Decifra-me
Contam muitas histórias sobre mim.
Confissões e segredos estão por trás de meus olhos de vidro.
Já andei nessa terra como um deus.
E também como um diabo.
Quando o homem pôs a primeira pedra sobre a outra,
Quando vagou pelo deserto desnorteado,
Quando alimentou seus filhos com esperança, mas também ódio,
Eu estava lá.
Em todas as vezes que já fui injustamente arremessado ao rio para morrer,
E nas vezes que reconheceram minha majestade com enormes maravilhas,
Eu estava lá.
O homem acredita com sinceridade que esse mundo lhes serve,
Que estão aqui para conquistar o dia e a noite.
Pior! Que esse é um direito concedido a eles por deuses.
Eu não me recordo.
E eu estava lá.
Quando o sol se põe, e as ruas ficam escuras e amedrontadas,
Quando a beleza do mundo desvanece e só resta brutalidade,
Quando o homem se recolhe ao seu refúgio medíocre de conforto e solidão,
Eu estou lá,
Posto que sou o andarilho da noite.
O vigilante que espreita.
O guardião dos caminhos.
O farol na escuridão.
O último verso de todos os poemas.
A resposta perdida de toda a filosofia.
A maior testemunha da generosidade e da atrocidade deste mundo.
O gato.