Gabinete

FALE não se cale
Palavra Ocupada
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2 min readNov 27, 2016

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A professora apoiadora é uma fofa. Em tempos de crise, o que não é hostilidade já pode ser considerado amor.

Fomos até o gabinete buscar livros a serem distribuídos no aulão. Na Faculdade de Letras, achei que ia ler mais por prazer.

Subimos as escadas que já não consigo mais subir. Ela falava sem parar com seu sotaque Hispano, o que me agrada. O sotaque e o fato de ela falar sem parar comigo. Apenas em tempos de paz o silêncio é aceitável para mim.

A professora já é especialista em barricada. Eu, em nada.

A chave virou na fechadura e, lá dentro, nossa metáfora. Primeiro, um susto. Depois, o entendimento: um passarinho preso. Um passarinho preso com uma coisa presa no pé. Uma passarinha presa com seu ninho preso no pé com seu filhote morto dentro.

Desespero. Grito. Aflição. Não consigo. Nem a professora com sotaque Hispano.

Chamei o menino mais doce pra ajudar. Ele veio. E mais uma professora competente e sem sotaque Hispano. E mais uma moça tão bonita e forte. Na ocupação ajuda sempre chega.

Eu e a professora dona do gabinete descemos para o aulão. A professora que chegou para ajudar e a moça bonita e forte cuidaram da passarinha. Ajudei a moça a enterrar o filhote e a professora levou a passarinha para a Faculdade de Veterinária.

Ficou tudo bem com a passarinha. A professora que fez o salvamento me contou sorrindo. A professora do gabinete me abraçou forte quando contei a notícia. Pequenas vitórias merecem grandes comemorações.

Com a gente não tá tudo bem. Temos alguns ninhos com futuros mortos presos nos pés. Mas esse peso que impede o voo não é motivo pra desistir. Na ocupação, a gente luta juntos pra voar de novo.

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