Educação

Caminhos sem fim

UFRGS registra casos de matrícula provisória desde 2016, e número aumentou no anos seguintes

Thauane Silva
Palavras Cruzadas

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Faixa colocada pelo DCE UFRGS no Campus do Vale da UFRGS / Foto: Thauane Silva

Desde 2016, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) vem enfrentando problemas que acarretaram no atraso da análise da documentação dos ingressantes do Concurso Vestibular e do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Como consequência dessa situação, houve a criação de uma nova modalidade de matrícula, a provisória.

De acordo com a Assessoria de Imprensa da universidade, a matrícula provisória surgiu em 2016 devido a implantação do Portal do Candidato, por onde os aprovados deveriam enviar a documentação pedida. Um forte temporal que aconteceu em Porto Alegre em janeiro daquele ano, inundou a sala onde os analistas iriam trabalhar. A solução encontrada pela instituição para não afetar o semestre dos estudantes foi realizar a matrícula provisória, porém essa prática se tornou comum nos anos seguintes.

A matrícula provisória garante ao aluno a possibilidade de assistir às aulas, ser avaliado como seus colegas, ter acesso a todos os serviços e benefícios que a universidade possui. Dentre eles, a biblioteca, o restaurante universitário e os auxílios — moradia estudantil, alimentação, transporte, saúde, cultura, esporte e creche — prestados pela Pró-Reitoria de Assistência Estudantil (PRAE) àqueles em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Porém, a matrícula provisória não representa um vínculo com a universidade, nem garante a vaga ao candidato, que pode ser indeferido na análise mesmo que já esteja assistindo às aulas.

O processo de análise dos documentos enviados se desenvolve em várias etapas de acordo com a modalidade em que o estudante se inscreveu: comprovação de condição de pessoa com deficiência, verificação presencial da autodeclaração étnico-racial, documentação acadêmica e apuração de renda. Se alguma das etapas obtiver o resultado “não homologado”, existe ainda a possibilidade de entrar com recurso para uma nova análise ou envio de mais documentos. Todas essas etapas são interligadas e precisam ser homologadas para que o aluno faça a matrícula regular (a que cria um vínculo com a universidade).

Os que mais estão sendo afetados pelos atrasos são os cotistas L1 (egressos de escola pública e com renda inferior a um salário mínimo e meio) e L2 (egressos de escola pública, com renda inferior e autodeclarados pretos, pardos ou indígenas) devido a quantidade de documentos necessários para comprovar a renda inferior. Quanto ao critério étnico-racial, é feita uma sessão de verificação presencial, na qual o candidato assina a autodeclaração enquanto é avaliado pela Comissão de Verificação das Autodeclarações Étnico-Raciais.

Ainda segundo a Assessoria, algumas mudanças foram colocadas em prática para o ingresso de 2019, como redução do número de documentos solicitados, aumento no prazo para o envio da documentação, atendimento presencial em janeiro e fevereiro e envio de e-mail quando o status da avaliação muda. Além disso, uma alteração de maior repercussão foi a antecipação das datas do vestibular de 2020 para 23, 24 e 30 de novembro e 1º de dezembro. O objetivo é ter mais tempo para analisar os documentos dos ingressantes.

As ações afirmativas

A Lei nº 12.711/2012 foi sancionada em agosto desse ano e destina 50% do total das vagas das universidades federais e dos institutos federais de ensino técnico de nível médio a alunos que cursaram todo o ensino médio em escola pública. Essa medida vale tanto para o vestibular de cada instituição quanto para as vagas disponibilizadas através do Sisu.

Das vagas reservadas, metade vai para estudantes de escolas públicas com renda familiar bruta igual ou inferior a um salário mínimo e meio por pessoa [R$ 1.431,00] e metade para estudantes de escolas públicas com renda familiar superior a um salário mínimo e meio por pessoa. Além disso, são subdivididas em critérios étnico-racial e deficiência, nesse caso o número de vagas varia nas regiões brasileiras de acordo com a proporção da população de cada grupo, verificada no último censo demográfico feito pelo IBGE, e ficam a cargo da universidade.

As cotas foram instauradas progressivamente ao longo de quatro anos, a contar de 2013, possibilitando às instituições que definissem e organizassem o sistema de análise que seria utilizado e o número de vagas destinados a cada grupo.

