Carros autônomos e o compartilhamento vão alterar o futuro das cidades
Aqui na 99, frequentemente somos questionados sobre o futuro do transporte urbano. Acreditamos que ele será brilhante e não está muito longe. Também nos propomos diariamente a pensar — e a ajudar a desenhar — esse futuro. Este artigo revisa dois papers acadêmicos recentes que podem nos ajudar a entender para onde vamos.
Quando as ruas serão dominadas por carros elétricos?
Qual é o futuro do transporte público e quais são os próximos passos do ride-hailing no contexto de cidades inteligentes?
Quando será o dia em que nós sairemos da estação do metrô e haverá um carro autônomo, a nossa espera, para nos levar até o ponto final de nossos deslocamentos?
Quando o transporte público será otimizado a ponto de existirem veículos de diversos tamanhos, operando sob demanda, com conforto, eficiência e inclusão?
Menos difícil do que dizer quando, é apresentar o que pode acontecer no ambiente de transportes urbanos no futuro. As maiores apostas de mudanças rápidas e disruptivas são feitas sobre carros autônomos e, especialmente, sobre o compartilhamento de viagens em altíssima intensidade.
Este artigo revisa dois trabalhos que remetem ao tema, buscando jogar luz em como será nosso futuro com viagens compartilhadas, possivelmente feitas em veículos autônomos, e qual o impacto disso sobre o ambiente urbano.
O primeiro artigo, On-demand high-capacity ride-sharing via dynamic trip-vehicle assignment, de pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e da Cornell University, desenvolve um modelo que otimiza o compartilhamento de viagens e, posteriormente, testa tais algoritmos com base em viagens de táxi realizadas na cidade de Nova Iorque.
O segundo, Exploring the impact of shared autonomous vehicles on urban parking demand: An agent-based simulation approach, de pesquisadores da Georgia Institute of Technology, tem como objetivo encontrar o impacto que um uso intensivo de veículos autônomos terá sobre a demanda por vagas de estacionamento.
Carros autônomos em viagens compartilhadas podem reduzir em mais de um quarto a frota de táxis em Nova Iorque
O primeiro artigo (Alonso-Mora et al., 2017) apresenta o conceito de um algoritmo que conecta pessoas que desejam fazer deslocamentos urbanos e veículos (autônomos) que estão disponíveis para tal.
As premissas do modelo são: i) a capacidade (tamanho) dos carros é variável, que podem levar mais de um passageiro (número que pode variar) e ii) a rota dos veículos e das pessoas que estão se deslocando deve ser otimizada.
Ou seja, é proposto um modelo no qual os carros levarão mais de uma pessoa e o pareamento de passageiros e veículos é determinado em tempo real, de acordo com uma otimização de rota — de forma a fazer com que os carros levem o maior número possível de pessoas no menor intervalo de tempo possível.
A abordagem utiliza um modelo de modelo de programação linear inteira e os autores argumentam que ele consegue solucionar esse problema mesmo em um ambiente com muitas influências externas como a cidade de Nova York, otimizando as viagens em tempo real.
O modelo usa dados reais de viagens: a base de deslocamentos utilizadas é de viagens de táxi realizadas em Nova Iorque, registradas em uma base pública de dados. A vantagem disso é que as pessoas que realizaram tais deslocamentos provavelmente já estariam propensas a usar um serviço tal qual o proposto pelos autores.
Eles simulam como esse ambiente acolheria aproximadamente 3 milhões de viagens de táxi, realizadas e registradas na cidade de Nova Iorque.
No mesmo trabalho, avaliam quais teriam sido os efeitos do uso desse algoritmo, especialmente sobre o tamanho da frota de veículos e sua capacidade, atrasos no tempo de espera e tempo de viagem dos passageiros e custos operacionais.
O algoritmo desenvolvido por estes autores, que pretende atingir eficiência máxima do sistema por meio de compartilhamento em carros autônomos, consegue substituir os 13 mil táxis que fizeram as viagens que servem de base para a simulação por aproximadamente 3 mil veículos que, levando 2 ou 4 passageiros, conseguem, respectivamente, atender 94 e 98% da demanda. O tempo médio de espera pelo carro seria de 3.2 e 2.7 minutos, e cada viagem atrasaria, respectivamente, 1.5 e 2.3 minutos vis-à-vis os deslocamentos realizados e registrados na base de Nova York.
Para atingir esse mesmo nível de serviço com carros de 10 passageiros, a frota necessária seria de apenas 2 mil veículos.
