Isto não é um texto acadêmico

Mas agora é

Marco Melo
Palavra Ocupada
Published in
3 min readNov 6, 2016

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Depois de tanto escrever textos acadêmicos, procurando evitar adjetivos demais, recorrendo sempre a xerox de xerox, e neles recortando citações de teóricos — com os quais nunca me encontrei — , escrevo em livre e espontânea vontade de uma ocupação na faculdade de Letras onde estudo há quase 3 anos.

Há pouco mais de uma semana, a aula começava às 7h30, mas eu chegava às 8h30. Nos intervalos trocava meias palavras com os colegas pelos corredores e algumas em sala de aula. Quando dava 11h, gastava um tempo pensando se aproveitava a brecha para subir para casa ou se eu almoçava ali mesmo no bandejão sozinho. E almoçar sozinho no meio de tanta gente desconhecida não é bom. Quando era necessário ficar por aqui até tarde, eu trazia de casa um livro ou um computador e zanzava pelos corredores até encontrar um cantinho que fosse menos estranho para descansar — só nesse tempo já se iam 3h.

Depois de um tempo, passei a concordar comigo mesmo que eu era uma dessas pessoas que andam com poucos ou nenhum amigo; que faz parte da lógica da faculdade de Letras, com inúmeras áreas de escolhas individuais, o distanciamento; e que ir ao banheiro só para se encontrar no espelho e provocar algum tipo de encontro era comum.

Faz uma semana que ocupo, que faço parte, e não mais vago por corredores labirínticos ou sou obrigado a me sentar em cadeiras enfileiradas; uma semana sem o peso da mochila nas costas, sem uma grade de horários aprisionando, sem os muros de uma sala de aula tampando a vista. Faz uma semana que a cantina é nossa cozinha; que os halls — tão estrangeiros — são nossos quartos; os sanitários, nossos banheiros; os desconhecidos, nossos amigos, e os secundaristas mais jovens, nossos heróis. Aos poucos, vamos nos reconhecendo na voz do outro, na pia do banheiro, no rachado do chão de concreto, nos cantos mais escuros, nos professores, nos círculos de conversa aberta onde não mais medimos a capacidade da nossas vozes.

É triste perceber que o sistema educacional é responsável por nos distanciar de nós mesmos. E que as escolhas que nos são permitidas na matrícula ainda são muito pequenas diante de suas imposições. Olhando mais para trás, nos 11 anos frequentando diariamente escolas públicas, onde o sistema consegue ser ainda mais fechado, é muito triste pensar no quanto eu e milhões de pessoas poderiam ser diferentes agora.

Por mais que a ocupação seja um momento instável, uma medida para se resolver outras medidas impostas pelo governo e nos exija o máximo de nós, ocupantes, ela consegue ser um tempo claro e fresco depois de tantos anos com nuvens sobre nossas cabeças. Os desdobramentos que daqui partem não são submetidos à aprovação do senado ou da câmara. Somos nós, estudantes, nos descobrindo como corpos que se unem em um espaço que é de todos e de ninguém. Um espaço que não só nos pertence, mas que agora faz parte de nós.

Que possamos ocupar nossas escolas, nossas cabeças e o espaço vazio no peito.

M // Estudante de graduação

Belo Horizonte, 6 de novembro de 2016.

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