O Céu Dos Gatos

Glauco Lessa
Para O Bem Da Verdade
3 min readNov 12, 2018
“All Cats Go To Heaven”, por Pretty Neat Criative.

Três gatas dividiam o mesmo sofá e conjecturavam sobre o absurdo da existência. Umbra, a pretinha mais nova, tinha perguntado para Lílian, a rajada de pelos longos:

“Mas quando a gente morre a gente vai pro céu?”

As três gatas tinham idades e vivências muito diferentes para responder essa mesma pergunta: Lílian tinha seus 18 anos e toda a sabedoria e rabugice que a idade tinha trazido. Brígida, a persa cinza, era uma verdadeira dama, jamais tendo sujado suas patas delicadas na terra da rua, mas que também carregava sua década de vida. Das três, Umbra era a vira-lata mais nova, vinda da rua como Lili, por quem tinha grande admiração.

“O céu é uma besteira que os humanos contam uns pros outros. Não é porque eles fazem várias coisas por nós que você tem que acreditar em tudo que eles dizem”, Lili respondeu. “O céu é dos pássaros que nós caçamos. Somos melhores que isso.”

Brígida só respirou fundo. Superior como se via à Umbra, nem se daria o trabalho de responder. Dada a resposta, as três voltaram ao silêncio contemplativo de sempre, à espera da chegada de seus humanos.

No dia que Lili foi levada por eles, já muito doente e imóvel, e não retornou para casa, Umbra se lembrou da resposta dela. Naquele dia, a persa e a vira-lata deixaram suas diferenças de lado e fizeram companhia à Lili até o último momento. A última coisa que Lili disse para elas foi:

“Cuidem dos nossos humanos. E não briguem mais.”

Dessa vez, Umbra não precisou perguntar para Brígida o que tinha acontecido: Lili não tinha ido para o céu dos gatos.

Os primeiros dias foram difíceis, principalmente para os humanos, que choravam pelos cantos ao se lembrar da gata anciã. Brígida não expressava muita coisa, mas Umbra via que ela sentia falta da velha amiga. Numa dessas noites, as gatas tiveram um sonho estranho, posto que a noite pertence aos gatos. As patinhas das duas tremiam e seus olhos revelavam algo maravilhoso.

Estavam diante de vários gatos de todos os tipos, raças e idades, espalhados por todos os lados. Brincavam e corriam pelas nuvens de algodão, escalavam as torres de lã e dormiam confortavelmente uns próximos aos outros. Sem perder tempo, encontraram Lili sentada, como se esperasse por elas. Cheiraram o focinho umas das outras e sentiram o tocar de seus bigodes.

Brígida se pôs a chorar depois de confirmar que era realmente sua velha amiga:

“Que bom que você tava enganada!”, a persa confessou em alívio.

Lili começou a ronronar com o carinho e amor das outras gatas. Seus olhos piscavam delicadamente para elas, mas sua postura era de satisfação e orgulho:

“Esse lugar é muito agradável. Eu realmente não esperava vir pra cá”, ela disse com humildade, “mas eu não estava errada. Esse não é o céu dos gatos. É meramente aonde chegamos depois que nosso tempo acaba”.

“Mas então tem um céu ou não, afinal?” A curiosidade da Umbra a corroía por dentro, ainda que agora estivesse muito feliz.

“Tem sim, e eu posso mostrar para vocês agora mesmo”, Lili respondeu. “Estão prontas?”

As duas gatas assentiram, todas as três ronronando em uníssono.

Lili piscou bem devagarzinho uma última vez para suas amigas, e logo depois as duas estavam de olhos abertos, uma ao lado da outra, na mesma sala de sempre. O mesmo sofá, as mesmas cadeiras, os mesmos humanos que as chamavam pelo nome, cheios de carinho.

Lili não tinha ido para o céu dos gatos — sempre esteve nele.

--

--

Glauco Lessa
Para O Bem Da Verdade

Autor, assistente editorial na Jambô Editora, redator da Dragão Brasil. Ele.