Assistência Social

Um lar e uma retaguarda para os que moram na rua

O Albergue Municipal de Porto Alegre possui 120 vagas por noite para pessoas em situação de rua e oferece cama, banho e janta para os que necessitam.

Jovana Dullius
Palavras Cruzadas

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De 20 em 20. Da rua para o chuveiro, para o jantar e para a cama. Assim é a rotina das 120 pessoas que preenchem as vagas do Albergue Municipal de Porto Alegre todas as noites. Localizado no bairro Floresta, o albergue recebe pessoas em situação de rua e oferece um lar para que tenham onde passar a noite.

Luciano* está em situação de rua há um ano e quatro meses. Com medida protetiva da sua família e tentando se livrar do vício da cocaína, Luciano passa os dias no Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP) e as noites, no albergue. Para ele, o local é a sua referência como casa. “Tem sempre um lugar que tu te sentes bem. O meu é aqui”, destaca Luciano. Com 34 anos, ele encontra na acomodação um espaço de retaguarda e uma forma de não ficar exposto aos vícios da droga. “Eu gosto de ficar aqui. Se não fosse o albergue, eu não teria para onde ir”, explica.

Agora, Luciano está preparando sua documentação e buscando um emprego para que consiga um lugar fixo para morar. Ainda assim, encontra dificuldades em sair da situação de rua. “Eu montei um currículo e estou deixando nas empresas para que possa seguir a minha vida. O problema é a discriminação por parte do mercado de trabalho por morar em um albergue”, conta.

O espaço, administrado pela Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) serve como retaguarda para as pessoas em situação de rua. Há 17 anos trabalhando no serviço, a assistente social Vera Lucia Gomes carrega consigo dezenas de histórias dos que passaram por ali. Para Vera, o albergue é uma redução de danos que busca auxiliar os moradores de rua. “A rua tem uma cultura própria, e o que vale lá é a sobrevivência”, ressalta Vera.

Para a assistente social, a maior parte das pessoas que procura o abrigo não tem escolaridade e está na rua por ser usuário de drogas, de álcool, ou por ter transtornos psicológicos, com conflitos familiares, ou ainda desempregados ou imigrantes. Além disso, ressalta a dificuldade delas de estar e ficar na rua, ainda mais com a baixa das temperaturas. “Quanto mais tempo na rua, mais difícil de sair. O albergue evita que muitas pessoas morram de fome e de frio.”

Depois de jantar sopa, massa com guisado, arroz, feijão, uma banana e verduras, Ana Lúcia* senta para assistir televisão nos bancos do albergue. Há duas semanas dormindo todas as noites no abrigo, passa suas manhãs e tardes no Centro POP. Após brigar com o marido e sair de casa, Ana Lúcia foi assaltada e ficou sem documentos, sem dinheiro e sem rumo. O albergue foi a melhor solução encontrada por ela. Agora, está providenciando a documentação e tentando encontrar um membro da família que possa lhe receber. “Alguma coisa eu vou fazer. Aqui consigo meus documentos e vou atrás de um emprego para encontrar meus conhecidos”, conta Ana.

No Albergue Municipal, os usuários podem encaminhar sua documentação com ajuda das assistentes sociais, têm acesso a um técnico de enfermagem e, se necessitam de apoio médico, são direcionados para a rede de atendimento.

O funcionamento do Albergue Municipal de Porto Alegre

Às 18h, na rua Comendador Azevedo, nas portas do albergue já têm dezenas de pessoas esperando para entrar. Às 19h, o acesso é liberado e organizado de forma que os grupos entrem de 20 em 20: prioridade para os idosos, mulheres, transexuais e deficientes.

Na entrada, é realizado o cadastro das pessoas, que seguem para o banho. Depois do chuveiro, retiram fichas para a janta. Jantam e podem circular no primeiro andar do abrigo, assistir televisão e passar o tempo. Às 22h, as luzes se apagam e todos já estão ocupando os quartos.

