Eu votei na Dilma, mas foda-se.

Glauco Lessa
5 min readMay 18, 2017

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O quão premonitória não é essa foto? (Wilton Júnior)

Tava acompanhando aqui o meu feed no Facebook, um post atrás do outro, um coro de comemoração por terem pegado — finalmente — o tão odiado Michelzinho com a boca na botija, com o Aécio de brinde ainda. Eu também me emocionei, tive minha catarse, fiz brincadeiras, senti meu voto finalmente sendo vingado.

Se ainda faltava alguma coisa pros desavisados perceberem que estamos sob o regime de um governo ilegítimo, essa hora é agora. O próprio Aécio concorda:

Acho que todos concordam (postado na página Ar Tour).

Como o brasileiro não vive sem o meme, logo a menina no Jornal Nacional com a plaquinha “Eu votei na Dilma” viralizou, e vários amigos começaram a postar coisas como “Eu votei na Dilma”, com algum tipo de orgulho de não fazer parte dessa sujeira toda.

E, bom, ok, eu entendo um pouco dessa satisfação. Mas vamos lá, estamos sendo justos com a verdade?

Nada mais brasileiro que memes para ilustrar (créditos na foto).

Veja bem, eu também votei na Dilma. O primeiro governo dela não me agradou muito, mas não vi muita opção e dei uma chance de ela continuar o mandato.

Eu também achei um absurdo o impeachment dela. Achei ilegítimo. Pedalada não era crime de responsabilidade, tudo bem. Tiraram nosso voto, cuspiram no nosso direito democrático, é verdade.

Mas a gente não votou só na Dilma. Conscientes ou não, votamos na chapa. Votamos no seu vice também. Concordamos em alguma medida com esse pacto com o diabo, ou no mínimo fomos omissos quanto a isso.

Olhamos para um vampiro ante-diluviano ao lado da nossa candidata e pensamos “Ok, o que é que pode dar errado, né verdade?”

Por isso, sou muito grato ao que o Joesley proporcionou ao Brasil. Não pela gravação em si, porque ele deve se beneficiar disso de alguma forma, mas apenas por esse momento, em que podemos virar e dizer o seguinte:

Coxinhas e petralhas, vamos apertar as mãos uns dos outros e pedir desculpas. Vai, vamos fazer as pazes.

Tava todo mundo sujo falando do mal falado. Todo mundo pensou que nunca ia ser otário, e foi otário.

Pois é…

Eu não sei, nós, brasileiros, somos essas pessoas que odeiam políticos e desconfiam muito de todos eles, mas logo em seguida defendem seus favoritos até a morte. Parece time de futebol — não, pior: parece religião.

Essa é uma oportunidade de ouro para perceber e jurar sobre algum livro sagrado que:

Eu, petralha esquerdopata, percebo que o PT se elegeu de forma merda mesmo. Minha culpa.

Eu, coxinha tucano, percebo que o PSDB também é uma merda, aparentemente. Várias privatizações dadas de bandeja e tal. Minha culpa.

Eu, manifestante aleatório com a camisa da CBF, percebo que o PMDB também é uma merda. Parece que foi golpe mesmo e eu fui tonto. Minha culpa.

Aí vão vir as pessoas MAS O BOLSA FAMÍLIA… Para. MAS O PLANO REAL… Sério mesmo, é feio. MAS DURANTE A DITADURA… Não importa. Para de tentar justificar.

Nada justifica. Vamos repetir juntos. Nada. Justifica.

Sabe o que difere nós uns dos outros além de nossas convicções políticas? Nada se comparado ao que nos separa desses caras que nós fazemos tanta questão de defender. Eles têm vários privilégios, salários bem acima da inflação, aposentadoria garantida e muitas vezes nem trabalham todos os dias. E quando falo isso, me refiro a juízes também, viu.

A solução é desistir de política, anular voto, colocar todos os políticos no mesmo saco? Claro. Que não, né. Esse é o momento que nós temos que olhar para pessoas que podem merecer nosso voto. E sim, partido faz diferença — ou deveria fazer, se não, pra que existe? Então vamos começar nossa procura a partir deles: se você é “de esquerda”, por exemplo, dê uma olhada em outros partidos (que não estavam embrenhados com o PT) alinhados com seus ideais e dê chance a eles. O mesmo vale para pessoas “de direita” procurarem em partidos de seu respectivo interesse, que não estão nessas delações aí. Esses partidos provavelmente têm suas próprias polêmicas, mas até onde eu sei, não estão envolvidos na sujeira toda. Já é um bom lugar para começar.

Porque se partido grande rouba, e você vai lá e vota nele de novo, o que você quer que ele faça? Deixe de roubar? E aí não quer ser otário?

Chega de voto útil. Não vamos mais cair nessas armadilhas de “mas o candidato é bom”, porque mesmo que ele seja, se o partido ou a coligação dele não é, isso com certeza vai ser uma merda de novo (não preciso lembrar do Temer, preciso?); ou “mas senão o outro partido que eu não gosto vai ganhar”, porque, oras, às vezes o partido que a gente não gosta vai ganhar mesmo. Isso é uma democracia, não é? Cabe a você, caso perca, continuar fazendo sua oposição. Na próxima eleição, você cai pra cima deles.

Se todo mundo votar no que realmente acredita, sem se importar com pesquisas, com probabilidades, os rumos da próxima eleição podem ser bem diferentes. O que pode ser muito bom. Temos que tentar.

E, claro, #DIRETASJÁ. E dessa vez, por favor, sem trapaça, sem dinheiro por fora, sem ingenuidade achando que seu candidato é santo enquanto o outro é o diabo, e sem impeachment depois cancelando tudo à toa.

Sim, eu sei, nosso sistema eleitoral não é o mais justo, mas é o que temos (antes que consigam piorá-lo). Vamos jogar direitinho dessa vez, aí podemos dar parabéns a quem ganhar, e parabéns ao povo por ter uma democracia de volta.

Mas vamos lá pra rua resolver isso agora.

Foi otário. (foto: Ueslei Marcelino/Reuters)

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Glauco Lessa

Autor, assistente editorial na Jambô Editora, redator da Dragão Brasil. Ele.