Ponte Aérea

Glauco Lessa
Para O Bem Da Verdade
2 min readDec 17, 2018

A Estrela e o Mar se conhecem desde tempos imemoriais, quando as rochas eram mais duras e o ar era mais quente. Aquelas eram épocas mais simples, e por isso mesmo, nem a Estrela nem o Mar sabiam bem o que querer da vida.

No princípio, eram apenas amigos de amigos, estranhos em comum.

A Estrela desejava explorar mais, descobrir sobre outros astros em outros lugares de outros tempos. Quais recônditos lugares a luz dela poderia alcançar? Já o Mar queria a tranquilidade de tocar a superfície do coração de todos os seres, mas também o mais profundo abismo de suas almas.

Mesmo com anseios muito diferentes, a Estrela e o Mar sabiam que enquanto houvesse luz para emanar e água cristalina para refleti-la, a amizade perduraria. Um dia a Estrela vai se apagar e o Mar vai secar — eles sabem disso — , mas não cabe a nenhum dos dois questionar as intempéries do tempo.

A adolescência deu lugar à vida adulta e à toda sorte e azar de eventos astronômicos e meteorológicos. Quantas profetisas não abriram o coração do Mar despedaçado? Quantas fusões nucleares não deram ideias brilhantes para a Estrela? Quantos dilúvios o Mar não causou para limpar manchas do passado? Quantas voltas a Estrela não acabou dando em torno dela mesma?

E então a luz da Estrela alcançou grandes distâncias e muitos amores; já não era mais um astro solitário no escuro do espaço. Em todo esse tempo, o Mar apenas torceu por ela como quem torce correntezas. Continuou escrevendo, sempre em mente o calor e o reflexo tremeluzente da amiga em suas águas.

E como com qualquer outra Estrela não seria diferente, um dia ela já orbitava sozinha de novo, não mais tão longe, nem mesmo sequer mais próxima, e o Mar se pegou pensando se aquele tremular noturno e silencioso era tudo o que podia ter. O pensamento surgiu como uma curiosidade infantil, um sorriso mal-intencionado no escuro do oceano: seria possível criar uma ponte pelo céu até a Estrela? Uma ponte que os aproximasse para além do calor das palavras e dos espelhos de cristal líquido?

Uma ponte aérea.

Mas é claro que não, porque isso não faria o menor sentido, talvez a Estrela lhe dissesse. Ótimo então, já que o Mar não se importa com sentido algum: os escreve como bem entende e usa metáforas até quando são convenientes, depois as descarta sem nenhum apego. Porque eles não são Estrela nem Mar, são homem e mulher.

Por isso, o Mar, lar daqueles que sentem saudade, sonha o dia em que subirá uma ponte aérea em direção ao espaço, quem sabe até São Paulo, porque o firmamento poderia não ter astro algum que não fosse a Estrela, e ainda assim seria o mais claro dos dias.

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Glauco Lessa
Para O Bem Da Verdade

Autor, assistente editorial na Jambô Editora, redator da Dragão Brasil. Ele.