Mais carros de aplicativo, mais demanda por táxi

A 99 analisou os efeitos da entrada de carros particulares sobre o mercado de táxis em 14 cidades brasileiras. Ao final dos períodos analisados, as corridas de 99Táxi cresceram na maioria das cidades; em outras, mantiveram-se no mesmo nível de antes do início do 99Pop — o serviço de carros particulares da 99. Nenhuma delas apresentou diminuição.

99
Para onde vamos?
7 min readNov 21, 2017

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Em 1865, o economista inglês William Stanley Jevons, no livro The Coal Question, formulou um raciocínio que se tornou conhecido como Paradoxo de Jevons. A ideia era a seguinte: em meados dos anos 1700, no meio da Revolução Industrial inglesa, James Watt e Matthew Boulton aperfeiçoaram o Motor a Vapor criado por Thomas Newcomen, tornando seu consumo de combustível 75% mais eficiente. Com isso, era de se esperar que o consumo de combustível usado na indústria cairia. Jevons observou, no entanto, que o oposto ocorreu: a quantidade de carvão consumido na Inglaterra aumentou, dado que a maior eficiência energética causou uma queda nos preços dos bens produzidos. Isso, por sua vez, aumentou a produção industrial como um todo — e, por consequência, a demanda por combustível.

Representação do Motor a vapor de Newcomen

Quase 150 anos depois, o americano Edward Glaeser relembra essa história¹ para dar suporte ao que chama de Corolário da Complementaridade de Jevons. Glaeser observa que, de maneira semelhante ao (inesperado e provável) aumento do consumo de combustível após uma inovação que aumenta a eficiência energética, o uso intensivo de tecnologias de informação, cada vez mais eficientes, faz com que as pessoas demandem mais encontros físicos, face a face. Essa maior necessidade de encontros presenciais gerada por uma maior interação virtual teria tornado o mundo mais urbano. Isso é o oposto do que alguém poderia imaginar no começo do século XXI, quando pessoas chegaram a pensar que o e-mail acabaria com as reuniões de trabalho presenciais. Pense em quantas delas você já teve que ir na última semana.

Disso, segue que atividades que são complementares por natureza têm seu uso intensificado e/ou aumentado quando uma das duas tem um aumento súbito de eficiência. “Melhores tecnologias de informação tornaram o mundo mais intensivo em informação, o que, por sua vez, fez com que o conhecimento se tornasse mais valioso do que nunca — e isso aumentou o valor de se aprender com outras pessoas, nas cidades”.² Este texto se apoia nessa ideia para analisar o efeito da entrada de carros particulares peer-to-peer (P2P) no mercado do transporte individual, dominado, até então, por uma única categoria que teve força suficiente para manter uma reserva de mercado por mais de meio século: o táxi.

A 99 é uma das poucas empresas de ride-hailing no mundo que integra tanto táxis (99Táxi) quanto carros particulares (99Pop) em sua plataforma. Isso resulta em uma possibilidade rara de analisar o impacto da introdução de um modal sobre o sucesso do outro.

A 99 iniciou sua operação em 2012, tendo apenas táxis em sua plataforma; em 2016, a plataforma também foi aberta para carros particulares. Esse estudo analisa o que aconteceu com as corridas de 99Táxi em 14 cidades³ brasileiras nas semanas subsequentes à entrada do 99Pop no local.

Para tal, parametrizou-se um índice de corridas de base 100, sendo este o valor médio do número de corridas de 99Táxi nas quatro semanas anteriores ao lançamento do 99Pop. Os dados abaixo ajudam a explorar a questão com mais qualidade.

Nenhuma das cidades analisadas apresentou um índice de corridas de 99Táxi menor, ao final do período, do que era nas semanas anteriores ao lançamento do 99Pop. Tome-se como exemplo São Paulo. Após 61 semanas, o índice — cujo valor é 131 — mostra que o número de corridas de 99Táxi cresceu 31%, se comparado o valor ao final do período com as 4 semanas anteriores à entrada do 99Pop.

Em São José dos Campos, após 13 semanas, há 51% mais viagens de 99Táxi.

