Vila: Celeiro de Bamba

Letícia Ponso
Rio Paisagem Sonora
6 min readMay 10, 2019

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“Lá em Vila Isabel/quem é bacharel/ não tem medo de bamba”. Em o ‘Feitiço da Vila (1934)’, um dos mais famosos artistas, Noel Rosa, cantava sobre o que seria um dos berços do samba e um dos bairros mais boêmios do Rio de Janeiro. Localizado na Zona Norte, Vila Isabel fica na região da Grande Tijuca cercada por bares, cervejas e com certeza, pelo ritmo do samba.

O Poeta da Vila levou o som das ladeiras do Morro dos Macacos para os asfaltos das rádios cariocas do século XX. Assim, seu nome e o lugar ficaram como referência para música e principalmente, para o samba. E se parou por ai? Que nada! Temos ainda Martinho da Vila e a G.R.E.S Unidos de Vila Isabel.

Mas isso fica para depois. Vamos começar do início. A quinta do Macaco, ou melhor, Fazenda dos Macacos, como era conhecido o futuro bairro de Vila Isabel, pertencia no Império à Dona Amélia, segunda esposa de D. Pedro I e neta de Napoleão Bonaparte. Só que o casal teve que ir para Portugal e então, a fazenda foi adquirida pelo futuro Barão, João Batista Drummont.

Em 1872, inspirado no urbanismo parisiense, Drummont contratou para urbanizar a fazenda, a Companhia Arquitetônica de Vila Isabel que tinha como diretores Barão de São Francisco, o médico Visconde da Silva e entre outros que depois viraram nome de rua pelo bairro.

Por ser um abolicionista e por obter o local após a promulgação da lei do Ventre Livre (1871), o Barão deu nomes alusivos à causa da escravidão a ruas e praças da região. Como, por exemplo, o nome da principal via, Avenida 28 de setembro (dia da sanção dessa lei) e, além disso, colocou o nome do bairro em homenagem a princesa Isabel por ter sancionado a lei Áurea(1888), dando o nome de Vila Isabel.

Uma curiosidade dessa época são os patrimônios históricos deixados. O mais interessante é que, nessa primeira cidade planejada do Rio, se criou o primeiro zoológico do Brasil. Sim, do Brasil! Antes mesmo do da Quinta da Boa Vista. Então, o Zoológico de Vila Isabel foi inaugurado em 1888, naquele estilo do que Drummont tinha visto em Paris, com macacos do Brasil e Leões e Elefante vindos da África. Era o sucesso da época.

Só que com a Proclamação da República em 1889, o Império deixou de financiar o local e foi assim que o Barão criou um jogo para aumentar a renda. E foi lá que nasceu o Jogo do Bicho! Um jogo popular, mas que depois se tornou ilegal. Veja como funcionava:

“Ao comprar o ingresso de entrada para o Jardim Zoológico, o visitante passaria a receber um ticket. No bilhete estaria impressa a figura de um animal. Pendurada num poste a cerca de três metros de altura, próxima ao portão de entrada do parque, havia uma caixa de madeira. Dentro desta ficava escondida a gravura de um animal, escolhida pelo barão em uma lista de 25 bichos que ia de avestruz a vaca, passando por borboleta e jacaré. Nesse domingo, às cinco horas da tarde, a caixa seria aberta pela primeira vez, e o público presente poderia, afinal, descobrir o animal encaixotado e saber se teria direito ao prometido prêmio de 20$000, 20 vezes o valor gasto com a entrada para o zoo. Na hora marcada, o barão dirigiu-se até o poste, revelou a avestruz e fez a alegria de 23 sortudos visitantes”, conta Felipe Magalhães, no livro ‘Ganhou, leva, o Jogo do Bicho no Rio de Janeiro”.