“Aqui eles têm uma rotina que não têm na rua. Têm regras para cumprir e dificilmente temos problemas de disciplina aqui dentro”, explica Vera. Os funcionários têm um cuidado para que não aconteçam tumultos dentro dos espaços e, por esse motivo, as pessoas devem deixar suas coisas nos armários na entrada do albergue e passar por um detector de metais para poder entrar. Isso garante segurança aos funcionários e aos que utilizam o local para passar a noite.

O Albergue Municipal de Porto Alegre tem 120 vagas disponíveis distribuídas entre três quartos para homens, um para as mulheres e um para transexuais. De acordo com a assistente social, a quantidade de quartos é dividida pela demanda de pessoas que acessa o local todos os dias.

Fazem parte da equipe do abrigo coordenação, assistente de coordenação, técnico social, monitores, técnicos de enfermagem, cozinheira, auxiliares de cozinha, auxiliar de serviços gerais, porteiro, vigilante e motorista. O albergue está aberto das 19h até às 7h da manhã, quando os usuários tomam café e deixam o abrigo. Durante o dia, é realizada a higienização dos materiais e do espaço.

Os próximos passos do Albergue Municipal de Porto Alegre

Nos últimos meses, a Fasc lançou um edital para selecionar organizações para gerir o Albergue. De acordo com a Fundação, o objetivo é parcerizar o serviço que hoje é próprio. “Ninguém ficará desassistido. O serviço não fechará, somente mudará o formato da gestão”, afirma Mariana Caldieraro, assessora de Comunicação da Fasc. Durante essa fase, o serviço funcionará normalmente. Nesta etapa, está aberto um edital de credenciamento para as organizações que tiverem interesse se candidatarem a fazer o serviço.

Um dos quartos pertencentes ao Albergue Municipal de Porto Alegre

Garantia de dignidade e de direitos

O trabalho realizado no local é desenvolvido há mais de 15 anos. Tem pessoas que utilizam todos os dias e algumas somente uma vez e não são mais vistas. É permitido que os usuários ocupem o espaço durante 30 noites, consecutivas ou não. Quando completam as 30 noites, devem ficar 15 dias sem acessar este albergue para poder retornar. Isso garante uma rotatividade de pessoas e o acesso para todos.

Porto Alegre conta com o Albergue Municipal e com outros dois albergues parceirizados: o Albergue Felipe Diehl e o Dias da Cruz. Além deste serviço, existem dois abrigos na cidade sob responsabilidade da Fasc, que são o Abrigo Municipal Marlene e o Abrigo Municipal Bom Jesus. A diferença é que nos abrigos as regras são mais rígidas quanto a pessoa que acessa, não podendo estar sob efeito de álcool. O abrigo, além de acolher as pessoas como no albergue, auxilia os abrigados em sua reorganização pessoal e social.

Vanessa de Ávila Pereira é psicóloga e trabalha no Abrigo Municipal Marlene Adulto. Acompanhando a situação dos moradores de rua de perto, Vanessa acredita que o albergue é uma forma de garantia de dignidade mínima para essas pessoas. Para ela, o albergue garante a segurança, o bem-estar e o mínimo de qualidade de vida que uma pessoa precisa.

“Os abrigos são extremamente importantes porque os moradores de rua têm um local de alimentação, de higiene, de guarda de pertences, de enfermagem e de serviço social que vai auxiliá-los na garantia de algum direito e de saúde. O albergue é o primeiro acesso que vai garantir a esse usuário uma condição mínima de sobrevivência e dignidade”, explica a psicóloga.

Confira abaixo os três albergues da capital:

- Albergue Municipal

Rua Comendador Azevedo, 270 — Bairro Floresta

150 vagas/dia durante a Operação Inverno (junho a setembro)

- Albergue Felipe Diehl (em parceria com organização da sociedade civil)

Praça Navegantes, 41 — Bairro Navegantes

205 vagas/dia durante a Operação Inverno

- Albergue Dias da Cruz (em parceria com organização da sociedade civil)

Av. Azenha, 366 — Bairro Azenha

90 vagas/dia

*Os nomes foram alterados para preservar a identidade das pessoas.

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