Esporte

Sonhos em busca de realização

Sem equipe profissional, atletas das categorias de base do Cerâmica treinam com incertezas em relação à carreira de jogadores de futebol

Gabriel Muniz
Palavras Cruzadas

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Prestes a completar 19 anos, Bruno Correia persiste no sonho que possui desde criança, quando assistia aos treinos dos atletas profissionais. Ele é mais um dos milhares de garotos brasileiros que treinam diariamente rumo ao sucesso por meio do esporte mais popular do país.

“Não desisto. Batalho todos os dias, faça chuva ou faça sol, venho em todos os treinos para atingir meu objetivo de vida, que é ser jogador profissional de uma grande equipe”, diz o meia-atacante.

Entretanto, ele tem conhecimento das dificuldades pelas quais passa o Cerâmica, clube em que treina e que é o mais importante de Gravataí, na Região Metropolitana de Porto Alegre. A situação do clube é bem diferente daquela presenciada no início da década, quando o time verde, preto e amarelo viveu seus tempos áureos. A última competição oficial realizada, por exemplo, foi disputada no ano passado pela categoria sub-19, com as despesas dos custos dos jogos sendo financiadas por um empresário.

“Jogar uma Copinha, onde tem vários olheiros e empresários, mostrar um time campeão, começa a ter vitrine. Tem que ganhar. Tu trabalha, tu tem que vencer, quanto mais vencer melhor tu é”, destaca Correia, que, após o término do torneio, ia para o Brasil de Farroupilha, mas torceu o tornozelo e não foi contratado.

O garoto, que já atuou pelas categorias de base de Grêmio, Cruzeiro-RS e Deportivo-SP, é um dos cerca de 30 garotos que treinam no campo disponibilizado em frente ao estádio do Cerâmica, o Antônio Vieira Ramos, popularmente conhecido como Vieirão. Os treinos são realizados de segunda a quinta-feira, das 15h às 17h, em um centro de treinamento com grama alta e com presença de buracos, o que dificulta os exercícios, especialmente na parte técnica, já que a bola corre menos e salta mais.

Treinos são realizados mesmo com tempo adverso / Foto: Gabriel Muniz — Arquivo Pessoal

Foto: Gabriel Muniz/Arquivo Pessoal

“Realmente a situação do campo não é das melhores, ainda mais em dias com chuva, em que o campo fica alagado e os treinos do dia são cancelados para não colocar a integridade física dos meninos em risco. Não se tem mais a reparação do gramado como tínhamos há poucos anos”, salienta Guilherme Dias, atual preparador de goleiros e que foi criado nas categorias de base do próprio Cerâmica.

Clube não vive seus melhores dias

Em menos de uma década, pode-se dizer que o Cerâmica foi do céu ao inferno. De clube amador transformado em clube profissional em 2007, passando pelo título da Recopa Sul-Brasileira, participante por duas vezes da série D do Brasileirão e da elite do Gauchão e um dos clubes do Estado a participar da Copa do Brasil em 2010 a queda no Gauchão em 2013, perda de patrocínios e apoiadores e a inexistência de equipe profissional.

“Essa queda se deu principalmente por jogadores que, à época, vieram de fora e não deram certo, inclusive pegando dinheiro e entrando em processos trabalhistas contra nosso clube”, fala Décio Becker, presidente que profissionalizou o Cerâmica e, anos mais tarde, passou pelos piores momentos ao lado da equipe.

Presidente Décio Becker é o responsável pela direção do clube/ Foto: Revista Seguinte

Becker, 72 anos, destaca a sempre importante presença da base em conquistas que a equipe alcançou ao longo da profissionalização e se diz arrependido de não ter investido — ainda mais — nos jovens para alçar títulos que possibilitassem permanência no cenário estadual nos últimos anos.

Atualmente, a instituição enfrenta dificuldades financeiras, que impossibilitam o retorno de uma equipe profissional aos gramados gravataienses. Os alojamentos, que eram disponibilizados aos atletas de fora do município e que atuavam na categoria principal, foram, no início do ano, vendidos a empresas privadas. A ideia é reformar os locais e alugar para lojas comerciais, já que o lugar onde se encontra é valorizado economicamente, perto do centro de Gravataí.

