Dados das corridas da madrugada podem ajudar a diminuir mortes no trânsito

99
Para onde vamos?
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9 min readNov 30, 2017

O mapa abaixo destaca padrões espaço-temporais de concentração de viagens com a 99 durante as madrugadas de finais de semana. Essas informações — junto com outros que o poder público detém — podem subsidiar ações de fiscalização e comunicação a fim de combater incidentes de trânsito.

Padrões espaço-temporais de concentração de viagens com a 99 durante as madrugadas de finais de semana. Dados: 99. Elaboração: 99 Policy & Research

O Brasil é o quarto país do mundo com mais mortes no trânsito por habitante, segundo a Organização Mundial da Saúde. Ficamos atrás, apenas, de Belize, República Dominicana e Venezuela. São 23,4 mortes a cada cem mil habitantes, anualmente. Para fins de comparação: em assassinatos e mortes em confronto com a polícia, o valor deste mesmo indicador é 29,4 por cem mil habitantes. Com índices tão dramáticos, a insegurança viária deve ser encarada como um problema de saúde pública.

E a situação se torna ainda mais surpreendente se considerarmos que as principais causas de incidentes são bem conhecidas: excesso de velocidade, uso de capacete para motociclistas e a combinação de bebida e direção.

Número de mortos no trânsito em 2015 em São Paulo, divididos por modal de transporte. Fonte: Relatório anual de acidentes de trânsito fatais — Companhia de Engenharia de Tráfego — Prefeitura de São Paulo

Por sua vez, as formas de mitigar esse risco, do ponto de vista das políticas públicas, também têm sido amplamente diagnosticadas em experiências urbanas por todo o mundo.

Redesenho urbano amigável

Uma técnica tão conhecida quanto ignorada é tornar o ambiente construído mais amigável e seguro para pedestres e ciclistas — que, apesar de não dirigirem, são as maiores vítimas fatais no trânsito. Incrivelmente, 45% das pessoas mortas no trânsito de São Paulo em 2015 estavam se deslocando a pé ou de bicicleta. Há evidências de que o redesenho urbano (como a instalação de faixas de pedestre elevadas e ilhas de segurança, ou o estreitamento de faixas de rolamento e plantio de árvores), aliado à redução da velocidade máxima permitida para veículos nas vias podem mitigar os riscos tanto aos motoristas, quanto aos pedestres. Esse é o exemplo do que acontece em Tóquio, Estocolmo, Londres, Paris e Berlim, cidades que têm alguns dos menores índices de mortes no trânsito, também têm em comum o fato de serem compactas, com baixas velocidades máximas permitidas aos carros e amigáveis para pedestres.

Antes | Depois: exemplo das ideias de redesenho urbano, em intervenção temporária no bairro de São Miguel Paulista, em São Paulo. A área central da rotatória — transformada com tinta e plantas e isolada com cones e sinalização horizontal no asfalto — é destinada apenas para pedestres. Crédito: NACTO-GDCI/BIGRS

Comunicação, planejamento e monitoramento de resultados da fiscalização

Solucionados os riscos impostos pelo ambiente construído e intrínsecos ao transporte urbano e interurbano, ainda existem aqueles gerados — conscientemente — pelo comportamento de motoristas. Aqui reside, por exemplo, o ato de beber e dirigir — que 24,3% dos motoristas brasileiros assumem praticar. Os efeitos disso são catastróficos: em 2011, no Brasil, 21% das pessoas acidentadas no trânsito havia ingerido álcool. Isso significa que, no mínimo, um quinto dos acidentes de trânsito poderia ter sido evitado por políticas que eficazmente impedissem a direção alcoolizada¹. O poder público vem fazendo esforços para conscientizar a população sobre esse problema, bem como para fiscalizar sua ocorrência. Isso fica claro se observarmos que as leis contra bebida e direção endureceram no Brasil na última década. Em 2016, por exemplo, o valor da multa para quem for pego dirigindo sob efeito de álcool subiu de R$1915,00 para R$2934,70, além da retenção do veículo e suspensão da CNH. Motoristas bêbados que causaram incidentes vêm sendo, recorrentemente, indiciados por homicídio doloso. Para maior efetividade das leis, é preciso publicizá-las ainda mais, o que aumenta a percepção do risco de qualquer dado indivíduo em ser pego². Em segundo lugar, é necessário aumentar o planejamento e a coordenação na fiscalização — um fator chave para que a lei seja, de fato, aplicada. Por último, mas não menos importante, vem o monitoramento de resultados, chave para qualquer política pública.

