Educação

Outros caminhos para aprender

Escolas estão tentando fazer a diferença para diversificar e melhorar a qualidade da educação

Vanessa Dias
Palavras Cruzadas

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Trabalhos feito por alunos da Escola Waldorf Querência de Porto Alegre / Foto: Vanessa Dias

O sinal sonoro toca, anunciando que mais um turno começa. A mercadoria encontra-se enfileirada, pronta para receber o tratamento do responsável por aquele setor. A cada um ou dois meses são aplicadas avaliações para calcular a qualidade do produto para que ele possa ou não passar para a próxima fase de tratamento. Assim é a maior parte da educação básica brasileira: o Estado oferece um serviço sem se importar com o gosto ou a individualidade de cada usuário, que são as crianças. O ensino acaba desumanizando os alunos, transformando-os em meros receptáculos que têm como único objetivo aprender o conteúdo proposto e aplicá-lo em provas. Muito semelhante às fábricas do século XIX, a educação torna-se uma linha de montagem e sua finalidade é obter o mesmo resultado ao final de cada ano letivo.

No Brasil, segundo o Censo Escolar de 2018, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 2 milhões de crianças e adolescentes de 4 a 17 anos não frequentam a escola. O dado assusta, principalmente quando comparado com a pesquisa feita pela OMS (Organização Mundial da Saúde), que revela que cerca de 8% das crianças do mundo sofrem com depressão.

Ao não levar em consideração a singularidade de cada aluno e obrigá-los a encaixar-se em um padrão de aprendizagem, consequências como o aumento da taxa de evasão são facilmente compreensíveis. Esses dados estão diretamente ligados a linha pedagógica da instituição de ensino, que determina como o conteúdo vai ser absorvido pelo estudante. Na grande maioria das escolas brasileiras é comum o sistema de ensino ser o transmissivo, que se preocupa em repassar da mesma maneira, para todos os alunos, o mesmo conhecimento.

No caso dos professores, o Censo mostra dados importantes: muitos deles não têm formação específica na área em que lecionam. No ensino médio, por exemplo, 53,6% dos professores que ministram as aulas de Sociologia são formados em áreas diferentes das que lecionam. Isso só mostra a desvalorização da formação dos professores.

Entretanto, sentar na classe e copiar o que o professor escreve no quadro não é a única forma de aprender. Existem linhas pedagógicas provenientes de grandes educadores como Maria Montessori, Loris Malaguzzi, Rudolf Steiner, Emmi Pikler, entre outros, que estão transformando aos poucos a educação mundial. A maioria das metodologias alternativas de ensino possui em comum o protagonismo do aluno como peça central, dando espaço para o ele reinventar o que já existe. Com maior autonomia, a autoestima da criança é elevada, fazendo com que sua aprendizagem se torne mais rica e saudável.

Não existe só uma opção

Em relação aos conteúdos e habilidades, todas as escolas brasileiras precisam atender o que prevê a Base Nacional Comum Curricular e os Parâmetros Curriculares Nacionais. Contudo, metodologias e projetos inovadores estão espalhados pelo Brasil, ainda que timidamente no setor público, como mostra o documentário Quando sinto que já sei (2014, Brasil). Escolas como Projeto Âncora (Cotia — SP), Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (Curvelo — MG) e Escola Livre Inkiri (Itacaré — BA) são alguns exemplos de ensino público que contrariam a pedagogia tradicional. Todavia, é nas redes privadas que podemos encontrar com maior facilidade o acesso a metodologias alternativas de ensino.

Brinquedos da Escola Mosaico em Porto Alegre / Foto: Vanessa Dias

Em Porto Alegre, a Mosaico — Escola de Ensino Infantil e Fundamental Bilíngue, foi criada com o intuito de ser diferente das outras da cidade. Metodologias como Flipped Flipped Classroom e Problem Based Learning são os carros-chefe do ensino na escola. “O que acontece é que a gente já não vive mais em uma era industrial, a gente vive em uma era digital. E o ser digital não significa simplesmente inserir a tecnologia. Isso também, mas significa principalmente uma mudança na forma de pensar, de se relacionar com a informação”, explica a diretora pedagógica Patrícia Fernandes. “Um professor em uma era digital muda de função. Passa a ser um tutor, um mediador dessa aprendizagem e não o protagonista, porque o protagonista tem que ser o aluno.” Na Mosaico, o uso de tecnologias é amplamente utilizado, e cada aluno tem seu tablet para acessar plataformas de ensino online.

Os alunos utilizam tintas para aprender na Escola Waldorf Querência em Porto Alegre / Foto: Vanessa Dias

Em contraposição, encontra-se a pedagogia Waldorf. Criada em 1919 pelo educador Rudolf Steiner, o ensino se destaca pelo incentivo a aprender na prática com música, artes e o contato com a natureza. Além disso, o uso de tecnologias não é encorajado no ensino fundamental, sendo utilizado apenas no ensino médio. “A gente não tem muita aula com tecnologia, mesmo no ensino médio. Não usamos projetor, por exemplo. Os professores falam do excesso de ficar mexendo no celular. Não é permitido usar o celular na escola, mas às vezes usamos”, revela Arthur Versiani de Azevedo, 17 anos, estudante do 2º ano do ensino médio do Colégio Rudolf Steiner de Minas Gerais. Arthur conta não ter sentido falta do uso de tecnologia na sua formação. “Eu acho uma coisa muito válida pra se trabalhar, porque tem muitos excessos, então a escola é como se fosse um respiro.”

