Birthday, por Dmitrii, ou See-It-Clear, do deviantart.

Vinte E Cinco

Glauco Lessa
Para O Bem Da Verdade
4 min readDec 12, 2017

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As pessoas sabem que eu gosto de falar. Em situações como o meu aniversário, elas adoram pedir para que eu faça algum tipo de discurso, e confesso que sempre adorei esses momentos, mas a cada ano fica mais difícil escolher as palavras.

Me lembro de ter conhecido uma música por volta de 2008, quando eu estava no começo do ensino médio, que traduz um pouco minha aflição. O nome dela era Ten Years, de uma banda chamada Rev Theory.

Daqui a dez anos

Quando me virar

Eu vou estar satisfeito

Quando eu olhar para trás?

É o que a letra diz logo no começo. Isso me fazia imaginar o que eu pensaria de mim dali a dez anos, em 2018.

Eu não sei se já tenho a resposta. Na verdade, não sei muito sobre que virá a seguir.

Quando terminei o colegial, achei que saberia que caminho trilhar. Agora a vida começa de verdade, foi o que pensei. Como tive sorte, veio a faculdade, e me corrigi: não, é agora que a vida começa mesmo. De qualquer forma, mais cedo ou mais tarde, creio que para qualquer um, não apenas para mim, chega o momento em que você está realmente livre. Metaforicamente, ao menos.

E com a liberdade vem a insegurança e a indecisão.

Eu costumava me convencer de que tinha grandes ideias e pensamentos para escrever e passar à posteridade. Hoje não só percebo a arrogância, como começo a me contentar com objetivos mais simples. Afinal, escrever é como gritar no vazio, não importa se se faz isso em um diário jogado dentro de uma gaveta ou em uma conta no Medium. Não se deveria esperar nenhum retorno.

Uma vez, em uma aula na faculdade que dificilmente vou esquecer, uma professora querida pediu para que nos descrevêssemos em um texto. Essa incerteza sobre o que queria ser e o que eu era já me afligia. Esperavam que eu fosse precisar de folhas e mais folhas, mas entreguei apenas um pequeno rasgo, com uma única frase. No último período, em sua última aula, ela releu os textos entregues por todos, para ver o quanto tínhamos mudado. O meu foi:

“Eu sou só um cara que escreve umas coisas.”

Faz sentido. Quando pequeno, inventor era a profissão que eu queria ser. Quando descobri o papel e o lápis, percebi que podia ser um inventor desde já. Bem ou mal, essa é a linha guia de vários momentos da minha vida; da zine sobre RPG da minha rua e minha escola, pra e-zine de RPG no Orkut, pros primeiros contos e pro primeiro livro. Poucas coisas têm mais graça nessa vida do que criar coisas e jogá-las pro papel.

Aquele foi um lembrete importante. Mesmo sabendo o que somos ou queremos ser, a pressão da vida real pode facilmente nos fazer esquecer disso. Agora estou formado, desempregado, sinto a asfixia da vida assalariada cada vez maior, sem grandes perspectivas, sem o próximo semestre, o próximo período, a próxima prova, o próximo desfecho. E ainda sou só um cara que escreve umas coisas.

Como se pode perceber, essa não é uma grande qualidade. Não fica bem em um currículo ou portfólio nem é um grande título ou credencial. Não é como se eu fosse algum tipo de astronauta. Mas suponho que seja isso que eu deva continuar fazendo. Afinal, escrever é como gritar no vazio, certo?

Talvez não. Alguns acontecimentos esse ano me mostraram isso. Conheci pessoas que vivem de criar, que dividem isso com as outras áreas de suas vidas se necessário para que criar seja possível. Essas pessoas não sabem, mas já se tornaram grandes heróis meus. E não aqueles heróis perfeitos que caminham como deuses sobre a terra, mas daquele tipo que levam a vida ajudando a vizinhança. Mais que seus esforços individuais, vi que elas se apoiam frente a adversidades e incentivam os recém-chegados.

Foi esse ano que ouvi alguém da área dizer que sei vender muito bem meu livro. Por outro, fui chamado de grande amigo, e convidado a sortear um livro meu em um evento de RPG. E hoje, recebi um livro como presente de aniversário com uma dedicatória que dizia “Para um brother que ainda vai caracterizar muita coisa nessa nossa cena”.

Depois disso, fica difícil manter a crença de que criar é um solo vocal feito para uma plateia vazia. Essas pessoas e outras tantas que existem na verdade formam um grande coro musical. Pela primeira vez em muito tempo, começo a achar que não estou sozinho nesse ofício.

Nos próximos dez anos, se assim o acaso me permitir, quero olhar para trás e ficar satisfeito por continuar sendo só um cara que escreve umas coisas. Deixo a pretensão para os filósofos — não quero ser o melhor nem mudar ninguém; quero apenas que se divirtam e tenham um bom momento com os meus jogos, com a minha literatura, com a minha criação.

Afinal, é possível crescer muito como pessoa enquanto se vive bons momentos e se constrói boas amizades e boas memórias com essas obras. Foi o que o RPG e a literatura fizeram por mim, e espero devolver isso. Será o suficiente para que eu olhe para trás e fique satisfeito.

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Glauco Lessa
Para O Bem Da Verdade

Autor, assistente editorial na Jambô Editora, redator da Dragão Brasil. Ele.