O fim do congestionamento

99
Para onde vamos?
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9 min readSep 1, 2017

A visão da 99 para os próximos 10 anos.

Peter Fernandez, CEO da 99.

Cheguei ao Brasil há quase sete anos. Amo esse país. Mas sofro diariamente com esse trânsito maluco. Eu e as 12 milhões de pessoas que moram na cidade de São Paulo. Todo cidadão deveria ter o direito de ir de casa para o trabalho de manhã — e depois retornar ao final do dia — de forma barata, rápida e segura. Mas infelizmente não é o que acontece.

O problema não é exclusivo de São Paulo. Outras cidades brasileiras também sofrem com o trânsito. Chegamos num momento da história no qual a maior parte da população brasileira (e também global) é predominantemente urbana, e não mais rural. As cidades brasileiras cresceram num ritmo vertiginoso. Em sessenta anos, de 1950 a 2010, a população urbana no Brasil aumentou mais de mil porcento!

Passamos sufoco porque as cidades não se prepararam para abraçar essas pessoas. Elas se planejaram para receber carros. E isso gera pouca qualidade de vida. Basta olhar o enorme espaço público privilegiando o automóvel e as poucas áreas de convivência e lazer para os cidadãos.

Congestionamento em São Paulo. Fonte: Rádio BandNews FM

Na cidade de São Paulo, 25% da área construída é dedicada a estacionamentos. Entre 2015 e 2016, 136 mil novos veículos passaram a circular no município, que teve no mesmo período um acréscimo de 70 mil novos moradores. Estamos falando de uma relação de automóvel-indivíduo de 2 para 1.

O trânsito rouba o tempo das pessoas. Para se ter uma ideia, o paulistano passa, a cada ano, o equivalente a um mês e meio no trânsito. Olhando para São Paulo e Rio de Janeiro, o tempo médio do deslocamento casa-trabalho cresceu 30% em duas décadas.

Imagine o que cada um de nós poderia fazer durante este tempo: frequentar um curso que nos ajude a conseguir um emprego melhor, passar mais tempo com filhos e família, participar mais das questões do nosso bairro, começar uma atividade física. Ou simplesmente espairecer fazendo nada.

Além do tempo que o trânsito rouba da gente, cada cidadão também sente no bolso o custo altíssimo do transporte no Brasil. Paga-se muito por pouca eficiência. As famílias brasileiras gastam estarrecedores 20% da renda com transporte, boa parte disso com transporte privado.

O custo do transporte público também é muito maior do que em outras grandes metrópoles no mundo. Equivale a 17% do salário mínimo em São Paulo e Rio de Janeiro, um peso enorme no bolso do brasileiro se compararmos, por exemplo, com o gasto do morador de Xangai (4%).

O peso do transporte público no bolso do brasileiro:

Porcentagem de gasto com transporte público considerando um salário mínimo e um total de 40 corridas ao mês. Fonte: EXAME; OCDE; China Labour Bulletin; Shanghai Metro.

Além de impactar a vida das pessoas, a ineficiência gerada por congestionamentos podem custar de 2 a 4% do PIB de um país.

Para agravar a situação, a mobilidade urbana não é segura. Um dado que me preocupa especialmente já dá uma pista da dimensão do problema: em São Paulo, 35% das mulheres sofreram assédio durante seus deslocamentos diários utilizando o sistema público de transporte.

Se corrigimos esses três pontos acima — tempo perdido, alto custo e falta de segurança — conseguiremos causar um impacto positivo na vida das pessoas.

Nossa missão na 99 é exatamente essa: tornar a mobilidade urbana mais barata, mais rápida e mais segura para as pessoas. Se o transporte for mais acessível em termos financeiros, devolvemos dinheiro para que cada indivíduo gaste como achar melhor. Sendo mais ágil, sobra tempo para que curta mais a família, por exemplo. Ao torná-lo mais seguro, devolvemos paz de espírito a todos.

“Queremos cidades mais vivas, agradáveis e seguras. Não é apenas uma questão de sonhar. É possível.”

Somente neste início de 2017, a 99 recebeu centenas de milhões de dólares para ampliar sua participação no mercado de aplicativos de mobilidade. Investidores chineses, japoneses e americanos estão interessados especialmente no Brasil, e isso apesar da crise.