Na UFRGS, existem oito tipos de cotas, além das vagas de ampla concorrência. Para os estudantes indígenas existe uma segunda chance de ingressar na universidade, através do Processo Seletivo Específico para Ingresso de Estudantes Indígenas, no qual são ofertadas 10 vagas em 10 cursos de graduação.

Uma mão amiga

Diversos movimentos da universidade se prontificaram a auxiliar os estudantes cotistas ao longo do processo de análise da documentação e do recurso, além de lutar pela garantia de um ensino público de qualidade e para todos. No início de 2018, após receber pedidos de ajuda, o coletivo Juntos decidiu organizar mutirões para auxiliar os cotistas na organização da documentação e, principalmente, nos recursos. Esses são abertos pelos alunos após terem sua documentação negada, nessa etapa a universidade pode pedir mais documentos para comprovação de sua situação e depois homologar ou não.

Foi realizado um mutirão em cada campus da UFRGS com a presença de profissionais e estudantes dispostos a ajudar. “Ajudamos muitos que ainda não haviam sido desligados e estamos com casos que temos certeza que vamos ganhar [os recursos], e os colegas irão voltar para a universidade”, afirma uma das integrantes do coletivo, Carla Zanella.

O Diretório Central dos Estudantes da universidade (DCE UFRGS), no ano passado, entrou com quatro mandados judiciais para garantir a matrícula dos estudantes de escola pública que não tinham conseguido o Histórico Escolar devido a uma greve em 2017, alguns deles também das cotas socioeconômicas e uma última ação apenas para o curso de Biologia Marinha, que tem um edital separado.

“Tanto em 2018 como agora [2019], a gente fez plantão na hora de enviar a documentação tanto do Sisu quanto do vestibular e, além disso, os nossos números circulam nos grupos de bixos”, conta a coordenadora do DCE, Gabriela Silveira. Além disso, eles conquistaram algumas de suas reivindicações, como o aviso por e-mail quando ocorre alterações na análise, o aumento do prazo de envio e a Comissão de Ingresso.

O outro lado da moeda

Os casos de matrícula provisória são mais do que números, eles possuem rostos e histórias de luta pela busca do conhecimento oferecido pelo ensino público. Como a estudante de Relações Públicas Dardãnia Curtinaz, que conseguiu entrar na UFRGS depois de cinco anos tentando, ela está há quase um ano em matrícula provisória.

“É um ato de resistência eu estar aqui todo dia”, diz Dardãnia. Mãe e trabalhadora, ela divide suas horas em assistir e estudar para nove cadeiras, cuidar do seu filho e trabalhar para poder se sustentar. Um dos seus maiores desafios foi enfrentar o descaso de funcionários da universidade, que não sabiam nem procuravam se informar sobre como auxiliá-la. Nos bancos, onde precisava buscar extrato dos últimos seis meses de todas as suas contas, só conseguiu após reclamar para a ouvidoria.

Outro caso é o da estudante de Psicologia Bruna Ferreira, que também conseguiu ingressar na universidade em 2018 e está em matrícula provisória há pouco mais de 10 meses, sem previsão de poder realizar a matrícula regular. Ela também encontrou problemas na hora de conseguir os extratos bancários, porém teve um desafio mais pessoal a enfrentar, os questionamentos da universidade sobre a documentação de seu pai. Apesar de parecer uma situação isolada, ela é o exemplo de uma questão comum, a interrupção de uma relação com o pai ou mesmo a falta de um.

Bruna há 2 anos deixou de ter qualquer tipo de contato com o pai, que mora em outro estado, e tem uma medida protetiva determinando que ele não pode se aproximar dela, pois é uma pessoa agressiva e prejudica a sua saúde mental. “Para a UFRGS, eu tinha que apresentar os documentos sobre o meu pai, porque ele é a minha família de origem, mesmo que eu não tivesse contato com ele”, explica Bruna, que ficou doente mais de uma vez ao longo desse processo.

Os casos de Dardãnia e Bruna são apenas dois dentre um grupo de estudantes que ingressaram através do sistema de cotas e até hoje não puderam comemorar a sua conquista. Eles esperam por respostas da universidade quanto aos recursos abertos após a não homologação dos documentos enviados, para então poderem realizar a matrícula regular e, assim como seus colegas, se sentirem parte da UFRGS.

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