Violência escolar

Educar para pacificar

Prevenção de tragédias requer atuação constante das escolas no combate à violência

Guilherme Jacques
Palavras Cruzadas

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Arte: reprodução

Dez mortos, 11 feridos. Esse foi o saldo da manhã de quarta feira, 13 de março, na Escola Estadual Raul Brasil, na cidade de Suzano, São Paulo, quando dois ex-alunos invadiram o local e atiraram contra estudantes e funcionários. Ao perderem o controle da situação, um dos assassinos matou o outro e a si próprio logo em seguida. A ideia dos atiradores era emular o massacre de Columbine, ocorrido em 1999, nos Estados Unidos. Lá, 15 pessoas foram mortas, entre elas, os dois atiradores.

Já no Rio Grande do Sul, oito dias depois, em 21 de março, na pequena Roca Salles, região do Vale do Taquari, a imagem de uma jovem, de 17 anos, portando uma arma e ameaçando atacar a escola estadual em que estudava foi compartilhada em um aplicativo de mensagens e levou pânico à comunidade. A Polícia Civil, acionada pela instituição de ensino, apreendeu a adolescente, uma pistola calibre 9 milímetros, munição e uma porção de maconha. Ela se dizia vítima de bullying.

Desta vez em Porto Alegre, sete dias mais tarde, 27 de março, a Rede Marista tomou conhecimento, também online, de uma mensagem mencionando um de seus colégios. Os órgãos de segurança foram avisados e garantiram a normalidade das aulas em todas as escolas no dia seguinte. A partir disso, a Rede criou um grupo de trabalho permanente para atuar em relação à segurança, promovendo reuniões de orientação com lideranças estudantis. Um espaço de escuta, com mediação dos Serviços de Orientação Educacional (SOE) e dos professores, também foi proporcionado aos alunos, buscando sensibilizá-los quanto ao tema.

Mesmo depois de mais de um mês, o medo nas escolas continuou ecoando. No dia 16 de abril, uma instituição de ensino privada da Zona Norte da capital, que não permitiu sua identificação, foi o alvo. Imagens de armas teriam sido enviadas aos estudantes, num grupo de aplicativo de mensagens, por um jovem que também sofria bullying. Procurada, a escola, que apenas divulgou nota em uma rede social, informou que tudo não passou de um mal entendido, potencializado pelo mau uso do aplicativo por parte de toda a comunidade escolar. O aluno foi afastado e os celulares foram, então, proibidos nas salas de aula.

Nota divulgada pela escola, vítima de suposta ameaça em 16 de abril | Redes sociais / reprodução

De 1988 para cá, nós colocamos todo mundo para dentro da escola.”

Fernando Seffner

Segundo o professor e pesquisador Fernando Seffner, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), os massacres ocorridos em escolas brasileiras são normalmente relacionados com os inúmeros que já foram registrados nos Estados Unidos — onde, nas palavras dele, já há uma “tradição” nesse sentido. A comparação tem um motivo. O Brasil passou, mais recentemente, por uma transformação a qual os americanos já foram submetidos há mais tempo. Em 1988, com a aprovação da atual Constituição Federal, houve um aumento da diversidade dentro das escolas brasileiras. Parcelas da população — entre elas, pobres, mulheres, negros e LGBTs — que eram marginalizadas e não tinham acesso à educação passaram a ter.

O acesso desse público causou um sentimento de ameaça àqueles que eram hegemônicos e, atualmente, compõem o perfil mais comum dos autores de ataques em escolas — meninos, heterossexuais e brancos. “Quando se traz todas as pessoas para dentro da escola, você também potencializa os conflitos dentro dela”, avalia Seffner.

Prevenção passa também pela atuação combativa das escolas

No Colégio Estadual Júlio de Castilhos, na capital, a falta de profissionais para lidar com a violência é suprida com estagiários voluntários | Guilherme Jacques

Quando a Escola Estadual Raul Brasil foi atacada, muitos foram os debates sobre como poderiam ter sido evitados os assassinatos cometidos naquele dia. Um caminho pode estar nas ações preventivas realizadas pelas escolas. Entretanto, não há receita de bolo, defende o pesquisador da área de educação e violência e também professor da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) Alexandre Guilherme.

Baseado nos estudos do sociólogo norueguês Johan Galtung, ele divide a violência em três partes — estrutural, cultural e física.

Entre as três partes, apenas uma costuma ser identificada | Guilherme Jacques

“A violência física é como se fosse o aspecto perceptível desses outros tipos”, explica. Normalmente, busca-se combater apenas ela, mas é preciso que a ação comece pela base, ou seja, pelos atos de violência estrutural e cultural. Além disso, as situações de cada escola são diferentes e, portanto, devem ser diagnosticadas separadamente e trabalhadas em profundidade.