Apesar de possuir diversas escolas de ensino infantil que seguem a pedagogia Waldorf, em Porto Alegre não há escolas de ensino médio e apenas uma de ensino fundamental, a Escola Waldorf Querência, que existe há 13 anos. “Eu nunca tive que sentar em uma cadeira, decorar alguma coisa e perguntar se caía na prova. Eu aprendi a tabuada pulando corda. A gente pulava, a professora cantava a tabuada e eu lembro até hoje”, conta Betânia Demétrio, 17 anos, ex-aluna da Escola Querência. “A gente descobre coisas que não descobriria só decorando. Nossa infância é livre de qualquer padrão. Nunca me colocaram em uma ‘caixa’ e falaram ‘tu tem que decorar isso’. Nunca teve essa pressão. Isso era algo muito distante.”

Sala de marcenaria na Escola Waldorf Querência em Porto Alegre / Foto: Vanessa Dias

As aulas são divididas entre aulas semanais (português, matemática e aulas específicas) e épocas. As épocas são períodos de 3 à 4 semanas em que os alunos estudam a mesma matéria durante os três primeiros períodos do dia. Logo, a turma acaba aprendendo os conteúdos de forma mais profunda, pois não fragmenta o aprendizado em curtos períodos de tempo. As aulas específicas são bastante variadas, como música, jardinagem e marcenaria.

Os alunos tem aulas de xadrez na Escola Mosaico em Porto Alegre / Foto: Vanessa Dias

Na Mosaico, são ministradas aulas de xadrez, robótica e destaque para os três períodos diários de conteúdos em inglês (história, matemática, geografia, etc), de tal forma que ao final do 5º e do 9º ano os alunos recebem certificados de conclusão de ensino emitidos pela Universidade de Cambridge, Inglaterra. Assim, os alunos da Mosaico podem ingressar em qualquer high school fora do Brasil.

Transformar para educar

A pedagogia tradicional, transmissiva, não dá espaço para o aluno ser criativo. Podemos perceber que no Brasil existe uma vontade, embora tímida, de mudar o ensino, e muitas vezes essa vontade parte da união de família e escolas.

“Em uma escola transmissiva, a família participa menos, porque a escola não entende como que a família pode fazer parte disso”, diz a pedagoga Queila Almeida Vasconcelos, doutoranda na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “As famílias acabam indo para a escola como receptoras para dizerem se as crianças estão bem ou não, como se as escolas tivessem o poder de decidir isso, como se a criança fosse só o que ela fosse dentro da escola. Não se estabelece uma relação, é um confronto.”

No entanto, a iniciativa privada ainda toma liderança quando se trata de implementar metodologias participativas, com mensalidades que variam, mas que na maioria das vezes são muito caras. Em algumas escolas, encontram-se bolsas para famílias carentes, outras disponibilizam apenas desconto para filhos de professores. Isso faz com que muitas vezes apenas a elite possa ter acesso a uma alternativa em relação ao ensino tradicional.

“Em relação aos professores, eu acho que muitos pensam do mesmo jeito há muito tempo e ninguém convidou-lhes a pensar diferente. Falta as escolas públicas pensarem que uma metodologia alternativa não quer dizer uma metodologia mais trabalhosa, pelo contrário”, a pedagoga ressalta. “Falta interesse do Poder Público, porque precisa de investimento para que o professor possa estudar sobre isso. Tempo para parar, pensar, raciocinar… Fazer atividades diferentes e conectar as matérias umas com as outras exige tempo de preparação.”

Os alunos do 6º ano da Escola Waldorf Querência fizeram avisos para suas canecas / Foto: Vanessa Dias

Construir uma educação mais saudável e atraente para todas as idades é uma tarefa difícil, que precisa do apoio de todos os setores do país. No Brasil, metodologias alternativas estão cada vez mais presentes, mostrando que é possível fazer isso acontecer e que as vantagens são imensas. “Hoje, na legislação brasileira, uma das coisas que diz respeito à educação básica é que precisamos promover o desenvolvimento integral do ser humano. A vantagem dessas metodologias alternativas é justamente isso: não entender o aluno como alguém que precisa desenvolver habilidades cognitivas, intelectuais apenas. Porque a gente não depende só disso para sobreviver em sociedade”, explica Queila. “Metodologias alternativas buscam alunos que pensam, que interpretam o mundo, que ressignificam o mundo, que inventam outro modo de viver o mundo. Acho que isso é fundamental.”

A educação brasileira precisa mudar: as transformações sociais exigem que deixemos para trás uma educação que transforma a escola em uma linha de montagem. Lugar de aluno é na escola sim, mas aprender também pode ser divertido.

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