Sobre plantar árvores, contar histórias e criar marcas

Há muito mais em um projeto de branding do que supõe a nossa vã metodologia

Flávia Carvalho
PALAVRÃO
Published in
4 min readFeb 5, 2020

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Certa vez, George R. R. Martin, a grande mente por trás de Game Of Thrones, disse que, para ele, escrever é como cuidar de um jardim. Você planta as sementes (no caso, os personagens) em um terreno específico e vê o que acontece. Ou pega uma planta que já tá crescida e muda de lugar pra ver se ela cresce mais, como o que aconteceu com o Tyrion. Ou pisa em cima dela, como aconteceu com a Sansa. E assim a história vai acontecendo.

Isso significa que os livros dele não são escritos com base no final, mas no desenvolvimento dos personagens. Ele até sabe aonde quer chegar com aquilo, mas os detalhes de como a história vai terminar são uma incógnita até mesmo pra ele. Ou seja, ninguém sabe ao certo como a saga das Crônicas de Gelo e Fogo (vamos fingir que a série nunca existiu) vai acabar.

Escrever assim cria personagens muito mais verdadeiros e diálogos incríveis, mesmo que às vezes o final decepcione.

Mas por que eu tô contando tudo isso? Primeiro porque eu acho que quase todo redator já sonhou em escrever uma história de ficção. Segundo porque, mesmo que eu ainda não tenha conseguido escrever a minha (embora até tenha começado), tenho o privilégio de trabalhar com branding, que é praticamente a mesma coisa.

Porém, diferente do Martin e suas histórias, quando se trata de marcas, você não tem controle nenhum do que tá fazendo.

Porque, como disse certa empresa de tecnologia que caiu nas nossas pesquisas de benchmarking:

“Brands are ideas that keep growing. We think of them like machine learning. When you build a brand, you build in the power to adapt and evolve.”

E o que é isso senão cuidar de um jardim que a qualquer momento pode se transformar em uma coisa completamente diferente diante de seus olhos?

E assim como nas grandes histórias, em que o que vale é a jornada em vez do destino, fazer branding é como dar o primeiro passo, encontrar as condições certas para que aquela marca nasça e cresça como o que ela realmente é.

Ou seja, não importa se a marca começou como um bonsai e, depois de alguns anos, se transformou em uma palmeira. Desde que isso seja verdadeiro e natural.

Toda marca tem a sua verdade, mesmo que a empresa ainda nem exista

Enquanto as empresas só passam a existir depois que recebem um CNPJ, eu gosto de pensar que as marcas nascem bem antes disso.

Isso porque é impossível você trabalhar pra construir uma empresa e não se envolver com ela de alguma forma, enxergá-la além desse amontoado de papelada e máquinas. E é exatamente isso que marcas são: a versão atrativa, humanizada e divertida de uma empresa. Aquela que as pessoas olham e desejam, se identificam, amam ou odeiam.

É por isso que, mesmo quando uma empresa que acabou de surgir procura a teken pra fazer um projeto de branding antes de se lançar no mercado, eu não sinto como se tivesse um papel em branco para trabalhar em cima. Existe uma série de fatores a se levar em consideração.

Principalmente porque, nesses casos, eu não crio nada. Não escrevo o que penso ou o que acho melhor. Quando se trata de branding, meu trabalho é muito mais investigativo do que criativo.

Mas isso não significa que não existe emoção

Me arrisco a dizer que o ponto alto da minha carreira foi quando uma cliente ficou com os olhos marejados depois de ver o resultado do projeto que a gente tinha desenvolvido. Segundo ela, a persona e pilares de marca, golden circle e posicionamento (também chamados de branding verbal) eram exatamente como ela enxergava a empresa, mas nunca havia conseguido colocar em palavras.

Antes disso, eu tinha feito uma outra versão daqueles textos, mas o job acabou voltando com algumas várias considerações. E só depois de eu realmente entender o que a cliente pensava foi que consegui escrever algo verdadeiro, digno de lágrimas nos olhos.

Porque, sim, projetos de branding são feitos em cima de dados e pesquisas, mas também de sentimentos, sonhos e expectativas. São feitos com base naquilo que as pessoas por trás dessas empresas pensam, sobre suas histórias e referências.

E mesmo que o público-alvo da empresa não tenha nada a ver com o seu dono e a marca não precise conversar com ele, ainda assim, a marca conversa com ele. A marca faz parte dele, é algo que ele construiu.

O que um projeto de branding faz é encontrar o ponto comum nesse amontoado de informações (o que o cliente pensa, o que os clientes do cliente pensam e o que está acontecendo no mercado), para então combinar, organizar, lapidar, encaixar, deixar bonito e encontrar aquilo que realmente representa isso tudo. O que a marca realmente é ou quer ser. A sua verdade.

E essa verdade não é imutável. Assim como as histórias de um livro, elas estão sujeitas a todo tipo de coisa. Marcas são vivas. São como personagens tridimensionais e complexos, capazes de evoluir, se adaptar, conquistar pessoas e encontrar seu lugar no mundo.

No fim das contas, é tudo sobre envolver e entender pessoas, plantar árvores e contar histórias. E quando você foca nas coisas certas, também consegue criar personagens (ou marcas) mais verdadeiros e diálogos (ou conteúdos) incríveis. Mesmo que o final ainda seja um tanto incerto.

Não é nenhum Tormenta de Espadas, mas também é emocionante.

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