Gerenciar meio-fio é o começo do futuro da mobilidade

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Para onde vamos?
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7 min readMay 2, 2018

Diversificação do uso do meio-fio em municípios dos Estados Unidos já têm dado resultado em fluidez do trânsito

“Quer ter uma ideia do futuro das cidades? Então, observe o que elas estão fazendo com o meio-fio das ruas”. Foi assim que um texto da Wired definiu a nova tendência de planejamento urbano: a valorização do espaço entre as vias e as calçadas.

Políticas já adotadas em algumas cidades norte-americanas indicam que os gestores públicos estão aprimorando a fluidez do trânsito, inclusive do transporte público, assumindo o gerenciamento do meio-fio.

“As cidades começaram a repensar a maneira que as ruas estão desenhadas a partir do meio-fio”, afirmou à revista Matthew Roe, diretor de Iniciativas de Desenho de Cidades da Associação Nacional de Oficiais de Transportes Municipais (NACTO, na sigla em inglês). “E se deram conta de que precisam de mais ferramentas para gerenciar o meio feio. Afinal, é o mais valioso espaço que uma cidade detém e um dos mais subutilizados”, completou.

Indicações de faixas para ciclistas e para ônibus (Foto: Shutterstock)

Em resumo, planejadores urbanos estão adotando medidas que diversificam a função do que hoje costumam ser vagas de estacionamento nas ruas. O meio-fio está sendo utilizado como áreas para estações de bicicletas compartilhadas; faixas para ciclistas; espaços públicos como parklets; áreas de embarque e desembarque de passageiros ou de entregas; pontos de ônibus; e zonas de “queue jump” para ônibus — uma geometria de tráfego que consiste em áreas de escape e semáforos exclusivos aos coletivos, para dar agilidade ao fluxo. (Entenda aqui o que são “queue jump lanes”).

Vagas nas ruas dão lugar a zonas flexíveis

Roe é um dos autores de um interessante estudo que mostra como as cidades estão fazendo isso na prática. O principal conceito que ele aponta como condutor dessas políticas é a flexibilidade: o espaço que beira as calçadas pode ser usado para diferentes finalidades na mesma rua ou para diferentes funções ao longo de um mesmo dia.

A ilustração abaixo dá uma ideia de como as áreas do meio-fio podem ajudar a tornar o trânsito mais amigável e fluido caso tenham destinações diversificadas.

Ilustração publicada no estudo da NACTO

De um lado da rua, o meio-fio seria ocupado por uma faixa para ciclistas e haveria ainda espaços específicos, como estações de bicicletas compartilhadas, área delimitada para descarga de fretes, estacionamentos para carros com horários limitados e uma zona para embarque e desembarque de passageiros. Do outro lado da rua, a cidade teria espaços para atrair pessoas, como área de food truck ou parklets, e também ponto de ônibus e área para desembarque acessível de passageiros.

Ao criar novas funções para o meio-fio além do estacionamento sem limite de tempo para carros, a cidade não só melhora a mobilidade urbana como também ativa o comércio nessas regiões. Iniciativas como as da ilustração estimulam as pessoas a se apropriarem do espaço público e a aproveitarem as vias como lugares de estar, e não apenas como rotas de deslocamento.

Faixa de pedestres em São Paulo, em dez. de 2016 (Foto: Shutterstock)

Há três anos, uma iniciativa nesse sentido ofereceu mais conforto aos pedestres do bairro da Liberdade, em São Paulo. Um projeto piloto da Prefeitura paulistana criou uma faixa exclusiva para pedestres, que funciona como uma extensão da calçada, no meio-fio da rua, onde antes havia vagas de estacionamento e pedestres se apertando para andar alguns metros. Aliado a parklets, o espaço permitiu que as pessoas construíssem uma relação diferenciada com a cidade.

Para os ônibus “saltarem” o congestionamento

Práticas em cidades norte-americanas demonstram como a redução da área destinada a estacionamentos e o gerenciamento do meio-fio ajudam o tráfego. A implantação de faixas exclusivas de conversão ou de “queue jumps” aos ônibus permitem maior fluidez do trânsito, já que os motoristas que desejam fazer a conversão não bloqueiam o fluxo e, no segundo caso, os ônibus são favorecidos ao atravessarem o cruzamento alguns segundos antes dos carros.

Em Seattle, onde desde 2016 o uso dos meios-fios vem sendo redefinido de acordo com o tipo de rua, o Departamento de Transportes da cidade aplicou esses dois conceitos na mesma via.

Os gestores municipais reduziram o número de faixas da Avenida Rainier e, para manter o tráfego dos ônibus, criaram uma pista de rolamento que une uma faixa de conversão à direita com uma faixa exclusiva aos coletivos. Ela adquire as duas funções ao longo do dia, dependendo da necessidade do momento. Assim que se detecta a aproximação de um ônibus no cruzamento, o semáforo libera o fluxo de carros para fazer a conversão e o caminho dos ônibus fica livre.