Além disso, processos trabalhistas — avaliados em R$ 372 mil — inviabilizam novos investimentos na área. As dívidas são movidas pelos próprios ex-jogadores e ex-funcionários que fizeram parte da instituição em tempos de maior prestígio. Com o objetivo de saná-las, o Vieirão foi colocado a leilão, com lances iniciais na casa dos R$ 10 milhões. A prefeitura, entretanto, suspendeu o processo por se tratar de um terreno doado pelo município na década de 1960.

De acordo com a assessoria de imprensa do clube, a instituição se mantém financeiramente com o aluguel pago pelo time feminino do Grêmio, que disputa seus jogos pela série A2 no Vieirão. O valor — cerca de R$ 15 mil mensais — é utilizado, no entanto, para pagar as despesas com os atletas que estão na justiça contra a equipe, o que inviabiliza novos investimentos.

Seguir ou não?

A incerteza sobre o retorno da profissionalização do Cerâmica leva alguns atletas a pensar em alternativas caso a carreira de jogador não seja realizada. É o caso de Talles Vasconcellos, lateral-direito que atua desde o final de 2017 no clube de Gravataí.

“Sei que são poucos que conseguem ter sucesso nesse esporte. Futebol é a primeira opção e a faculdade é a segunda, caso não dê certo”, diz o garoto de 19 anos, que tem o sonho de jogar na Europa e disputar a Premier League e a Champions League.

Talles, conhecido como Eto’o pelos companheiros de treino pela semelhança com o atacante camaronês Samuel Eto’o, faz faculdade de Educação Física na Ulbra. Está no segundo semestre da graduação e faz duas cadeiras, na terça e na sexta-feira. Para pagar a mensalidade dos treinos, que custa R$ 80, ele vende rifas ao valor de R$ 5 cada, que são disponibilizadas aos jovens como forma de auxiliar no custeio dos treinos e das viagens aos amistosos fora de casa.

A opção pelo Cerâmica, segundo o próprio atleta, que atuava no Cruzeiro-RS, se deu principalmente por Felipe Harzheim, que é quem comanda os treinos da gurizada. Definido como um técnico “que sabe muito e está sempre aprendendo e ensinando”, segundo os próprios atletas, ele se destaca pelo companheirismo e pelas palavras e conselhos de incentivo nos treinos.

O “professor”

Felipe Harzheim é um velho conhecido dos gravataienses. É difícil conhecer alguma pessoa que jogou no Cerâmica e não passou pelas mãos do preparador físico. Desde 1998 no clube, quando veio para o município aos 18 anos, ele resume sua estadia em uma palavra: gratidão.

“Gratidão total ao Cerâmica, que me abriu as portas no começo da minha carreira. Já tive opções de sair daqui e me fixar em algum clube com maior estabilidade, mas decidi ficar aqui por essa minha história de amor ao clube”, relata o porto-alegrense.

Preparador físico do time feminino do Grêmio no ano passado, quando conseguiu o feito inédito de vencer o Gauchão com as gurias gremistas contra o Inter, dentro do Beira-Rio, ele lamenta o fato de a instituição não possuir uma equipe profissional que possibilite aos jovens uma guinada na carreira, especialmente por falta de investimento.

“A pior fase da história da equipe é hoje. Um clube que já teve patrocínio (caso da GM) que nem a dupla Gre-Nal teve, hoje é inquilino do próprio estádio. Chega a soar contraditório, mas é isso mesmo”, completa, no momento em que prepara a categoria sub-20 para a disputa da Taça Champions, competição que se inicia em agosto.

O treinador ainda defende a frequência escolar e a educação como fundamentais para o sucesso na carreira. E complementa dizendo que não basta ver o futebol apenas como inserção social, mas também “como uma ferramenta de emprego.” A exemplo de um curso profissionalizante, com profissionais e estrutura qualificados, existiria um suporte aos meninos na busca de atingir os devidos sonhos.

A carreira de sucesso de jogador chega para poucos nesse esporte tão adorado pelos brasileiros. Cabe aos jovens agarrar a oportunidade que surgir para a realização de seus sonhos de criança e, ao que parece, é o que eles mais querem.

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