A serenidade é saber que somos areia, e as ondas são o tempo. (Mandala, por Andres Amador)

Eu Bem Sonhei Contigo Hoje

Glauco Lessa
Para O Bem Da Verdade
3 min readNov 25, 2016

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É suspeito quando certas pessoas passam a fazer parte do cotidiano do meu sonhar. A realidade não é o bastante?

E quando o sonho é lúcido ainda por cima?

Sonhos nos levam para lugares no espaço e no tempo que talvez nunca acontecerão. Não são diferentes de desejos. Ou são vontades de ser ou de não ser. Não é ficção, é ultrarreal. Verdades projetadas em tela branca com tinta a óleo. Palavras negras vertidas sobre papel branco.

Escrever sobre isso é bastante inútil. Me dá a sensação de ter que explicar uma cor só com palavras, de ter que verbalizar uma frase em Libras, ou de abrir os olhos na escuridão total e esperar enxergar alguma coisa. É como gritar para que uma montanha saia do caminho.

Independente se são muitas ou poucas, saiba que suas lágrimas nunca enchem apenas um cálice. Guarde um cálice para mim. Divida-as comigo. Seus sorrisos, suas séries, suas comidas veganas, sua disponibilidade.

Vou te dar um feedback: às vezes você suprime seu ego demais. No fim, é isso que nos faz humanos. É difícil colocar o ego em seu devido lugar, e talvez você o tenha colocado bem até demais. Ao mesmo tempo, isso lhe protege do mal e do sofrimento, mas se a vida é uma praia, nós não somos um coco caído indiferente que navega pelo mar guiado pelas ondas ou uma concha protegida das intempéries da corrente. Nós somos a areia.

A serenidade é saber que nós somos a areia, e o tempo é o mar. O vento é a sorte, as conchas são miragem, ilusão. Bate a ventania, cada grão vai ao ar, sem destino, ao encontro de outros grãos. Uma pequena onda vem e marca o chão, demarcando uma fronteira entre a vida e a morte, nos molda, nos ajunta com outros grãos. Então secamos, e voltamos a voar.

E o que há mais: grãos de areia na praia ou gotas d’água no oceano? Duas medidas virtualmente infinitas ainda podem ser separadas por uma distância infinita. Não importa quantos grãos conheçamos a cada dia; eles nunca vão se equiparar a imensidão do abismo azul.

Nada é mais real do que a areia. O alfa e o ômega. De onde viemos, para onde voltamos. Podemos nos apegar às pequenas dunas criadas pela erosão, aos castelos deformados construídos com orgulho, e deixaremos passar algo intangível.

O ar é mais real que a areia — é ultrarreal. Quando somos puxados em direção ao mar para logo depois sermos repelidos para a terra, sonhamos. Sonhamos com outros grãos, porque a praia é grande e nem sempre eles estão por perto. Os sonhos se repetem, na imensidão ciano da atmosfera, reforçam uma vontade latente. Suspensos no ar, dançando com a sorte, deixamos de ser pó. Almejamos alguém. Almejamos algo maior.

É suspeito quando você passa a fazer parte do cotidiano do sonhar dos outros. A realidade não é o bastante.

O que é que você tem pra fazer por lá?

Se você estiver ainda se perguntando o que eu quis dizer com tudo isso, não se preocupe: eu não quis dizer nada.

Eu já disse.

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Glauco Lessa
Para O Bem Da Verdade

Autor, assistente editorial na Jambô Editora, redator da Dragão Brasil. Ele.