Guilherme
Rio Paisagem Sonora
4 min readNov 30, 2018

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Garota de Ipanema, Rua Vinícius de Morais, 49 — Ipanema (Foto: DIÁRIO DO RIO DE JANEIRO)

Rua Vinícius de Morais, 49 — Ipanema

Quem nunca sentou na mesa de um bar para tomar uma cerveja com os amigos e acabou escrevendo a segunda canção mais tocada da história e um dos principais símbolos da música popular brasileira?

Helô Pinheiro na década de 60 (Foto: helopinheiro.com.br)

Pois é, os únicos donos desse título são Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Sentados em uma mesa do antigo Bar Veloso, em Ipanema — hoje chamado Garota de Ipanema — observaram Helô Pinheiro, na época com apenas 17 anos, a caminho da praia de Ipanema. Apesar de essa ser a história conhecida pelo senso comum, Vinícius escreveu a letra em Petrópolis, que originalmente se chamava “Menina que passa”. O encontro com Tom gerou a canção “Garota de Ipanema” em 1962. O hino da Bossa Nova que marcou gerações, é tão poderoso que além de se tornar o cartão de visitas do Rio e do Brasil no exterior, foi capaz de tirar a top model Gisele Bundchen de sua aposentadoria para, assim como diz a canção, ser a coisa mais linda, mais cheia de graça durante a abertura dos Jogos Olímpicos de 2016, no Maracanã.

Gisele Bundchen na abertura dos Jogos Olímpicos de 2016

Influenciado pelo samba brasileiro e jazz norte-americano, o movimento surgiu no final dos anos 50 em meio à industrialização e urbanização no governo Juscelino Kubitschek. O Plano de Metas e a Política Desenvolvimentista, ilustrada pelo slogan “50 anos em 5” eram marcas do período político que o Brasil vivia. Era o início da transição de um país agrário para o urbano. Além disso, na época, buscava-se assumir uma nova posição no cenário mundial, principalmente como representante dos latino americanos para os EUA e o mundo.

Sem a classe média/alta, não existiria Bossa Nova. O movimento nasceu nos apartamentos, bares e praias da zona sul do Rio de Janeiro e atendeu as necessidades da elite por uma música nacional que viesse do encontro com a sua realidade e o momento vivido pelo país, ou seja, a fase desenvolvimentista de JK. Diferentes harmonias, letras mais simples e cadenciadas batizam o ritmo, que passa a ser mais refinada, mais alegre, mais otimista, quando comparado com outros momentos.

Além de Vinicius de Moraes e Tom Jobim, é impossível falar dessa época sem citar nomes como Toquinho, João Gilberto, Edu Lobo, Nelson Motta, Marcos Valle e outros. Suas letras, na maioria das vezes, refletiam o período vivido. Os compositores e participantes do movimento se detinham a uma realidade específica, no caso a cidade do Rio de Janeiro, as paisagens e os elementos naturais. É o caso de João Gilberto que em Corcovado, com letra e música de Tom, descreve a beleza do monumento nos versos: “Um cantinho, um violão/ Esse amor, uma canção/ Pra fazer feliz a quem se ama/ Muita calma pra pensar/ E ter tempo pra sonhar/ Da janela vê-se o corcovado/ O Redentor, que lindo.

Praia de Ipanema, Rio de Janeiro — RJ (Foto: Guilherme Tacto)

Outro aspecto marcante era a presença da figura feminina nas composições. A musa não podia ficar de fora. Fonte de inspiração para os compositores os sentimentos e relacionamentos faziam parte do universo bossanovistas, dando um tom romântico e sedutor nas letras. A mulher dialoga com o cenário. As belezas naturais são deslumbrantes assim como a beleza feminina que reflete a essência da cidade e representa o que de fato é ser carioca.

As canções do período estão tão presentes no subconsciente do brasileiro que basta tocar qualquer uma que a sensação de estar vivendo em uma novela do Manoel Carlos é instantânea. A zona sul se materializa e as personagens Helenas trazem todo o simbolismo da narrativa que utiliza a Bossa Nova como suporte musical. Dúvida? Faça o teste, ouça os seguintes versos e diga qual novela da Globo vem na sua cabeça: “Quando a luz dos olhos meus / E a luz dos olhos teus / Resolvem se encontrar” … (Pela Luz dos Olhos Teus) Mulheres Apaixonadas! Eu sei que vou te amar / Por toda a minha vida eu vou te amar / Em cada despedida eu vou te amar / Desesperadamente, eu sei que vou te amar … (Eu Sei Que Vou Te Amar) … Em Família! Quero a vida sempre assim com você/ perto de mim/ até o apagar da velha chama/ E eu que era triste … (Corcovado) … Laços de Família! e por aí vai!

Quem diria que uma mesa de bar seria cenário do início de um dos maiores movimentos da música popular brasileira. As músicas percorreram a Rua Vinícius de Moraes, 49, se espalharam pelas praias de Ipanema e Leblon, subiram os apartamentos da região, chegaram aos corações dos brasileiros e de lá nunca saíram! A nostalgia é um sentimento constante, assim como a saudade, que segundo Vinicius de Moraes, “A realidade é que sem ela / Não há paz não há beleza / É só tristeza e a melancolia / Que não sai de mim / Não sai de mim /Não sai” … (Chega de Saudade)

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