Beleza

Maquiagem para quem?

Mesmo gerando lucro com campanhas sobre diversidade, marcas de maquiagens brasileiras ainda não conseguem atender a todos os tons de pele

Pâmela Maidana
Palavras Cruzadas

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Foto: Freepik

dois anos, uma base chegou no mercado brasileiro fazendo muito barulho: com um bom custo benefício e uma boa cartela de cores, Ruby Rose se consagrou como uma queridinha das blogueiras e consumidores. A base era de alta cobertura, matte e vinha em 19 tons, o que fugia do padrão das marcas brasileiras. A cartela conseguia atender algumas pessoas de pele negra, mas não a consumidora Milena Mello, de Canoas “Sabe aquela famosa da Ruby Rose? Nunca tinha o meu tom.”

Em fevereiro de 2019, a Ruby Rose lançou uma nova coleção, que prometia consertar alguns problemas da fórmula anterior, e se esperava também que a cartela de cores fosse expandida. Mas não foi bem assim. A base “Natural Look” chegou com 14 tons, e, desses, apenas quatro eram para pessoas negras. O lançamento gerou polêmicas entre alguns blogueiros de maquiagem e influenciadores digitais, tanto por ser um lançamento muito esperado, quanto pela falta de tons que atendessem pessoas negras. Após seu lançamento, a marca disse que “iria incluir mais tons depois”, o que é uma estratégia que outras marcas de maquiagem, como a norte americana “Tarte”, usam para tentar reverter a situação. O “deixar para depois” só mostra que as marcas não pensam de fato nas pessoas negras na hora da fabricação desses produtos.

O mercado não enxerga cor?

Mesmo com a crise financeira que assola o país, a indústria da maquiagem não para de crescer: segundo o presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), João Carlos Basílio, a estimativa é que o mercado fature R$ 50,43 bilhões em 2019. Novas marcas e produtos não param de chegar nas lojas. Influenciadoras e blogueiras, que em sua grande maioria são meninas brancas, acabam dando o aval necessário para a popularização das novas marcas brasileiras. Quanto maior o número de inscritos no canal e de seguidores no insta gram, maior a influência no consumo das marcas. E já que elas aprovam, e as marcas lucram em cima disso, não há necessidade de chamar alguém que seja diferente. Os produtos acabam por ser pensados apenas para essas pessoas.

Entre as principais marcas de maquiagem no Brasil, nota-se um padrão assustador: as bases tem, em média, oito tons, e, em sua grande maioria, apenas um ou dois deles são destinado a pessoas de pele negra, mesmo que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), negros representem 52% da população brasileira. As mais populares dentre as brasileiras são Max Love (16 tons), Ruby Rose (14) Vult (13), Ruby Kisses (12), Pausa para Feminices (12), e Tracta (8).

Luiza Ribeiro maquiadora e criadora do Coletivo Afrorainhas /Foto: Instagram

A falta de produtos para pele negra não se restringem apenas às bases: iluminadores, blush’s, sombras e corretivo também não atendem aos pedidos das pessoas de pele negra. Milena diz ter problemas com os corretivos e as sombras. Se tu ver um tutorial de maquiagem, da Niina Secrets por exemplo, ela vai dizer ‘ah vou esfumar com marrom’, em mim nunca vai aparecer o marrom sabe? Tipo não pega. E corretivo também. Acho péssimos os corretivos. Não tenho corretivo também, porque não encontro.” Luiza Ribeiro, maquiadora profissional e criadora do Afrorainhas — um coletivo destinado à empoderar mulheres negras fora do padrão -, diz que sente dificuldade na hora de maquiar suas clientes. “Porque corretivo para pele negra é assim: ou é muito claro ou é muito escuro”.

As marcas estrangeiras que são populares no Brasil e que são recomendados pelas influenciadoras têm uma maior cartela de cores, mas, como o preço é caro, elas se tornam inacessíveis para quem está em busca do seu tom perfeito. Entre as principais estrangeiras Estão a Mac (59), Maybelline (20) e Mary Kay (16), que não podem ser encontradas por menos de 50 reais. Luiza afirma ter dificuldade em achar seu tom, mesmo que sua pele não seja retinta Tu tem que procurar muito, muito, muito, pra conseguir achar, ou pagar horrores.” Ela agora usa Vult, que custa entre 35 e 60 reais, mas já usou a base da canadense Mac, mas essa chega a custar mais de 150 reais.