Segundo dados da Polícia Militar e do Detran, houve 147 mil abordagens a motoristas para verificação de embriaguez na capital paulista (ou 1 blitz para cada 58 carros emplacados no local), contra 619 mil no estado de São Paulo (ou 1 blitz para cada 46 carros). Na cidade do Rio de Janeiro, esse número é de 1 a cada 11. Segundo especialistas, o Rio de Janeiro apresenta uma natureza geográfica mais propícia ao posicionamento eficiente de uma blitz, uma vez que há menos “rotas de fuga” e vias alternativas.

Para mitigar os efeitos da geografia, a Administração Pública pode contar com a tecnologia.

Onde fazer uma blitz? Inteligência da 99 colabora para salvar vidas

Uma das maiores preocupações da 99 é a segurança no trânsito. Igualmente, entendemos que cidades mais inteligentes também são cidades mais eficientes e que a colaboração do setor privado com o governo pode gerar bons frutos para toda a sociedade. Neste texto, mostramos uma forma de tratamento de dados de corridas de 99Táxi e 99Pop que pode servir para se aumentar a eficiência da localização de ações de educação e fiscalização contra a combinação de bebida e direção.

Primeiro, dentre todos os pontos de origens de viagens da 99, nos propomos a identificar aquelas que foram feitas durante as madrugadas dos finais de semana, dias e horários durante os quais a maior parte das pessoas que está se deslocando o faz para algum fim de entretenimento — que, usualmente, envolve bebida alcóolica. A análise, a partir desse ponto, faz a seguinte suposição: se em um lugar há pessoas que são conscientes e, após beber, solicitam corridas pela 99, também nesse local há pessoas que bebem e dirigem seu próprio carro.

Encontrar esses locais em um mapa vai além de simplesmente identificar um ponto de concentração; busca-se alguma previsibilidade. Ou seja, interessa saber qual a probabilidade de que as corridas de uma noite se concentrem naquele lugar. Lançamos mão, aqui, de uma análise simples, que busca identificar hotspots³, locais que apresentam uma concentração não-aleatória de viagens. Podemos, então, identificar três tipos de padrões de concentração espaço-temporal de corridas:

A. Locais que foram hotspots em 90% dos intervalos de tempo analisados

B. Locais que foram hotspots em 90% dos intervalos de tempo analisados e apresenta um número crescente de corridas nas últimas semanas

C. Locais que, intermitentemente, foram hotspots em menos de 90% das semanas

D. Locais que foram hotspots na última semana de análise, mas nunca haviam sido hotspots antes.

O primeiro reúne lugares na cidade que, tradicionalmente, geram mais viagens do que a média do resto da cidade. Esses são os lugares nos quais, usualmente, as autoridades de trânsito e fiscalização já sabem que há bares e baladas. Logo, são locais que podem já contar com uma fiscalização intensa (embora não necessariamente).

O segundo grupo reúne locais que, embora similares aos primeiros, apresentam um padrão crescente de viagens nos últimos intervalos de tempo considerados na amostragem. Isso significa que essas são as regiões da cidade que estão se intensificando como pontos de risco. Consequentemente, elas podem ainda não ter recebido a devida atenção das autoridades.

O terceiro grupo é formado por locais que figuram como hotspots em algumas semanas e não em outras — geralmente intercaladas. Esses podem ser locais recorrentemente locados para receber grandes números de pessoas periodicamente, com atividades noturnas como shows, festas e determinados eventos esportivos.

O último grupo, por sua vez, tem uma característica bastante peculiar: são lugares que apenas figuraram como hostpots no último período analisado. Esses são locais que, normalmente, não são um pólo gerador de corridas, mas nos quais algo especial ocorreu na última semana de análise, tendo como resultado um número de viagens acima da média do todo.

Formulamos um exemplo dessa análise para a cidade de São Paulo, buscando encontrar algum dos padrões mencionados acima. Agregamos semanalmente todas as viagens realizadas no aplicativo da 99 entre 0h e 5h de sextas, sábados e domingos, de maio a outubro de 2017 em um grid hexagonal com regiões de mesma área⁴, para facilitar a análise.

