Stardust, por Valentina Remenar (deviantart)

O Mundo É Deprimente

E por que negar isso não ajuda em nada

Glauco Lessa
Para O Bem Da Verdade
6 min readAug 31, 2015

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O ser humano é, com grande chance, a espécie mais inteligente deste planeta, e no entanto, até onde se pode saber, a mais infeliz de todas elas. Inventamos o avião, e até o foguete, num provável delírio de nos catapultar para fora desse mundo terrível, mas somos infelizes. Carregamos frustrações, desejos incompreendidos, objetivos não realizados, e no fundo, nós sabemos: não conseguiremos fazer tudo o que sempre quisemos.

Como é que é? :(

Você pode ter lido esse primeiro parágrafo e ter sentido uma repulsa imediata. “Fale por você! Eu não sou infeliz”! Tudo bem, há pessoas mais (in)felizes que outras, mas o que quero dizer é: olhe ao seu redor.

Você gosta do mundo que está à sua frente?

Seja sincero. Eu não quero saber se você tem filhos adoráveis ou um emprego estável. Olhe para o mundo e admita. Este lugar poderia ser bem melhor.

Isso, excelente. É exatamente a tentativa de nos blindarmos em nossa felicidade que faz o mundo ser o que é. Quando pensamos: “não, o mundo não é um lugar tão ruim assim”, estamos compactuando com a desgraça que é viver nele. Veja bem, tudo isso parece extremamente pessimista, e a internet é um lugar de coisas que lhe deixam mais produtivo e feliz, com gatos brincando e dicas de saúde; o que esse texto está fazendo aqui, e por que você ainda está lendo isso até agora?

Acertou mais uma vez. A internet diz muito sobre nós, inclusive sobre o quanto temos medo da tristeza. Sabemos que ela é contagiosa, então nos higienizamos. Postamos fotos de um lugar que visitamos, compartilhamos coisinhas engraçadas… e estamos cheios de problemas.

Adoro meu trabalho!

Assumir que há muito de errado nesse mundo talvez seja o grande primeiro passo. Durante muito tempo, ouvimos que “ok, esse mundo é uma bosta, mas depois que morrermos vamos para um lugar melhor”, e eventualmente esse pensamento foi dando lugar a “ok, não sabemos se há outro mundo, mas olha esse beija-flor, esse mundo aqui é LINDO”, e deve haver algo de correto nessas visões, mas tomá-las como verdade sempre é o que faz o mundo ser da forma como ele é.

Afinal, comemoramos épocas festivas que celebram a fertilidade e a vida, enquanto extermínios acontecem em outros lugares do mundo. Muito distante? Então: reclamamos de nosso salário para um amigo pelo Whats App, enquanto passamos por um mendigo na rua.

Mas se você ainda não está convencido, o suicídio prova o quanto estamos fazendo tudo errado. Muitos tomam como escolha pessoal, doença, profundo descontentamento; escolha a sua justificativa, mas a conclusão é simples: ninguém satisfeito com a vida decide tirá-la por própria vontade.

Não se trata sobre a vida, mas sim sobre onde ela nasce. (Charge por Fabio Rodrigues)

Mas calma, não quero justificar suicídio aqui, muito menos estou dizendo que a vida é deprimente. Não, isso seria errado. O mundo, sim, é deprimente. O ponto é: a vida, em grande parte, é um fenômeno que parte do ambiente onde é cultivado. Há exceções, e parabéns para elas, mas pensemos em todos, por um instante.

Morrer é horrível, e ninguém precisa passar pela experiência para ter certeza disso. Não é com a vida que estamos insatisfeitos — e muitas vezes culpamos a pobre coitada —, é com o mundo. Mas se dissermos isso, vai parecer que estamos tristes, e estar triste é visto como fraqueza, fracasso, e ninguém vai te suportar. Muitas vezes nem você mesmo. Fomos ensinados assim.

Mas por que não tomamos isso como autocrítica?

É engraçado como um simples conselho que tomamos para muitos aspectos da vida, nós não utilizamos para ela mesma: a autocrítica traz aperfeiçoamento. Se criticarmos nosso mundo, vamos parecer ingratos, mas na verdade, quando não fazemos isso, só estamos sendo ingratos a nós mesmos e a todos que nós amamos.

A realidade de crianças morrendo em países da África que mal lembramos o nome ou de pessoas perdendo suas vidas em guerras civis parece distante. A realidade do mendigo também parece distante. Quando o mundo ceifa aqueles que não conhecemos, ele é belo. Quando ele leva alguém próximo, parece uma exceção. Injustiças acontecem todo o tempo neste lugar, mas é conveniente que só reparemos quando é nossa vez.

Quando não nos importamos com a dor alheia, apenas estamos ceifando a nós mesmos.

Entretanto, não é como se as pessoas nunca tivessem pensado em melhorar. Gastamos milênios nisso. Constituímos crenças, moral, erigimos instituições para elas. Fizemos governos, e bolamos sistemas pelos quais esses governos podem funcionar. Tudo (quase) sempre na melhor das intenções. Não há problema se você, leitor, acredita em uma dessas coisas — na verdade, isso é bom, porque mostra que você se importa em alguma medida — , mas lhe convido a olhar para este mundo novamente: tem sido o suficiente?

E é neste momento que este texto, que até então parece uma ode ao pessimismo, corre o risco de cair na mesma solução “simples” de qualquer livro de auto-ajuda: uma boa atitude já não pode ser um bom começo?

Tem religião? Ela prega o bem, se não acredito que não a teria, certo? Pratique este bem. Tem alguma ideologia sobre como as coisas deveriam funcionar? Ela deve visar ao bem de alguma forma, então. Pratique este bem. Não tem nenhum dos dois, mas tem palpites e ideias de como poderia tornar tudo melhor? Devem ser boas ideias também, então pratique este bem.

Se você sente um impulso de fazer o bem a outros, mas não o faz porque tem outras coisas para fazer e tem seus próprios problemas, você está inevitavelmente se sabotando, só porque a sensação a curto prazo é a de que está priorizando sua vida.

Estamos muito acostumados a falar sobre excelentes ideias, e debatê-las fervorosamente, mas talvez se todos só colocassem em prática toda a bondade que defendem, já teríamos algo melhor.

Desde a mais tenra infância.

“Mas as pessoas discordam muito, inevitavelmente isso geraria conflito”. Olha, isso já acontece, e o conflito realmente é inevitável. O ser humano é capaz de brigar por pouca coisa. Entretanto, se tentarmos melhorar o mundo de forma mais prática, com intenção verdadeira, e principalmente nas atitudes do dia a dia, pelo menos será por muita coisa.

Houve, sim, na nossa história, grandes lutas e tentativas sinceras de melhorar o mundo, e algumas foram bem sucedidas. Prova de que somos capazes. Devemos continuar remando, pela criança palestina e pela criança da periferia do Rio, pelo nossos pais e pelos nossos filhos. E a felicidade virá naturalmente, por nos ajudarmos de forma mútua. Eis aí então um propósito para uma existência que às vezes parece tão incoerente.

E o ponto de partida é: sim, o mundo é deprimente.

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Glauco Lessa
Para O Bem Da Verdade

Autor, assistente editorial na Jambô Editora, redator da Dragão Brasil. Ele.