Não é à toa. As grandes cidades brasileiras estão atraindo muita atenção dos maiores investidores do mundo porque todos acreditamos que esse problema pode ser resolvido. Sim, as cidades têm potencial para serem mais vivas, agradáveis e seguras. Não é apenas uma questão de sonhar, de acreditar. Temos sinais concretos de que estamos passando por uma revolução em termos de mobilidade urbana.

Nesse artigo, eu vou explicar exatamente como isso vai acontecer. A vida de todos nós irá melhorar tremendamente.

A transformação começa com as próprias pessoas. As pessoas estão compreendendo que não precisam possuir as coisas para desfrutá-las. Cada vez mais os indivíduos vão preferir utilizar carros, mas não ser donos de carros.

O carro não é mais símbolo de liberdade. Ao contrário: tem se tornado um verdadeiro fardo gerador de contas a pagar. Uma pesquisa realizada pela Box 1824 mostrou que apenas 3% dos jovens do Brasil, entre 18 e 24 anos, desejam comprar carros e motocicletas.

“Transporte-como-serviço” significa exatamente isso: pedir um transporte através de um aplicativo, sob demanda, sempre que você quiser e onde estiver, e chegar aonde você precisa da melhor maneira possível.

Os indivíduos farão isso porque essa opção é mais rápida e, sobretudo, muito mais barata no final do mês. Além do custo para se comprar um automóvel no Brasil — 50% mais caro do que nos EUA — , pagamos impostos, manutenção, gasolina, seguro, multas de trânsito, depreciação e estacionamento. Não vale a pena manter um carro e as pessoas estão vendo isso.

Como consequência, quanto mais usarmos carros (em vez de comprá-los), menos carros irão circular pelas ruas. Para cada duas pessoas que compartilharem suas rotas, teremos um carro a menos por aí — o que melhora muito o congestionamento.

Cada vez que alguém opta por contratar uma corrida por aplicativo em vez de sair com o próprio carro, isso portanto significa menos trânsito, poluição e estresse. E o transporte fica mais barato e acessível, porque o mesmo automóvel será usado intensamente por várias pessoas durante o dia. É difícil de acreditar, mas carros próprios são usados apenas 5% do tempo.

O mesmo vale se a pessoa escolher um app para encontrar uma bike que outra pessoa deixou encostada em uma mureta qualquer nas proximidades. Ela pedala até o ponto de ônibus e a deixa ali mesmo. Uma terceira pessoa que passar por ali poderá ativar a bike pelo mesmo app e pedalar para outro lugar na cidade — tudo isso custando muito pouco.

Colocar mais pessoas sobre quatro rodas, de uma forma que complementa (e não concorre) com o transporte público, é o caminho mais rápido para uma mudança de forte impacto.

Fonte: Urban mobility at a tipping point / McKinsey&Company

Com esse movimento, a tendência é que as cidades comecem realmente a se transformar. Com menos carros, haverá menos congestionamento. Portanto, mais tempo. Menos poluição e mais saúde. Menos estacionamentos e, logo, mais praças, calçadas mais largas, mais comércio fora dos shopping centers, mais áreas verdes para lazer e convívio espalhadas por todos os bairros.

O transporte-como-serviço vai beneficiar tanto aqueles que hoje ficam parados no trânsito dentro do próprio carro quanto aqueles que fazem três ou quatro baldeações no transporte público e demoram duas horas para chegar ao trabalho.

Por isso, afirmamos: em dez anos, as grandes cidades brasileiras terão menos carros nas ruas, trânsito, poluição e estacionamentos.

Eu disse que a mudança começa com as pessoas, mas nem tudo depende só de cada indivíduo.

Segurança, por exemplo. Como todos sabemos, esse é um grande problema no Brasil. Furtos, assaltos, assédio, etc. Por isso temos uma equipe de engenheiros e cientistas de dados com o objetivo de evitar situações perigosas para passageiros e motoristas. Nunca conseguiremos evitar 100% de todas essas situações, mas podemos minimizá-las o máximo possível. Por exemplo, a 99 já mapeia áreas de risco para evitar assaltos durante as corridas realizadas na cidade.

Além de segurança em relação a crimes, também devemos continuamente atuar em segurança viária. Por isso, estamos tão focados em iniciativas como o Maio Amarelo, lançada em parceria com a Prefeitura de São Paulo — desenvolvemos um dispositivo no nosso aplicativo que emite alertas aos motoristas quando passam por cruzamentos perigosos, ajudando-os a dirigir de forma mais prudente; lançamos uma campanha para motoristas e passageiros de conscientização do uso de cinto no banco traseiro. Colaborando com o governo, podemos ter um impacto muito maior.

