Baile da Gaiola — Penha

A Penha é o Bicho e o Ritmo é Louco

Suellen A. de Moura
Rio Paisagem Sonora
6 min readNov 30, 2018

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Não importa de que parte do Rio você é ou de qual estado do país venha, todos nós conhecemos a Penha. E não só pela ilustre Igreja de Nossa Senhora da Penha com seus 382 degraus, erguida no alto de uma pedra, como também pelo fervoroso Baile da Penha que reúne pessoas de diversas regiões e classes sociais em um único lugar. Sabe onde você tá? Na história do Baile da Gaiola.

A tradicional Festa da Penha que no início do século XX lançou para o público o samba “Pelo Telefone” assinado por Donga, agora integra mais um grande evento que não acontece somente nos meses de outubro e novembro, mas sim, em todos os sábados do ano, sem descanso.

No encontro das ruas Taperoá com Aimoré, o dono do bar Gaiola começou a tocar funk em seu estabelecimento a fim de promover e movimentar o comércio durante finais de semana, ele só não contava que esse episódio tomaria tanto conhecimento quanto a rua inteira, dando origem ao Baile da Gaiola. E assim como eu, você já deve saber que o Novo Baile da Penha expandiu e alcançou outras zonas da cidade, como o Barra Music, localizado em Jacarepaguá, Zona Oeste, e até outros estados brasileiros.

Mas antes de contar mais sobre aquele lugar aonde tu senta, aonde tu sobe, aonde tu desce, aonde tu rebola (ou pretende), é legal recordar sobre a história do funk, especialmente o carioca, e a evolução até o momento. Afinal, como um baile de rua, na Zona Norte, consegue atrair tanta gente assim?

Surgimento do funk carioca

O funk carioca é derivado das favelas do Rio, é claro, e, apesar do nome, não tem nada a ver com o funk dos Estados Unidos (Tipo Red Hot Chilli Peppers, sabe? Sim. Eles são funk). Na verdade, o som, inspirado no Soul, teve início nos anos 1970, quando os bailes da pesada/pesadão surgiram no extinto Canecão, organizados pelos DJs Big Boy e Ademir Lemos. Apesar da perda de popularidade no final da mesma década, por conta da explosão do Disco Music, os bailes voltaram com tudo a partir de 1980.

Após a retomada, o gênero começou a mostrar traços de novos ritmos como o Miami Bass, responsável pela erotização e batidas mais rápidas que ouvimos até hoje. E segundo DJ Malboro, um dos maiores nomes desse cenário, a verdadeira influência do funk carioca foi a música “Planet Rock” do Afrika Bambaataa & Soulsonic Force (1982) — vai dizer que essa música não te transporta pra um baile dos anos 90, ainda que você nem tenha vivido naquele período?

Funk Carioca e New Funk

Não, eles não são a mesma coisa, e a diferença está nas mensagens expressadas nas composições. Enquanto o genuíno funk da antiga Guanabara relata a vida e as dificuldades vividas nas comunidades, como “Rap do Silva” do MC Bob Rum, que evidência um retrato das favelas, o New Funk apresenta letras centradas na sensualidade e no erotismo. E um dos exemplos que posso dar é o hit “Finalidade Era Ficar em Casa” de MC Chris e MC GW (DJ Kevin O Chris) e “Hoje Tudo Vai Acabar em Ousadia” de Mc Roger que muitos de nós já ouvimos tocando por aí. Eu escutava em todas as choppadas da faculdade e posso afirmar que a galera esperava ansiosamente para que tocasse. Nos primeiros sinais da batida, o pessoal já gritava de animação e se preparava pra dançar.

As Críticas

“Desde quando funk é cultura?”, essa é uma frase inconveniente repetida muitas vezes durante anos, assim, de acordo com o jornalista Gilson Santos o funk é “uma depravação e lixo cultural (…) Não dá para considerar como ‘cultura’, algo tão grotesco, burro e malfeito.” O conceito de cultura frequentemente relacionado de maneira equivocada como sinônimo de erudito. Contudo, é uma das culturas do morro.

Então, por que esse novo funk, em sua maioria, foca na putaria? E por que isso choca aqueles que são de fora? Ora, em primeiro lugar, as letras que tratam sobre sexo são vistas como um problema por uma questão de tabu (porém, isso diverge quando se analisa uma produção que se refere a assédios, por exemplo), além disso, tudo depende da maneira como escolhemos consumir o funk (versão light ou proibidão). Entretanto, para falar mais sobre isso é preciso entender o contexto social.

A música nasce na favela, a partir de pessoas que têm uma visão de dentro, lugar onde o Estado não entra, logo, as relações de poder são diferentes das de quem vive no “asfalto”, dessa forma, as noções de moralidade também acabam seguindo pelo mesmo caminho. Por esse motivo, é possível que os assuntos abordados pelos MCs e DJs sejam tratados como algo normal e tranquilo para aqueles que vivem nas comunidades, para quem está cantando e vivendo as letras em seu cotidiano.

Igreja Nossa Senhora da Penha

A Vila Cruzeiro está localizada no berço da Penha onde, da própria Igreja, podemos ver um panorama de boa parte do complexo. E digo para você que eu, a estudante de jornalismo que escrevo essa narrativa, não faço ideia do que se passa no centro de uma favela dominada pelo tráfico, apenas posso imaginar e obter informações. Mas saber como realmente é? Não sei.

Assim, levando todas essas questões em consideração, exponho o questionamento: o interior das favelas é marginalizado, portanto, por qual motivo os compositores iriam querer se enquadrar no padrão musical de quem os marginaliza?

O Baile da Gaiola e o ritmo acelerado

“Mané, tu tá maluco? 150 BPM é acelerado demais”, foi o que Rennan Santos da Silva (DJ Rennan), um dos autores desse novo estilo de funk, falou para Rodrigo Fox quando criou o “ritmo louco”, “putaria acelerada” ou “atabacada”, que caiu rapidamente no gosto do povo, trazendo uma inovadora vertente aos bailes funks cariocas.

Rennan Santos da Silva (DJ Rennan)

Além da Festa da Penha, o bairro carecia de um novo evento cultural para retomar o destaque que sempre teve, e esse espaço foi preenchido pelo Baile da Gaiola, levando grupos dos quatro cantos da cidade para abarrotar uma rua.

Ah! Vale lembrar que conheci o baile por meio de uma amiga que mora em São Vicente, litoral de São Paulo. Nascida e criada na Zona Norte, família alocada na região da Penha, e eu só fui saber sobre esse fenômeno por uma amiga de outro estado. Em que mundo eu estava? Caso você seja como eu, que possuía dúvidas quanto a grandeza dessa festa, basta se atentar aos funks que ouvimos em qualquer parte da cidade, seja no celular de um desconhecido que passa por nós, no radinho do vendedor do trem, no comércio de rua, nas sociais entre amigos até as baladas mais caras, provavelmente você estará ouvindo o trabalho de uma cria da Penha.

Se ainda faltava alguma coisa para se tornar O baile, então DJ Rennan já cuidou disso. Agora, o Baile da Penha que já está sempre lotado em todo sabadão terá uma edição LGBTQ+. Esse ritmo frenético é, definitivamente, pra todo mundo. E poderemos dizer, sem distinção, EU VOU PRO BAILE DA GAIOLA (MC Kevin o Chris)

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