Cocottes, breguice e democracia
Bem-vindos à rua Uruguaiana
Buzinas, comerciantes e músicas aleatórias compõem a Rua Uruguaiana no centro do Rio de Janeiro. Entre o camelódromo, Largo da Carioca, avenida Presidente Vargas e o início da área executiva da região, a rua já foi personagem e palco de diversos versos e cantos. De João do Rio em suas aclamadas crônicas às atuais “vlogueiras” que potencializam o caráter mercadológico do local, a Uruguaiana na essência de sua existência e fama uma mistura de ritmos que envolve desde o tecnobrega até as composições de Chiquinha Gonzaga.
Nas trilhas sonoras que são entoadas ao mesmo tempo, no mesmo rebu, existe, se não tudo, quase isso. O embalo cubano se mistura com a fala em “portunhol” dos imigrantes que tentam vender suas falsificações. Os sucessos do pop americano tocam ao lado de uma placa escrita à mão dizendo “grava-se pen drive”. O tecnobrega é colocado em alto som não se sabe ao certo se para chamar atenção dos possíveis compradores ou se para distrair os frequentadores durante mais um dia que passa na uruguaiana.
Quando ainda era chamada de “Rua da Vala”, por seu histórico de funcionar como escoamento da extinta Lagoa de Santo Antônio, o endereço abrigava um polêmico teatro: o Alcazar Lyrique. Inspirado nos teatros parisienses e fundado por um artista francês, Joseph Arnaud, o estabelecimento ocupou, até o seu fechamento, em 1880, os números 43, 45, 47, 49 e 51 do endereço. Além disso, foi o marco da chegada das cocotte comedienne ao Brasil. O teatro chama atenção também por um detalhe, não tão pequeno, que é ter sido dirigido por um tempo pela pianista Chiquinha Gonzaga.
Alargada e melhorada pela revitalização do prefeito Pereira Passos (1904) e feita de canteiros de obras do metrô (1970–1979), a via é palco de várias “perfomances”. O mímico Sombra há mais de 20 anos faz da rua seu espaço de trabalho e alegra os pedestres. Há quem leve violão, microfone e solte a voz em troca de gorjetas dos passantes. Mas não se pode esquecer dos vendedores que tentam convencer, aos quase berros ou abordando cada pessoa que passa em frente às lojas, que ali se vende o melhor do mundo. Não importa o produto.
A intensificação do fluxo de passos no sentido da estação do metrô e as buzinas que vêm da Presidente Vargas, ali do lado, onde nasceram as escolas de samba, anunciam mais um fim de expediente da Uruguaiana. Ternos, mochilas, o calor da cidade, conversas, celulares, carrinhos de vendas e táxis se esbarram e se despedem naquela espécie de passarela da democracia que vem da encantadora alma da rua.