Monólogo

Glauco Lessa
Para O Bem Da Verdade
4 min readJan 25, 2018
“Soliloquy”, no deviantart da Alice X. Zhang.

Tudo era vazio e frio. Ele não sabia bem onde estava, mas não havia ninguém. Movia sua cabeça de um lado para o outro, mas não havia luz. Forçando a vista, procurava enxergar pelo menos a largura, altura ou profundidade de qualquer objeto que estivesse à sua frente. Em vão. Não havia chão, não havia teto, muito menos paredes. Era meio estranho, contudo já estava acostumado àquele lugar. Foi então que ouviu uma voz. Era a Solidão.

Dispensa-se a descrição dela. Todos conhecem ou já viram de relance a Solidão. Além do mais, estava escuro, então isso não é realmente necessário. De qualquer forma, o rapaz pensou em dizer “oi”, mas quando sua voz saiu, percebeu que era fina e aguda como a de uma criança. Era impossível, estava às vésperas do seu décimo sétimo aniversário. Mas realmente, perante a Solidão, quem é maduro o bastante? Tornamo-nos todos criaturas infantis.

— Desde quando estás aqui? — ela disse. Sua voz era um sussurro, quase o silêncio.

— Desde muito tempo. Por favor, me traga luz que assim poderei ver você.

— Mas como? Não podes me ver? Não precisas de luz, já sou a escuridão que enche teus olhos. Esta sou eu.

Ele gemeu contrariado, mas já sabia daquilo. A luz se foi na mesma época em que tudo havia se ido.

— Por que não dialogas comigo?

— Porque dialogar com você é fazer um monólogo ao vento. Nem isso, pois nem os ventos podem me ouvir. Estou sozinho, nem as pessoas, a luz ou minha própria consciência me acompanham mais. Sendo assim, dispenso sua não-companhia, obrigado.

Entretanto, a Solidão insistiu:

— Mas por que estás só? Nunca se está sozinho, a não ser que se dispense todas as companhias. E este é teu maior erro: dispensas até a mim, que nada sou!

— Na verdade, uma. Dispensei apenas uma companhia. Todas as outras coisas foram só conseqüência. Tudo perdeu o sentido quando ela se foi.

— Amava-a?

— Muito, mas não amo mais — disse ele, lembrando-se de que o amor havia partido na mesma época que a luz e muitas outras coisas.

— E por que abriste mão de sua companhia?

— Porque fui induzido ao erro. Me fizeram acreditar em algo no qual eu nunca poderia ter dado ouvidos. Depois de ter percebido a armadilha, a vergonha tomou conta de mim e não consegui ir até ela me desculpar. E quando a coragem venceu a vergonha e eu fui, já era tarde. Não havia perdão.

— Sentes raiva de ti mesmo?

— Senti, mas a raiva também já me deixou. Anteontem, acho. Isso se os dias já não tiverem me deixado também. Queria ao menos que ela pudesse me ouvir agora, e que quisesse me tirar daqui. Queria poder abrir meus olhos e não ver mais você, mas até quando os fecho, ainda lhe vejo…

— Tu não achas que queres muita coisa em vista do que fizeste? Não achas que tens isto por todo mal que fez àquela pessoa?

— Acho… sim… — lembrou de ficar triste, mas não era capaz. A tristeza já o havia deixado também.

Entrando numa introspecção, esqueceu a Solidão um instante e começou a lembrar tudo que havia passado com ela… Eram momentos que não voltariam mais, perdidos para sempre no passado. Não importava o que fosse acontecer dali pra frente, só uma pessoa poderia tirá-lo dali, e era ela, de fato. E junto com ela, a luz, a consciência, a raiva, os dias e a tristeza voltariam — e todas as outras coisas também. E quando os dias voltassem, se encontrariam com a felicidade já saudosa, e a partir daí então, os dias seriam felizes.

— Bom, vou-me indo — disse a Solidão, cortando os pensamentos do rapaz. Ao ouvir isso, ele se desesperou.

— Por favor, não vá! Não me deixe! Tudo já se foi, agora você?! Então leve minha vida também, não preciso mais da companhia dela!

— Poderia levar, mas não. Ninguém pode estar sempre sozinho em vida. Ao menos a vida deve acompanhá-lo, e eu não sou uma assassina, embora seja pior — e sorriu — Deixar-te-ei, porém a culpa já, já chega. Ela é meio irritante, mas ao menos não estarás sozinho. Ah, e às vezes ela traz amigos.

E então a Solidão se foi. Quando a Culpa chegou, nem bem cumprimentou, desatou a gargalhar da desgraça do rapaz. Era uma risada com vontade, daquelas bem agudas. Ela nem respirava, só gargalhava e gargalhava, sem cessar. E esse som estridente incessante dava nos nervos do rapaz, pesava-lhe os ombros. Sentia-se esmagado e humilhado.

Como prometido, a Culpa vez ou outra chamava a Raiva e a Tristeza, suas amigas. Quando a Tristeza ia, desatava a chorar, chegava a soluçar. Já a Raiva, não parava de gritar. Eram gritos de cólera, que assustavam o rapaz. Eram os piores momentos quando ficava a ouvir uma a rir, outra a chorar e outra a gritar, todas juntas sem nunca parar.

Nessas horas, lembrava-se de um rosto. Do rosto dela. A imagem era meio turva, mas ainda não o havia deixado, ele nunca permitiria. E percebia que, só ela ou a Morte poderiam tirá-lo dali, e que se ela não quisesse vir, por favor, que a Morte viesse.

Originalmente escrito por volta de 2009 e 2010.

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Glauco Lessa
Para O Bem Da Verdade

Autor, assistente editorial na Jambô Editora, redator da Dragão Brasil. Ele.