A Última Prece

Glauco Lessa
Para O Bem Da Verdade
3 min readOct 20, 2015

Querido Senhor Deus e Jesus Cristo, ou Espírito Santo, sabe-se lá como te endereçar uma carta. Tu tem tanto nome que fica difícil pra caralho fazer isso, e talvez essa seja a sua intenção mesmo, né, seu filho da puta?

Essa é minha última prece a você. Tudo bem, porque eu sei que não se importa. E eu sei que você nem vai tentar provar o contrário mesmo. Prova não é muito contigo, não é mesmo? Tudo o que seus filhos pedem é uma merda de uma prova, mas você é tão onipotente que uma prova parece que é demais pra você.

Mas foda-se. Foda-se porque eu não quero nada disso de você. Há muito tempo já não acredito nessas suas histórias de dilúvio, ressurreição e o caralho a quatro. Eu sei lá como essa porra de universo se originou. Essa merda poderia ser o sêmen de uma porra de um alienígena se esparramando na cara de uma outra alienígena, e nós nunca saberíamos. Seríamos espermas de merda.

Isso também não é tão importante para mim, porque a vida é boa, e há coisas boas nessa vida, e isso basta pra vida valer a pena ser vivida. Mas sabe o que me deixa puto?

É que eu ando por esse mundo e vejo uma caralhada de gente acreditando em você, acreditando que você pode fazer alguma coisa por elas. Inclusive, algumas são tão humildes que mesmo quando conseguem algo por mérito próprio, ou por puro acaso, te agradecem! Algumas delas são tão boas que vez ou outra quase me convenceram — e não, não porque você deu as caras e se explicou, mas porque elas são tão boas que dá vontade de acreditar.

Mas tu foi longe demais. Tu mexeu com família, meu amigo. Eu não sou bandido, mas qualquer um é capaz de matar. Você sabe disso porque nos fez assim. E eu já percebi qual é do teu jogo. Vai fazendo as pessoas que a gente ama de refém e vai deixando elas morrerem uma a uma só pra fazer essa tua chantagenzinha emocional e vir com papinho de perdão e vida eterna no paraíso.

Afinal, pra que criar uma raça propositadamente imperfeita, dá-las consciência e arbítrio próprios, jogá-las num mundo caótico, se não for pra ouvir “Eu te amo, Jesus” e “Me perdoe, senhor” a cada milésimo de segundo? Tu joga, joga com essas vidas que tu criou, e quando o som abafado das lágrimas delas aconchega seus ouvidos oniscientes o bastante, aí você salva.

Porque você ama todas elas, né, seu desgraçado do caralho?

Acho que por isso sempre preferi acreditar que não tinha ninguém acima da gente. Imaginar um deus gerindo esse mundo seria simplesmente concordar que você ou é um vagabundo incompetente ou um doente do caralho. Mas olha, eu já não duvido de mais nada. E é por isso que faço essa última prece.

Enquanto eu viver, vou continuar levando as coisas dignamente, seguindo até umas coisas bonitas que você deve ter falado só por marketing. Do bem que me fizerem, tentarei levar também um pouco a cada boa pessoa que encontrar nesse mundo. Mas sequer uma palavra minha será dirigida a você novamente.

Porque um deus assim, é melhor acreditar que não existe, fingir que nunca viu. É imoral trocar palavra com alguém tão mau caráter quanto você.

E aí quando chegar a minha vez, tu faz o que tu quiser, beleza? Me põe pra engraxar o sapato do diabo enquanto sou enrabado por dois demônios ao mesmo tempo, faz aqueles lances todos de tortura que a gente aprende todo mundo na infância bem direitinho pra não cair no erro de não te amar né.

Mas saiba que o que me importa é a consciência tranquila. Então até aí, eu posso sofrer o quanto tu quiser, se tiver com a mente limpa, se tiver a certeza de que caminhei por aqui fazendo o melhor que pude.

Então terei me salvado.

Adeus,

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Glauco Lessa
Para O Bem Da Verdade

Autor, assistente editorial na Jambô Editora, redator da Dragão Brasil. Ele.