No total, foram analisados 26 finais de semana (de 05/10/2017 a 29/10/2017), e alguns dos padrões encontrados podem ser verificados nos mapas abaixo.

  • Áreas persistentes (Grupo A). Essas são as áreas que apresentam tradicional concentração de movimento durante as noites de finais de semana — região da Rua Augusta e Vila Madalena — e que com maior probabilidade já são bem documentadas e fiscalizadas.
Regiões da Rua Augusta e Vila Madalena, classificadas como Áreas Persistentes
  • Áreas emergentes (Grupo B). Essas áreas foram hotspots em 90% do tempo analisado — Santa Cecília e Baixo Pinheiros; seu número de viagens, no entanto, vem crescendo. Isso indica que essas áreas podem ser novos pontos de bares e baladas:
Regiões de Santa Cecília e Baixo Pinheiros, classificadas como Áreas Emergentes
  • Áreas esporádicas (Grupo C). Locais com padrão esporádico de concentração de corridas Alto da Moóca, e Região da Ponte da Casa Verde, próximo à quadra das escolas de Samba Águia de Ouro e Mancha Verde
Regiões do Alto da Moóca e da Ponte da Casa Verde (próximo às quadras das escolas de samba Águia de Ouro e Mancha Verde), classificadas como Áreas Esporádicas
  • Áreas novas (Grupo D). Locais com total esporadicidade na concentração de corridas. Isso significa que esses locais figuram como hotspots raramente e sem nenhuma frequência facilmente determinada. Eles podem ser causados por eventos raros — neste exemplo, um evento de UFC no Ginásio do Parque Ibirapuera causado por um evento do UFC.
Região do Ginásio do Ibirapuera, classificada como Área Nova. Destacou-se pois havia um evento no local na última semana do intervalo analisado

Dados que salvam vidas

Essas informações e análises são apenas uma pequena demonstração do que se pode fazer com (i) dados relevantes (sempre anônimos e agregados) e (ii) tecnologia para subsidiar a tomada de decisão e a posterior avaliação de impacto de políticas públicas. E é a isso que a 99 se propõe: trabalhar em conjunto para otimizar a utilização de nossos dados, recursos e capacidade técnica com o objetivo de tornar o transporte de todos mais rápido, barato e seguro.

A diminuição de incidentes relacionados à embriaguez ao volante é um dos fatores que mais contribui para a segurança no trânsito. Ações de fiscalização e conscientização salvam vidas. Ações de fiscalização e conscientização mais eficientes aumentam o número de vidas salvas. Nossa missão é ajudar o poder público a salvá-las. Parcerias de dados com os governos locais que se demonstrem interessados é a maneira que escolhemos de fazer isso.

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¹ O número final de óbitos preveníveis é, contudo, provavelmente ainda maior, já que vítimas da direção alcoolizada incluem também as pessoas sóbrias eventualmente vítimas de motoristas alcoolizados.

² Fell, J. C., McKnight, A. S., & Auld-Owens, A. (2013, February). Increasing impaired-driving enforcement visibility: Six case studies. (Report No. DOT HS 811 716). Washington, DC: National Highway Trafffic Safety Administration.

³ Uma forma de se encontrar padrões estatisticamente significantes de acontecimentos espaciais é buscando clusters de valores semelhantes. Isto é, locais onde há algo acontecendo — e há tantas ocorrências desse acontecimento que, agregadas, elas se destacam do todo de maneira estatisticamente significativa. Na análise aqui proposta, a soma de acontecimentos (viagens) em um lugar e em sua vizinhança é comparada proporcionalmente à soma dos acontecimentos globais. Quando a soma local é muito maior do que o que seria esperado para ela, dada a média global, e essa diferença é suficientemente grande para que isso não seja produto de um evento aleatório (em uma situação denominada complete spatial randomness, ou aleatoriedade espacial completa), há significância estatística. Mais em: Anselin, L. (1995). Local indicators of spatial association-LISA. Geographical Analysis. Retrieved from http://dces.wisc.edu/wp-content/uploads/sites/30/2013/08/W4_Anselin1995.pdf

⁴ Cada célula têm aproximadamente 105 metros quadrados de área.

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