Há uma lacuna na formação e capacitação

Um ponto apontado pelos dois especialistas e que pode dificultar as ações por parte das instituições de ensino é o de que há uma deficiência na formação e capacitação dos professores. “Não há disciplinas voltadas à resolução de conflitos ou violência escolar dentro das grades de licenciatura”, pondera Guilherme.

O professor Fernando destaca ainda a falta de uma preparação para lidar com a cultura jovem e a diversidade que a compreende. Ele também aponta que as escolas, sobretudo as públicas, não possuem profissionais formados e preparados especificamente para lidar com os conflitos. Cita como exemplo a falta de psicólogos escolares à disposição dos estudantes.

Os professores são os que mais têm dificuldades de assimilar”

Cléia Garcia

No tradicional Colégio Estadual Júlio de Castilhos, na região central de Porto Alegre, o efeito do massacre em Suzano não foi tão sentido pelos alunos, segundo a orientadora educacional da escola, Cléia Garcia. Isso não quer dizer, no entanto, que não haja uma preocupação em combater manifestações de violência. O principal assunto em debate na escola atualmente é o bullying, pois é também o maior problema afetando a rotina dos alunos. Para realizar esse trabalho, o colégio conta com o apoio de iniciativas de universidades que o procuram para colocar em prática projetos de conscientização.

Atualmente, a escola recebe, todos os dias, estudantes de uma universidade privada da capital que oferecem aos alunos atendimento psicológico individual. Os horários de atendimento são disputados e amenizam duas carências: a falta de profissionais contratados pelo Estado e encarregados de atuarem nessas atividades e de capacitação adequada para o corpo docente, que tem grandes dificuldades de identificar e lidar com os conflitos em sala de aula. “Nós não sentimos tanto (a falta) porque nós temos os estagiários e eles vão às turmas, conversam com os alunos e os próprios alunos também procuram”, explica a orientadora.

Estado possui comissões de prevenção à violência

Embora haja um déficit de profissionais nas escolas públicas, o Estado possui, por meio da Secretária de Educação (SEDUC RS), a Comissão Interna de Prevenção à Acidentes e Violência Escolar (CIPAVE). O projeto que nasceu em Caxias do Sul, na serra, e visa convocar a comunidade escolar para debater sobre esses temas, ganhou a atenção do governo estadual. Em 2013, através de um projeto da então deputada Maria Helena Sartori (PMDB), a CIPAVE foi instituída oficialmente pela Lei n.º 14.030.

Atualmente, cada Coordenadoria Regional de Educação (CRE) possui uma representação. De acordo com a coordenadora geral do programa, Patrícia Pacheco, as escolas têm liberdade para desenvolver atividades com o apoio da CIPAVE. Ela afirma que várias iniciativas são realizadas em parceria com diversas instituições, como a Brigada Militar e o Ministério Público, e os resultados são positivos.

“As escolas que investem nesse tipo de trabalho e têm sistematicamente uma atuação preventiva, trazendo os parceiros (para atuar junto), nós percebemos, reduzem bastante os índices de indisciplina e de violência. Vai se criando um ambiente mais favorável”, conclui.

Círculos de Paz são referência em escola da serra

Não é à toa que o município de Caxias do Sul tenha sido o responsável por originar o trabalho da CIPAVE. É de lá que vem uma das atuações que é referência para os demais. A Escola Estadual Erico Verissimo desenvolve continuamente os métodos da Justiça Restaurativa, através dos chamados Círculos de Paz. A iniciativa consiste em reunir os alunos periodicamente, junto a uma professora que atua também como facilitadora, para que sejam debatidas problemáticas. A assessora da CIPAVE na 4ª CRE, Marivane Carvalho, explica que todos têm espaço de fala e, muitas vezes, os assuntos são propostos e conduzidos pelos próprios estudantes.

“O ápice do círculo é a questão da empatia. Quando você se coloca no lugar do outro, você começa a entender as histórias e pode ajudar o outro”, explica. O trabalho que busca promover o debate, gerar reflexões e criar vínculos, realizado na escola, pode ter seu êxito provado em números. Uma comparação feita entre 2017 e 2018 mostra que os índices de violência caíram. Entre um ano e outro, por exemplo, houve uma redução de 75% nos casos de bullying na escola.

*Reportagem produzida para a disciplina de Fundamentos da Reportagem, do curso de jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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Guilherme Jacques
Palavras Cruzadas

Estudante de jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Adora boas histórias.