O Segredo Do Pombo
— Sim, eu a amo — respondeu o garoto.
Estavam numa das grandes praças do bairro. Havia algumas árvores nas extremidades, mas nada que fosse muito relevante que contrastasse com os inúmeros prédios à volta. No centro, uma estátua de um homem que parecia ser importante, embora estivesse cercada de pombos por todos os lados — porque com certeza mais pessoas visitavam a praça para alimentar os pombos do que para admirar uma estátua.
Mas os dois jovens não estavam ali nem para os pombos e muito menos para a estátua. Eram amigos, e coincidentemente se encontraram no ponto de ônibus. Acabaram por ver que não havia nada de importante para fazer naquele dia, e decidiram se sentar num dos bancos da praça.
A companhia do rapaz, muito amiga e confidente, já sabia de tudo, mas mesmo assim decidiu perguntar se, de fato, tudo que ouvira era verdade. A resposta, como já visto, foi positiva, e ela refletia pensando no que dizer. Afinal, era uma situação delicada: seu amigo gostava de verdade de uma de suas melhores amigas!
— Você tem certeza disso? — disse, enfim quebrando o silêncio.
— Sim. Com todo esse tempo que passou, não haveria como eu ainda estar em dúvida — replicou o garoto, que era inflexível; tinha tanta certeza disto quanto no céu ser azul, ou o espaço infinito.
— Hm, entendo. Mas… você sabe, né? Que…
— Sim, sei que ela é comprometida — doía-lhe tanto dizer isso que esticou as pernas, como se numa forma de autodefesa. Tentou disfarçar esse movimento, começando a prestar atenção nos pombos todos que estavam perto da estátua. Em vão, já que sua amiga sabia o quanto era difícil para ele.
— Então você sabe que pode ser mal-interpretado se tentar alguma coisa… muitos vão te julgar errado por isso…
— E todos que o fizerem estarão absolutamente certos.
A garota não conseguiu entender. O amigo então apontou um casal de pombos que estava isolado dos outros animais, e que parecia estar namorando. A menina sorriu, e ele disse:
— Isso sim é certo: perpetuação da espécie, crossing-over, meiose, gametas e afins. Mas o amor não, o amor é naturalmente errado. Não é algo que pertence à natureza, nem aos animais. É que nos faz sermos humanos, pois sempre nos remete ao erro. Isso é o amor, e é isso que estou sentindo.
A menina não soube o que responder, então olhou para o chão aos seus pés. Havia uma pequenas migalhas de alpiste. Um pombo, rasante, pousou para ingeri-las. A garota ficou encarando o animal, como se fosse o símbolo do grande segredo que acabara de descobrir.
— Eu também fiquei assim quando percebi. E isso aconteceu no exato momento em que eu vi que a nossa amiga era, pra mim, mais uma que uma simples amiga — finalizou o rapaz.
Mas então o pombo terminou sua refeição e voou. O ônibus de sua amiga chegou logo em seguida. Ela se despediu e ele continuou sentado no banco da praça. O tempo estava fechando.
Ao som da primeira trovoada, o céu chorou. Os pombos então voaram — e aquele casal de pombos que estava junto outrora, se separara. O jovem permaneceu ali, e sentiu impiedosas e largas gotas caindo — era a misericórdia da natureza.
Sentiu também a maior solidão de todas em saber que não havia nenhuma árvore acima dele para o proteger — era a impiedade da natureza.
Pois era humano. Era apaixonado. Era errado.
E nesse dilema mundano permaneceu. Porque a natureza pode até funcionar em um ciclo eterno, mas a humanidade, com seu amor, cria uma reta que o trespassa e se prolonga para todo o sempre.
Originalmente escrito por volta de 2008.