A cidade que apresenta o menor valor é Belo Horizonte, com 100. Isso quer dizer que o número de corridas de 99Táxi está no mesmo nível das 4 semanas anteriores à entrada do 99Pop.

Se considerarmos apenas as cidades com mais de dois meses de 99Pop, o que já nos fornece 8 semanas de comparação e exclui da comparação o mês de julho (tanto da média das 4 semanas anteriores, quanto da operação do 99Pop), a média de aumento é de 24%. Ao final do texto apresentam-se os gráficos da variação do índice ao longo das semanas subsequentes ao lançamento do 99Pop em outras 11 cidades (Rio de Janeiro, Santos, Goiânia, Porto Alegre, Vitória, Ribeirão Preto, Salvador, Curitiba, Brasília, Fortaleza e Recife). O 99Pop não inviabiliza o 99Táxi; de maneira contrária, potencializa seu uso.

Levantamos algumas hipóteses. Pode ser devido à maior atenção dos passageiros para a marca 99, levando a um intercâmbio de tipos de transporte. Adicionalmente, com o crescimento da 99, um número maior de passageiros que antes não utilizava táxi, passou a ter acesso a essa opção ao entrar na plataforma, aumentando o número global de corridas realizadas dentro de sua plataforma.

Além disso, sinaliza que o 99Pop, integrado a uma plataforma que também abriga serviços de táxi, acaba retirando passageiros que utilizavam serviços de carro particular da concorrência (que, como regra, não dispõe de táxis em suas plataformas) e os expõe constantemente aos dois modais. Parte desses usuários acaba fazendo algum nível de intercâmbio entre tipos de transporte — se hoje o táxi está quase tão barato quanto o carro particular e estou atrasado, por quê não aproveitar o corredor? Também pode existir uma tomada de decisão na hora em que o usuário abre o aplicativo para chamar o motorista, dado que a 99 apresenta todas as opções de preço e tempo de espera em sequência no aplicativo⁴.

Apresentar informação completa às pessoas no momento em que elas vão tomar uma decisão possibilita que elas tomem a decisão que lhes provê maior bem-estar — e é bastante possível que o táxi, em algumas situações, seja o modal escolhido. Isso pode ser explicado matematicamente a partir de um modelo formulado pelo vencedor do Prêmio Nobel Daniel McFadden⁵. Nesse modelo, assume-se que a escolha de um indivíduo depende de suas características (como idade e renda) e das características de cada modal (como preço e duração da viagem)⁶. Também é assumido que a pessoa tomadora de decisão irá escolher o modal que mais lhe provê bem-estar: e, se as atribuições de um tipo de transporte estiverem explícitas em sua frente, é mais provável que ela seja a escolhida nessa conta se for mais vantajosa.

Fica, então, a reflexão: é provável que plataformas de ride-hailing, ao promoverem a intermediação entre oferta e demanda de serviços de transporte, quando apresentam diversas opções de modais de transporte, influenciem a decisão do passageiro de maneira positiva para ele e para a sociedade.

Essa pode ser uma oportunidade de melhoria da mobilidade das cidades, através do fornecimento de informações completas sobre os deslocamentos quotidianos, aumentando a racionalidade por trás da escolha modal.

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¹ Glaeser, E. (2011). Triumph of the city: How our greatest invention makes us richer, smarter, greener, healthier, and happier. Penguin Books.

² “Better information technology has made the world more information intensive, which in turn has made knowledge more valuable than ever, and that has increased the value of learning from other people in cities” (Glaeser, 2011, p. 38)

³ Consideraram-se apenas as cidades que tinham no mínimo 4 semanas de operação de 99Pop quando os dados foram coletados, ou seja, na primeira semana de novembro de 2017.

⁴ No aplicativo das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Santos.

⁵ McFadden, D. (1973). Conditional logit analysis of qualitative choice behavior. In P. Zarembka (Ed.), Frontiers in Econometrics (pp. 105–142). New York: Academic Press.

⁶ McFadden, D. (1974). The measurment of urban travel demand. Journal of Public Economics, 3, 303–328. Retrieved from https://eml.berkeley.edu/reprints/mcfadden/measurement.pdf

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