Essa redução drástica no número de carros permite um ganho de eficiência considerável, que, caso extrapolado para todas as viagens realizadas em carros, pode acabar com as externalidades causadas por congestionamentos e diminuir consideravelmente emissões veiculares de poluentes — além de acabar com a incerteza nas viagens cotidianas e diminuir a propensão a acidentes.
O impacto sobre o estacionamento: redução de 90% da demanda por vagas
O objetivo de Zhang et al. (2015) é exatamente estimar o potencial impacto de veículos autônomos em uma das coisas que mais impacta o ambiente urbano: vagas de estacionamento.
Os autores baseiam o trabalho em um modelo estilizado: uma cidade quadrada (10x10 milhas), dividida em ruas cujos segmentos têm meia milha de distância. O perfil das viagens é replicado da National Household Travel Survey de 2009 dos Estados Unidos, para uma cidade típica, Atlanta, com uma diferença: a suposição, um tanto quanto modesta, de que 2% dos usuários de carro trocariam o veículo próprio por um autônomo, despachado por uma central e cujas viagens são atribuídas de acordo com a vontade das pessoas de dividir ou não o veículo.
Uma última suposição é feita: o veículo ficará estacionado no lugar onde deixar seu último cliente. Essa suposição nos convida a pensar, posteriormente, o que os veículos autônomos vazios farão quando a demanda por viagens estiver baixa — tema que envolve discussões mais amplas que trataremos em outro artigo.
As influências do ambiente e do comportamento das pessoas sobre o resultado são levadas em conta nas simulações. Há alguns fenômenos que se destacam.
Primeiro, quanto maior a frota de veículos, mais demanda por estacionamento. Segundo, a demanda por estacionamento se concentra, em geral, na área central da cidade — e o gap de demanda entre o centro e a periferia aumenta conforme a frota aumenta, uma vez que há movimentos pendulares periferia-centro-periferia durante a manhã e a tarde — como pode ser visto na figura abaixo.
Por exemplo, após o pico da manhã, a maioria dos carros tende a estar no centro, o número de vagas necessário para que eles estacionem perto de onde deixaram o último passageiro (postulado dos autores) é tão maior no centro do que na periferia quanto maior for a frota. Assim, quanto maior a frota, mais vagas de estacionamento serão necessárias no último local em que pararam.
Terceiro, a sensibilidade da demanda por vagas de estacionamento à propensão das pessoas a dividir corridas depende, essencialmente, da disposição das pessoas a esperar por um carro.
Se as pessoas não tiverem pressa, a demanda por vagas de estacionamento é a mesma para qualquer nível de propensão ao compartilhamento. Já em um cenário onde as pessoas valorizam seu tempo racionalmente e estão menos dispostas a esperar, há menor demanda por vagas de estacionamento quanto maior a propensão a compartilhar uma viagem — pois, consequentemente, há menos chances de ficar parado esperando pelo carro.
Por fim, os autores estimam que um veículo autônomo, neste tipo de sistema, fará as vezes de, aproximadamente, 14 carros normais.
Atualmente, a maioria das estimativas aponta que cada carro demanda de 3 a 4 vagas de estacionamento. Os resultados do paper apontam, então, que 90% da demanda por vagas de estacionamento pode ser eliminada com o uso de carros autônomos coordenados e despachados por um sistema central.
O impacto disso é brutal: esse espaço pode ser utilizado para a construção de parques, mais transporte público, faixas exclusivas para carros que utilizam o viário intensivamente, ciclofaixas e, até, pode haver um impacto positivo no custo da moradia — em São Paulo, por exemplo, 25% da área construída é destinada a estacionamentos.
Para onde vamos?
Este texto buscou insights sobre o futuro dos transportes urbanos em dois artigos acadêmicos que estão na fronteira da pesquisa de carros autônomos e viagens compartilhadas.
Haverá mudanças e podemos passar horas tentando adivinhar de onde elas virão. No entanto, sabemos que as grandes mudanças sociais não se dão apenas na inovação tecnológica, mas também no comportamento e nas regras humanas. Nesse sentido, a maneira que iremos nos locomover no futuro precisa ser construída por toda a sociedade — governo, empresas, universidades, cidadãos comuns — e por isso trazemos esse debate.
Referências
Alonso-Mora, J., Samaranayake, S., Wallar, A., Frazzoli, E., & Rus, D. (2017). On-demand high-capacity ride-sharing via dynamic trip-vehicle assignment. Proceedings of the National Academy of Sciences, 114(3), 462–467.
Zhang, W., Guhathakurta, S., Fang, J., & Zhang, G. (2015). Exploring the impact of shared autonomous vehicles on urban parking demand: An agent-based simulation approach. Sustainable Cities and Society, 19, 34–45.
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