antes de morrer. Sobrou para estes interpretes de Marx tentar traçar o caminho rumo ao comunismo, e claro que isso não se deu sem divergências. A principal delas é a cisão dos socialistas em dois grupos: os revolucionários e os reformistas (social-democratas). O revolucionários acreditavam que somente uma revolução total e radical é capaz de alcançar os objetivos do socialismo, enquanto os reformistas afirmavam que o melhor caminho seria um conjunto de reformas graduais dentro do sistema democrático que aos poucos superaria o capitalismo.

As práticas políticas desses dois grupos inspirados no pensamento de Marx ficaram marcadas na história. Os revolucionários tiveram êxito em vários países ao redor do mundo, como na Rússia, China e Cuba. Já os reformistas criaram grandes partidos políticos para participar dos sistemas de democracia representativa, elegendo parlamentares e propondo mudanças numa tentativa de estabelecer um Estado de bem-estar social.

Concordando ou não concordando com Marx, fato é que não podemos deixá-lo de lado. Seu pensamento foi uma avalanche para o pensamento social e político, inspirando estudos em inúmeras áreas e vários movimentos políticos ao redor do mundo, não sendo exagero considera esse sujeito como um dos maiores intelectuais da civilização ocidental.

Referências e sugestões de leitura:

  • MARX, Karl. O capital. São Paulo: Boitempo Editorial, 2013.
  • MARX, Karl. O capital. Volume II. São Paulo: Boitempo Editorial, 2014.
  • HARVEY, David. Para entender O capital. São Paulo: Boitempo Editorial, 2013.
  • SELL, Carlos Eduardo. Sociologia Clássica: Marx, Durkheim e Weber. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2009.

Obras de Marx e Engels publicadas no Brasil:

  • A guerra civil na França
  • A ideologia alemã
  • A sagrada família
  • A situação da classe trabalhadora na Inglaterra
  • As lutas de classes na França de 1848 a 1850
  • Anti-Dühring
  • Contribuição a crítica da economia política
  • Crítica da filosofia do direito de Hegel
  • Crítica ao programa de Gotha
  • Grundrisse
  • Luta de classes na Alemanha
  • Luta de classes na Rússia
  • Manifesto Comunista
  • Manuscritos econômico-filosóficos
  • O 18 brumário de Luís Bonaparte
  • O Capital
  • O socialismo jurídico
  • Sobre a questão da moradia
  • Sobre a questão judaica
  • Sobre o suicídio

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