Outra importante construção da época foi o sistema de transporte com bondes à tração animal ligando Vila Isabel ao Centro (1975) que se localizava onde hoje fica a 28 de setembro. Tem destaque também, uma fábrica de Tecidos que ficou conhecida tempos depois na música de Noel Rosa, ‘Três Apitos’. A Companhia de Fiação e Tecido confiança Industrial foi inaugurada em 1885, e teve sua maior produção durante a Segunda Guerra, o que logo após a fez fechar as portas. Em virtude do local da fábrica e seu entorno com as casas dos operários e o casario, desde 1993, a área faz parte de uma proteção do ambiente cultural

Calçadas Musicais na Avenida 28 de setembro

Já no século XX, temos outro legado, as Calçadas Musicais. Em 1965, em comemoração ao “Centenário da Cidade do Rio de Janeiro” foram colocadas desde a Praça Maracanã até a Praça Barão de Drummont, desenhadas nas pedras portuguesas da 28 de setembro, partituras de grandes composições brasileiras. De Cidade Maravilhosa de André Filho até Renascer das Cinzas de Martinho da Vila.

A continuação com Martinho da Vila e G.R.E.S Unidos de Vila Isabel:

Cantor e compositor Martinho da Vila

“Ouvi dizer que tem o pagode do Seu China

E batucada na azul e branco do céu

Em qualquer plano, a Vila é pra ser vivida

E quem comanda o batuque é nosso mestre Noel” ( O pagode do seu China- Martinho da Vila)

E, aliás, Quem é esse China? Vamos lá! Antônio Silveira, conhecido como o “China” foi o primeiro presidente da G.R.E.S Unidos de Vila Isabel e foi ele quem a registrou, em 1946, como escola. Mas antes, ele fazia parte de um bloco conhecido como Vermelho e Branco que após a saída de alguns componentes criaram um time de futebol chamado Azul e Branco e que depois acabou virando outro bloco, e quem fazia parte disso? Seu China!

Mas foi só em 1988 que a Unidos de Vila Isabel ganhou seu primeiro título no grupo especial, com o enredo ‘Kizomba: Festa da Raça’ e que foi idealizado pelo mais novo príncipe de Vila Isabel: Martinho da Vila!

Mudando a forma de compor sambas-enredos, com letras e melodias mais suaves, Martinho, que adicionou ao seu nome o bairro de Vila, fazia parte quando era mais novo da escola de samba Aprendizes da Boca do Mato, só que tempo depois surgiu o convite para ser compositor da escola Azul e Branca. Estando na Unidos de Vila Isabel desde 1965 até hoje.

Com a questão da identidade Afro-brasileira em suas músicas, Martinho trouxe para a escola de samba e para seus discos uma exaltação do povo negro, sua história e memória. E a sua preocupação em divulgar essa cultura e suas origens ficam muito claras em, por exemplo, “Martinho e Angola” e “ Concerto Negro” e principalmente nas histórias dos Enredos da Vila Isabel que se preocupam em contar as histórias daqueles que não são protagonistas nas histórias reais.

Atual:

Estátua Noel Rosa inaugurada em 1996

Assim, o legado de Vila Isabel foi construído por Barão de Drummont, Noel Rosa e Martinho da Vila para aqueles que moram, passeiam ou transitam nas calçadas musicais de Vila Isabel não conseguirem mais esquecer o bairro. Como dizem os moradores de lá “Você sai de Vila Isabel, mas ela não sai de você”, e olha que é verdade! Você não se cansa de parar nos bares: tem o Carioca da Vila, Sempre Vila, Adega Vilas Boas, o quadrilátero do álcool formado por 4 bares, entre eles o Bar do Costa e o Bar Villarejo, e ainda tem aqueles que nunca esquecemos como o saudoso Petisco da Vila.

Mas não é só de boêmia que se vive, tem também o shopping Boulevard (o antigo Iguatemi) e tem as Rodas Culturais de Rap na Praça de VII , além de uma boa roda de samba lá também. Tudo isso, sob o olhar de um homem sentado à mesa do bar e pedindo uma boa “Gelada” para o garçom. E lá está ele, no início da 28 de setembro, a estátua de Noel Rosa (1996) recepcionando através da música ‘Conversa de Botequim’ todos aqueles que chegam em Vila Isabel, guiando pelas calçadas musicais e no final, dizendo um “até logo!”

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