Supervia

Estou no trem em direção à Central. Três e quarenta e oito, por isso não está tão cheio.

Glauco Lessa
Para O Bem Da Verdade

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Estou no trem em direção à Central. Três e quarenta e oito, por isso não está tão cheio. Pude sentar. À minha frente, o que parecem ser duas corredoras (pela roupa que usam) conversam empolgadamente. Elas têm cara de Wanessa e Wanda. Há um rapaz sentado no chão, abraçado a uma daquelas maletas prateadas de filmes de espionagem. Espero que não tenha nada de valioso nela. A maioria das pessoas está de fone de ouvido, em alguma realidade paralela, sem ter que pensar no trabalho, na faculdade ou na vida. Wagner, um homem com seus lá quarenta e tantos anos e cordão de ouro com alguma figura religiosa no pescoço, olha com desejo para o corpo de Flavinha, uma menina mais ou menos nos vinte, loira e com camisa do Flamengo. O trem parou em mais uma estação. Ali vem Roger, um vendedor de biscoitos de polvilho. Não parece ser regulamentado, assim como a maioria dos vendedores. Há um homem sentado ao meu lado direito. Pelas suas roupas, devo deduzir que seja um trabalhador de escritório. Boa parte da viagem, Roberto esteve num estado letárgico e sonolento, com os olhos entreabertos. Agora está respondendo um amigo no celular. Mais uma vendedora. Laura vende balas Fini, “de luxo e de shopping”, por apenas um real. Oh céus, um concorrente apareceu, e ele vende Kit Kat. Acho que temos um vencedor. Guardo minha barra de Kit Kat pra depois. Wanessa e Wanda preferiram as balas Fini, entretanto. Laura fala mais alto, mesmo que rouca, e seu produto é mais barato. Chegou o ponto de Roberto, e ele se foi. Duas meninas, um pouco mais velhas que eu, mas ainda na casa dos vinte, se sentaram ao meu lado. Isabele e Mariana parecem ter se encontrado por acaso no vagão, e estão mantendo aquele tipo de conversa sobre qualquer coisa porque senão fica chato não interagirem. Wanessa e Wanda jogam os papéis de suas balas Fini na lixeira, algo raro esses dias. Cleyton é um rapaz sem camisa ao meu lado esquerdo. Sem camisa, mas com um cigarro preso entre a cabeça e a orelha, mesmo tendo bolsos para guardá-lo. Cleyton parece um estudante de ensino médio.

Railway, por Kairit S. (Deviantart)

No banco à minha frente, há Eduardo. Ele lê algum livro que não consigo saber qual é. Só vejo que é bem grosso. Júlio está em pé e é bem forte e alto. Sua camisa preta traz a estampa da academia Smart Fit, e eu poderia sugerir que ele está indo se exercitar, se é que alguém precisa pegar trem para isso. Imagino que sim. A orelha de Júlio é completamente deformada, como a de lutadores de artes marciais. Faz Jiu-Jitsu, talvez? Me distraí por um segundo. Achei que havíamos chegado na Central, mas ainda estamos no Maracanã, a Mariana me disse. O vagão está bem mais vazio agora. Não vi quando Wagner e Flavinha se foram. Acabei de reparar em Charles. Ele estava aqui desde o começo da viagem. A julgar pela boina, os anéis estilizados nos dedos e uma certa vaidade com sua barba ao olhar em um espelhinho, diria que ele é um artista de algum tipo. Ele carrega uma pasta. Pode ser que ela tenha apenas documentos quaisquer, mas seria muito mais interessante se houvesse vários desenhos nela. Mariana atende ao celular. Sua amiga Isabele já se foi há algumas estações. Seu pai quer tirar alguma dúvida, a qual ela sana rapidamente. O sinal está ruim e ela tem que desligar. Logo em seguida, se vira para mim e diz: “Agora sim!”. Chegamos na Central. Quatro e vinte e quatro.

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Glauco Lessa
Para O Bem Da Verdade

Autor, assistente editorial na Jambô Editora, redator da Dragão Brasil. Ele.