“Em dez anos, as grandes cidades brasileiras terão menos carros nas ruas, trânsito, poluição e estacionamentos”

Não menos importante: dignidade para motoristas! Os motoristas estão no centro do negócio de aplicativos de mobilidade. Eles precisam ser tratados com respeito para poderem oferecer um serviço tão crítico com tranquilidade e qualidade. As taxas de comissão precisam ser razoáveis para que ganhem mais dinheiro por hora e não tenham que fazer jornadas diárias de dezesseis horas — logo, vão estar menos cansados, vão dirigir com mais segurança e estar mais contentes para oferecer um serviço melhor para os passageiros. Motoristas merecem segurança no trabalho para que trabalhem sem medo. Suporte, dignidade, treinamentos e tratamento como seres humanos é o mínimo que devem receber.

Por fim, governo. O conceito de transporte-como-serviço é lindamente simples, mas exige o trabalho colaborativo de muitos atores. Estamos falando de uma integração de diferentes tipos de transporte, meios de pagamento, cronogramas de partidas e chegadas, desejos e preferências de passageiros e motoristas, e de uma infinidade de dados.

A colaboração com o governo é essencial. Governos investem bilhões de dólares anualmente para oferecer transporte aos cidadãos. Empresas como a 99 podem e devem contribuir com os recursos tecnológicos que estão desenvolvendo.

Mapa de calor do tráfego de carros nas estradas chinesas. A imagem foi gerada a partir da plataforma de dados da Didi. Fonte: Didi Chuxing, modificado pela Tech na Ásia.

Hoje, na China, nosso parceiro DiDi Chuxing está contribuindo de diversas formas para otimizar o trânsito. Por exemplo, operando faixas reversíveis que se adaptam a movimentos pendulares entre o centro e o subúrbio e fornecendo painéis que informam a situação das vias em tempo real, ajudando os motoristas a decidir sobre o melhor caminho.

Em Jinan, a DiDi também já opera semáforos inteligentes, cujos tempos de abertura e fechamento são alterados de acordo com a necessidade do momento para deixar o trânsito mais fluido — às vezes, melhorando a velocidade do trânsito em 20%.

E essa colaboração com governos pode ser ainda mais ampla: a cidade de Centennial, no Colorado, está testando um modelo alternativo para viagens entre o transporte sobre trilhos e a casa ou o trabalho de seus habitantes (movimentos chamados, respectivamente, de first e last-mile: ou seja, a parte da viagem que é feita cotidianamente e conecta a origem/destino dos deslocamentos até o transporte mais rápido, de maior capacidade).

Em vez de ônibus agendados com antecedência, a cidade testou subsidiar veículos particulares sob demanda, a poucos cliques no celular de qualquer pessoa que queira ir de sua casa até o trem. O modelo está se provando mais barato para o governo e mais eficiente para os cidadãos.

Na cidade chinesa de Guiyang, displays de led apresentam as condições de tráfego em tempo real. Fonte: Didi Chuxing.

Sonhamos em fazer algo assim nas grandes cidades brasileiras. Neste momento único, questões reais que afetam a vida de milhões de brasileiros serão resolvidas de forma colaborativa por empresas de tecnologia, governos e sociedade.

O que eu estou propondo aqui é deixarmos de lado a imagem consolidada que criamos sobre as cidades para, em seguida, imaginarmos como ela poderia ser sem o predomínio dos carros. Não é tão difícil assim.

O truque é imaginar como você gostaria que a sua cidade fosse de fato. Pense na utilização muito mais saudável e inteligente dos espaços hoje reservados para estacionamento de carros. Ruas transformadas em ciclofaixas, mais comércio fora de shopping centers, áreas verdes para lazer e convívio espalhadas por todos os bairros. Ruas ocupadas por poucos veículos, calçadas mais amplas.

Um ambiente mais silencioso e com níveis de poluição radicalmente mais baixos. Isso é possível. E mais, eu diria que a revolução que começa a ser operada na área da mobilidade permite que esse cenário se torne realidade num futuro não tão distante.

Há 10 anos, você poderia imaginar que teria hoje no seu bolso um computador mais potente do que todos os computadores da década de 1970 juntos? Provavelmente você não levaria uma ideia dessas a sério, mas hoje seu smartphone é exatamente isso. O mesmo está acontecendo a área de transportes: nós aqui na 99 já estamos construindo uma mobilidade urbana mais fluida e agradável para todos.

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