E os números da administração municipal indicam que o cruzamento que antes era um ponto de gargalo no tráfego passou a ser um local em que os ônibus saem em vantagem. Mesmo com diminuição do número de faixas na avenida, as viagens de ônibus ficaram mais rápidas nos períodos de pico.

Embarque e desembarque de passageiros

Medidas de gerenciamento do meio-fio relacionadas a descarga de mercadorias, compartilhamento de carros e embarque e desembarque de passageiros também seriam capazes de melhorar o trânsito.

Essas atividades são extremamente importantes para a cidade e a demanda por áreas destinadas a serviços como esses não pode ser ignorada. Quando há espaços dessa natureza, menos veículos estacionam em fila dupla e no meio-fio.

É por isso que podem virar tendência projetos como os implantados pelas cidades de Washington D.C. e São Francisco em que partes específicas do meio-fio, em determinadas vias e em determinados períodos, são dedicadas ao embarque e desembarque de passageiros de empresas de ride-hailing.

No caso de Washington D.C., o Departamento de Transportes criou 60 áreas para “pickup” e “dropoff” de passageiros na Avenida Connecticut, na região com a maior concentração de clubes noturnos da cidade, a serem usadas entre a noite de quinta-feira a domingo. A medida melhora a fluidez do trânsito aos finais de semana.

Proximidade x Tempo

Quanto ao descarregamento de produtos, os gestores públicos devem, segundo o estudo da NACTO assinado por Roe e por Craig Toocheck, explorar os benefícios de se trocar a facilidade de parar próximo ao destino pelo conforto de se ter tempo para ficar estacionado.

“Parte dos ‘usuários do meio-fio’ não tem necessidade de estacionar exatamente em frente ao local de destino. Reconhecendo isso, cidades podem reservar o meio-fio de ruas principais para usos de curtíssimo prazo”, diz o texto.

“Entregadores que fazem várias entregas em uma mesma região prefeririam fazer uma caminhada mais longa se tivessem áreas dedicadas à descarga e período mais longo para permanecer estacionado. E empresas preferem o modelo “estacione uma vez e caminhe” à alternativa de parar em local proibido no ponto de destino”, completa o artigo.

Meio-fio disputado, trânsito congestionado

O gerenciamento da ocupação do meio-fio organiza a disputa pelo espaço e, consequentemente, maximiza o fluxo nas faixas de rolamento das vias.

Quanto menos congestionado o meio-fio, menos congestionado será o trânsito.

Por isso, algumas cidades estão testando políticas de cobrança de estacionamento de carros individuais na rua. Há casos em que a administração municipal cobra um preço dinâmico pelas vagas, isto é, um preço que varia ao longo do dia de acordo com a demanda, e casos em que restringe o tempo permitido para permanecer estacionado.

Esses parâmetros reduziriam o número de carros parados no meio-fio por tempo ilimitado e aumentaria, como resultado, a disponibilidade de áreas para delivery de produtos ou para embarque e desembarque de passageiros.

Em São Francisco, um projeto piloto de preço dinâmico tem ajudado a melhorar o fluxo do trânsito. A iniciativa reduziu em 22% as autuações por parar em fila dupla e em 43% o tempo gasto pelos motoristas para encontrar uma vaga disponível.

O projeto só foi possível graças a sensores nos meio-fios, que ajudam a monitorar a taxa de ocupação das vagas e a determinar o preço.

Sensores ou fotografias são artifícios que estão sendo utilizados por cidades ou instituições para monitorar a disposição do meio-fio e para digitalizar uma espécie de inventário das calçadas.

Cerca de um mês atrás, a Coord, plataforma de dados de mobilidade que tem o apoio da Sidewalk Labs, anunciou o lançamento do “Curb Explorer”, resumida pelo CEO da empresa como a codificação dos meio-fios.

Equipes da plataforma foram às ruas de São Francisco, Nova York, Seattle e Los Angeles com um aplicativo de celular que se baseia em tecnologia de realidade aumentada para a codificar os espaços. Depois disso, traduziram as informações colhidas em regras do meio-fio e, em seguida, criaram parâmetros para apresentar esses dados de forma didática.

O resultado foi uma escala de cores e horários que pode ser muito útil. Motoristas de caminhão, por exemplo, podem consultar a plataforma para verificar onde podem descarregar produtos; passageiros podem acessá-la para descobrir onde estão os locais de embarque de passageiros de ride-hailing; e ainda é possível ver a localização de pontos de ônibus ou verificar as regras de estacionamento em vias específicas.

Funcionalidades do meio-fio traduzidas numa escala pela equipe da Coord

E a Coord oferece aos desenvolvedores os APIs de acesso aos dados. No futuro, quando companhias operarem frotas de carros autônomos, essas informações poderão ser de muita serventia.

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