Síria: nada de novo no front?

Em um caldeirão de tensões e interesses, maniqueísmo tenta simplificar um cenário complexo

Rodrigo Barros
Paiol
5 min readApr 14, 2018

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Nesta última sexta-feira, 13 de Abril, EUA, França e Reino Unido lançaram ataques com mísseis em alvos do regime sírio de Bashar al-Assad. A justificativa oficial para as agressões é que se trata de uma punição: o regime sírio teria utilizado bombas químicas contra a própria população civil. Ou seja, um ato de extrema brutalidade que foi completamente ignorado pelos aliados de Assad (Rússia e Irã), mas que o Ocidente não pode fazer vista grossa.

Embora existam narrativas nobres, podemos dizer que potências não se envolvem em conflitos fora de casa se não tiverem nada a ganhar ou perder. O regime sírio já demonstrou ser capaz de muitas atrocidades, mas não são essas atrocidades que motivam os atores deste palco a se moverem; tais crimes são meros pretextos.

Nós já vimos um filme muito parecido com esse em 2003: acusando o governo de Sadydam Hussein de possuir armas de destruição em massa, uma aliança ocidental lidera pelos EUA invadiu o Iraque. Saddam foi destituído e enforcado, cidades foram destruídas, grupos radicais jihadistas encontraram terreno fértil para o extremismo, o país entrou em colapso e centenas de milhares foram mortos. As armas de destruição em massa? Nunca foram encontradas. Elas não existiam.

Isso quer dizer então que o regime sírio não praticou ataques químicos? Não exatamente. Há um histórico desse tipo de ataque contra civis e rebeldes, mas até agora não temos certeza se ele de fato ocorreu. Antes mesmo de qualquer averiguação, as ações militares foram tomadas.

É de se perguntar se ditadores não deveriam perder os postos mesmo assim, já que oprimem a população e que qualquer medida para repreendê-los seria justificável (o próprio Saddam usou armas químicas contra minorias no Iraque e na guerra contra o Irã durante a década de 1980). Mas a verdadeira pergunta a ser respondida não é essa. Antes devemos saber por quais motivos essas intervenções só aparecem em condições muito específicas.

A democracia de mãos dadas com o despotismo

As potências ocidentais que se proclamam representantes da democracia e da liberdade não enxergam contradição alguma em apoiar regimes despóticos, desde que esses regimes sirvam aos seus interesses.

Foi assim que, por exemplo: Saddam continuou no poder por 24 anos; Hosni Mubarak permaneceu chefiando o Egito durante 30 anos; e também foi assim que Pinochet e outras ditaduras militares da América do Sul conseguiram apoio externo nos anos da Guerra Fria. Esses governos não estavam sozinhos. Eles tinham apoio por servirem como pontos estratégicos para a hegemonia ou como fontes de recursos de suma importância para as potências globais. Nos tempos da Guerra Fria, a União Soviética e os EUA disputavam as zonas de influência. Hoje em dia, os atores e as motivações são outras.

Há exemplo mais emblemático do que a Arábia Saudita neste sentido? Trata-se de um país comandando por uma monarquia teocrática marcada pelos excessos, a violência e a opressão, mas que possui reservas colossais de petróleo. A respeito desse despotismo não há nenhuma censura ou embargo por parte das nações “do mundo livre”. Os sauditas continuam vendendo petróleo para o Ocidente, comprando bilhões em armamentos destes mesmos ocidentais, estimulando o crescimento o wahhabismo e promovendo ações antidemocráticos dentro e fora do seu país.

Assim sendo, precisamos reforçar que Assad não está sendo atacado por ter feito ataques químicos, sendo estes verídicos ou não. Isso não importa mais. Da mesma forma que Husseim, Assad está sendo atacado porque deixou de ser interessante para alguns; porque tornou-se um empecilho aos interesses ocidentais.

Proxy Wars e suposições sobre o futuro

Não devemos cair na velha ladainha ideológica de embate de civilizações, com o honroso ocidente civilizado tendo que enfrentar as hordas bárbaras e desleais do leste. Essa fantasia ideológica é antiga e busca construir um inimigo em comum que ameaça nossos lares e nossas vidas, ignorando as inconsistências do nosso mundo e justificando ações imperiais.

Estamos diante de um caso de proxy war, ou guerra por procuração. São conflitos onde nações se enfrentam por meio de terceiros, tais como os que ocorreram no século passado no Vietnã, Coreia e Angola. Na Síria, podemos estabelecer o seguinte mapa de atores:

Temos, de modo geral, a Rússia, o Irã, o Iraque e o Hezbollah auxiliando o regime de Assad e combatendo direta e indiretamente as forças rebeldes. Do outro lado temos um grupo menos homogêneo (não que o primeiro o seja completamente) composto por EUA, França, Reino Unido, Turquia, Arábia Saudita e outros atores menores que fornecem suporte aos grupos rebeldes sírios contra Assad.

No “meio” disso temos Israel, nação mais alinhada com o segundo grupo, mas com capacidade de dialogar com diferentes atores e normalmente agindo sozinho, lançando ataques preventivos pontuais (que normalmente não são nem confirmados e nem negados pelos israelenses) e tendo o Irã como seu principal antagonista.

Temos também os curdos que procuram garantir meios de se constituírem como uma nação própria (o Curdistão), mas que são rechaçados por aqueles que não querem o surgimento de um novo país na região, como a Turquia, nação que age de forma dúbia para cumprir sua agenda.

Até o momento, o grupo pró-Assad estava ganhando o conflito, e se isso vai perdurar só o tempo dirá. Os ataques realizados diretamente pelos EUA, França e Reino Unido podem ser um ser um ato enérgico para tentar equilibrar a balança, mas não significam, ainda, que haverá uma invasão terrestre na Síria. Muito se especula se agora os EUA e a Rússia se enfrentariam diretamente, o que não parece ser uma possibilidade real ou interessante para nenhuma das partes.

A Rússia só pode se considerar equivalente ao poderio norte-americano quando o assunto é arsenal nuclear. Por esta perspectiva, a utilização de armas nucleares significaria destruição mútua, logo não há razão para serem utilizadas. Já um embate entre as forças armadas é bastante desigual, a tirar pelo orçamento militar de cada nação: a Rússia investe o equivalente a 70 bilhões de dólares, enquanto que os EUA gastam 700 bilhões de dólares. Fora que uma guerra dessa magnitude pode desgastar a imagem pública dos líderes envolvidos, enfraquecendo seus governos.

Se nos cabe uma aposta, podemos dizer que as tensões entre as nações serão resolvidas por meio das proxy wars já existentes, combinadas com as negociações realizadas nos bastidores (como as que ocorreram com Pyongyang apesar de todas as bravatas públicas).

Também se pode especular o quanto que uma intervenção militar dessa natureza auxilia os atuais governos dos EUA, França e Reino Unido a desviarem a atenção dos seus problemas internos. No caso dos EUA, as investigações do FBI a respeito da eleição de Trump e a guerra comercial com a China; com a França, as reformas impopulares de Macron; no Reino Unido, os efeitos ainda incertos do Brexit e os meios para a sua concretização.

Seja como for, são os civis sírios que pagam o maior preço, tendo que abandonar suas casas, enterrar seus filhos e perder suas vidas em um conflito que já dura 7 anos.

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