Subentendido

Glauco Lessa
Para O Bem Da Verdade
2 min readFeb 13, 2019

Meu amigo, deixa eu te contar uma história?

Uma vez eu fui protagonista de um desses filmes de comédia romântica. Nada importante para o resto das pessoas, e por isso mesmo a maioria nunca vai ficar sabendo. Mas eu fui. Por aqueles momentos, tive a mocinha em meus braços e a fiz rir para mim, de mim e comigo, como todo bom protagonista de comédia romântica deve fazer.

Eu não sei por quanto tempo durou. Podem ter sido trinta minutos, alguns meses ou uns dias. Eu nunca me importei com o final do roteiro e mal me lembro quais foram as últimas linhas que tive de interpretar. Sei que, independente de quanto tempo tenha durado, deveria ter durado mais.

E acho que não importa quanto tenha sido, vou continuar pensando dessa forma.

Antes de tudo, eu já a admirava há muito tempo. Era como uma daquelas ideias, você sabe, que não tem a menor pretensão de acontecer. Sinceramente não sei o que ela pensava de mim e acho que nunca vou saber, embora essa curiosidade sempre tenha existido, até mesmo depois de tudo.

Sua pele era alva como a neve, mas quente como o fogo de seus olhos e de seus cabelos. Sua fala, doce nas reticências e nas risadas, e salgada nas provocações e nas verdades.

A princípio foi difícil convencê-la de que eu serviria para o papel, sabe. Até hoje ela ainda deve se perguntar se eu realmente merecia o papel que me deu, mas meus argumentos foram fortes o suficiente, e isso que importa. Ela era toda metáfora e verso, e eu, modéstia à parte, sabia como usar isso a meu favor. Meus gestos rimavam com os dela, minhas mãos eram a cintura nela, e eu sempre mergulhava no fogo de seus olhos a cada olhar que me dava.

Talvez ela não tenha sido única para mim, o que é uma pena, pois podia ter sido. Eu mesmo provavelmente passei longe de ser único para ela, com certeza. Mas nada muda o fato de que eu fui o protagonista que ela escolheu para aquele filme, e aquele filme, sim, foi único. Foi um privilégio. Não foi algo que acontecia com frequência, pelo menos não para mim, e pelo visto para ela também não.

Foi tão único que não é como esses filmes que você paga o ingresso para ver e esquecer da vida, ou baixa na internet para assistir naquele fim de tarde tedioso. É do tipo que ninguém precisa assistir.

O que eu ganhei, o que eu perdi, ninguém precisa saber.

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Glauco Lessa
Para O Bem Da Verdade

Autor, assistente editorial na Jambô Editora, redator da Dragão Brasil. Ele.