A alforria da música brasileira

Vinícius Nesi
Rio Paisagem Sonora
3 min readNov 30, 2018

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“Não há quem possa resistir, quando o chorinho brasileiro faz sentir, ainda mais de cavaquinho, com um pandeiro e um violão na marcação”. O choro foi o primeiro estilo musical popular brasileiro, surgido no fim do século XIX, no Rio de Janeiro. É a fusão de ritmos africanos, como o lundu, com a polca europeia, a valsa, o xote, entre outros, que unidos ao estilo brasileiro resultaram no choro, maxixe ou tango brasileiro e mais tarde o samba e inúmeras variações.

Tradicionalmente composto por um grupo com violão, cavaquinho e flauta, esse conjunto de instrumentos era apelidado como ‘’pau e cordas’’(as primeiras flautas eram feitas de madeira). Com a incorporação do pandeiro, saxofone, clarinete e diversos outros instrumentos, os músicos de choro são reconhecidos pela versatilidade de timbres solistas. O piano é outro instrumento tradicional nas composições, com a vinda da corte portuguesa muitos instrumentos e músicos vieram para o Brasil, e o RJ chegou a ser conhecido como a cidade dos pianos.

A Noite do Corta-jaca

Apesar de ter surgido nas biroscas que se formavam com os imigrantes, o choro logo tomou conta dos grandes salões tradicionais. O episódio de 1914, em que envolveu a primeira dama do país, Dona Nair de Teffé, durante um jantar oficial no palácio do Catete com o senador Rui Barbosa e outros representantes do corpo diplomático e da elite carioca, no qual a primeira dama tocou ao violão a composição de Chiquinha Gonzaga, o corta-jaca, pela primeira vez apresentada em um salão com a elite, fato considerado como a alforria da música brasileira.

A letra fala sobre as baronesas que fugiam escondidas da casa grande para dançar com os escravos durante as noites, portanto o fato gerou certa polêmica entre os diplomatas e a elite, que valorizavam o erudito e só tocavam músicas europeias em reuniões.

Neste mundo de misérias
Quem impera
É quem é mais folgazão
É quem sabe cortar jaca
Nos requebros
De suprema, perfeição, perfeição

Ai, ai, como é bom dançar, ai!
Corta-jaca assim, assim, assim
Mexe com o pé!
Ai, ai, tem feitiço tem, ai!
Corta meu benzinho assim, assim!

Esta dança é buliçosa
Tão dengosa
Que todos querem dançar
Não há ricas baronesas
Nem marquesas
Que não saibam requebrar, requebrar

Este passo tem feitiço
Tal ouriço
Faz qualquer homem coió
Não há velho carrancudo
Nem sisudo
Que não caia em trololó, trololó

Quem me vir assim alegre
No Flamengo
Por certo se há de render
Não resiste com certeza
Com certeza
Este jeito de mexer

Um flamengo tão gostoso
Tão ruidoso
Vale bem meia-pataca
Dizem todos que na ponta
Está na ponta
Nossa dança corta-jaca, corta-jaca!

Da alforria nos salões da elite, às praças nas manhãs de domingo, acontece na praça São Salvador, que divide os bairros Laranjeiras, Flamengo e Lgo do Machado, a roda de choro “Arruma o Coreto”, nome criado em contraponto ao bloco de carnaval ‘’Bagunça meu coreto’’. A roda, criada há 11 anos por estudantes da Escola de Choro, acontece aos domingos de 11h as 14h, é aberta para qualquer músico interessado tocar, e já chegou a reunir mais de 300 pessoas, com dezenas de músicos, tornou-se patrimônio cultural imaterial.

créditos: Casa de choro

A Escola Portátil da Casa de Choro existe desde 1999 e é dirigida por Luciana Rabello e Mauricio Carrilho, e tem o objetivo de desenvolver a linguagem musical a partir do choro e ritmos tradicionais, para estimular a composição e a possibilidade de trabalhar como arranjador, intérprete ou mesmo estudioso.

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