Ela ainda vê o mercado de maquiagem para pele negra como um mercado muito carente: “Dá pra contar nos dedos as marcas que criam produtos para a nossa pele.” Por causa dessa carência de produtos, Luiza conta que misturava bases mais claras com uma sombra marrom para tentar achar o seu tom: “Obviamente não dava certo. Eu inventava esse tipo de coisa pra tentar achar o tom que sentasse na minha pele”.

Marcas que fazem a diferença

Existem agora no mercado duas marcas focadas em pele negra: Negra Rosa e Divas Bllack. Duas marcas com propostas diferentes em relação ao preço — a Rosa Negra chega na casa dos R$ 50,00 e a Divas Bllack fica na base dos 20–25 reais — que tentam reparar o problema de falta de tons para pessoas negras.

Rosane Terragno, criadora da marca Divas Bllack, diz que primeiro tentou oferecer uma base para pele negra à uma grande marca, mas que foi recusada por querer “segregar as pessoas” fazendo maquiagem apenas para negros. “Mas não tá segregando, amore, é que nem cabelo: menina é loira e você faz um shampoo específico para o cabelo dela. Nós somos negras e a gente precisa de um produto específico, não é tudo que funciona conosco”.

Rosane do Divas Bllack /Foto: Instagram

Rosane pesquisou muito antes de lançar a base. “Eu tive que estudar, trouxe uma especialista que contou que existem componentes que não funcionam com o nosso tom de pele, mas a pessoa só vai saber disso. se ela estudar pele negra. E as pessoas não tem interesse na gente”. Agora, a base que tem apenas um ano e possui seis tons diferentes, vem se tornando referência no país, mostrando que sim, existe mercado para pele negra. No entanto, ainda falta as grandes olharem diretamente para pessoas negras e entender suas diferenças.

As campanhas publicitárias das marcas de maquiagem tentam ser as mais inclusivas possíveis, mostrando pessoas de diferentes tonalidades. No entanto, essa representatividade não se confirma, visto que as marcas de maquiagens brasileiras não investem o mesmo em produtos para pele negra como investem para pele branca. “Eu gostaria que todos os tons de pele negra fossem incluídos nas propagandas e nos produtos cosméticos”, diz Rosângela da Silva, uma das donas da marca da maquiagem para pele negra, Negra Rosa.

Diversidade e representatividade para quem?

Achar o tom ideal já é difícil, e as lojas de maquiagens não ajudam. As bases disponíveis para testar são sempre as brancas, e as de pele negra ficam escondidas, isso quando as lojas têm, porque muitas vezes elas compram somente os tons claros. Milena relata que é difícil achar o seu tom porque não consegue experimentar as cores na pele. “Tem que procurar muito para acertar o tom da base, não é que nem um monte de base para pele branca, que tu pode testar.” Agora ela consegue usar a Tracta, que custa em torno de R$35,00, mas tem preferência pela da norte americana Mary Kay, que custa o dobro do valor da brasileira.

Ensaio da marca Divas Bllack / Foto: Cris Moreira

O influenciador digital Tassio Santos, do canal Herdeira da Beleza, frequentemente chama a atenção para a falta de diversidade nas marcas, e para Milena é importante que os influenciadores falem sobre isso. “Eu vi um vídeo do Tassio no canal da Karen Bachini. Eu sabia que existia isso, mas foi aí que eu me dei conta: meu deus, é muito isso”. Já Luiza diz que se dá pouco crédito para quem realmente faz alguma coisa em relação ao problema, e que as pessoas negras, acabam dando visibilidade e dinheiro para produtores brancos. “Tem pessoas que fazem, mas a gente acaba não valorizando, por exemplo Divas Bllack. A dona é uma mulher negra e tudo mais, mas ela não tem o reconhecimento que ela deveria de ter, a mesma coisa com a da Negra Rosa”.

Mesmo sem ter o alcance das blogueiras brancas, Gabi Oliveira, uma menina negra de pele retinta, do canal “De Pretas”, não deixa de experimentar e pautar essas questões de diversidade. Ela, assim como Tássio, comentou sobre a polêmica envolvendo o lançamento da Ruby Rose e cobrou um posicionamento da marca.

Ruby Rose já lançou uma nova linha, a Base Líquida Soft Matte, com os mesmos nove tons da Natural Look. Mesmo com toda a polêmica do lançamento anterior, a marca continua a cometer os mesmos erros. E, no final, o discurso sobre representatividade e diversidade não passa disso, apenas um discurso.

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