A perspectiva de desigualdade social e desenvolvimento humano na doença HIV/AIDS

Camila Norwig Galvão
Para Trocar Ideias
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5 min readSep 1, 2020

Camila Norwig Galvão

O Brasil é o país das desigualdades e o campo da saúde enquadra-se perfeitamente nesse histórico. A saúde é reconhecida como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e está também relacionada ao desenvolvimento. Contudo, as desigualdades e as exclusões ao acesso à saúde favorecem a disseminação de doenças de forma distinta na sociedade e impedem o desenvolvimento humano. Dito isso, a doença AIDS, causada pelo vírus HIV, será abordada nesse contexto de desigualdades no país, levando em consideração a concepção de desenvolvimento humano, como crítica ao objetivo da Agenda 2030.

A Agenda 2030 foi adotada pelos Estados-membros das Nações Unidas em 2015 a fim de acabar com a pobreza, proteger o planeta e garantir que todos vivam em paz e em prosperidades até 2030 [1]. Com isso, a boa saúde e o bem-estar são essenciais para essas finalidades, como o fim da epidemia de HIV/AIDS. Porém, ainda há constantes disparidades entre os povos em relação às desigualdades na área da saúde que referem-se às diferenças no acesso aos serviços de prevenção, cura ou cuidado [2].

A doença HIV/AIDS teve início na década de 1980 com um forte preconceito a grupos homoafetivos, hemofílicos e usuários de drogas injetáveis, os primeiros a apresentarem os sintomas. Posteriormente, a doença foi considerada uma pandemia pelo aumento significativo de casos no mundo. No Brasil, na mesma década, houve a criação do Sistema Único de Saúde que foi fundamental para a implementação de políticas públicas de controle e o fornecimento gratuito de antirretrovirais. Como efeito, houve uma redução significativa da taxa de mortalidade desde 1996 [3].

Apesar de passados 40 anos, essa doença ainda é vista como uma ameaça às nações. O Brasil, por sua vez, registra anualmente uma média de 39 mil casos de AIDS nos últimos cinco anos. As regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste apresentaram uma queda entre 2008 e 2018, respectivamente 36,1%, 29,8% e 4,4%. Por outro lado, o Norte e o Nordeste registraram um aumento de 21,8% e 17%, nesta ordem [4].

Além disso, é importante pontuar a queda de casos em pessoas brancas (20%) em relação às pessoas negras (1%) no mesmo intervalo. Assim como, o aumento expressivo de casos em outras raças, como 20,5% para as amarelas, 37,7% para as pardas e 100% para a população indígena [5]. No mais, a taxa de incidência em mulheres teve uma diminuição relevante, mas a sociedade é marcada pela desigualdade de gênero e pela exclusão social. Como resultado, as ações públicas são pouco abrangentes para as mulheres e concentram-se principalmente em mulheres grávidas [6].

Fonte: Secretaria de Vigilância em Saúde (2019).

Ademais, há muitas concepções sobre o desenvolvimento, como econômico, sustentável e social, por exemplo. O desenvolvimento sustentável é proposto pela Agenda 2030 que se entende como o atendimento das necessidade atuais sem afetar as necessidade de gerações futuras. Logo, entende-se que há uma estabilidade entre economia e ambiente a longo prazo com a integração de preocupações sociais [7]. Contudo, questiona-se essa relação do meio ambiente com a economia capitalista, uma vez que há uma dicotomia entre um sistema de acumulação e um mundo com recursos escassos. Dessa forma, enfatizo o desenvolvimento humano que busca entender como o crescimento econômico afeta os indivíduos e não necessariamente resulta em desenvolvimento.

O desenvolvimento humano surge nos anos 1990, dado que o nível de vida dos indivíduos tornou-se o objetivo final do desenvolvimento. Diante disso, as áreas de educação, saúde e habitação adequada ganham destaque para compreender as oportunidades e o proveito de uma longa vida [8]. Assim, o desenvolvimento humano baseia-se em reduzir a exclusão social, imposta pela pobreza e pela desigualdade [9], entendendo que o desenvolvimento não compreende apenas o crescimento econômico, mas também a distribuição desses recursos para a população marginalizada e excluída de necessidades básicas.

Com isso, o desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 é utópico, uma vez que a pobreza e a degradação ambiental são resultados do sistema econômico vigente. Assim, é interessante pensar o desenvolvimento humano como um processo importante para distribuição de recursos para que a saúde não se manifeste de forma desproporcional dentro de grupos sociais. Essas desigualdades sistêmicas afetam a disseminação de doenças, como observamos na atual pandemia da Covid-19, e mostra como a nossa sociedade se comporta e se acomoda com essas situações.

Em suma, observamos como a doença AIDS manifesta-se até hoje e de forma desproporcional no país devido a exclusão e a pobreza de grupos sociais. Dessa forma, as sociedades foram construídas a partir dessas desigualdades que prejudicam o acesso à direitos considerados básicos e que nunca foram efetivados. Com isso, é importante pensar em desenvolvimento, antes de mais nada, como distribuição de renda, acesso a saúde e a educação, preservação do meio ambiente e bem-estar social e não necessariamente (ou exclusivamente) como crescimento econômico.

Referência Bibliográfica

[1] PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Health. [S. l.]. Disponível em: https://www.undp.org/content/undp/en/home/2030-agenda-for-sustainable-development/people/health.html. Acesso em: 23 ago. 2020.

[2]BARRETO, Mauricio Lima. Desigualdades em Saúde: uma perspectiva global. Revista Ciência e Saúde Coletiva, [s. l.], v. 22, ed. 7, 29 ago. 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232017002702097. Acesso em: 23 ago. 2020.

[3]LEITE, Daniela Soares. A AIDS no Brasil: mudanças no perfil da epidemia e perspectivas. Brazil Journal of Development , Curitiba-PR, v. 6, ed. 8, 2020.

[4] MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico: HIV/AIDS | 2019. Brasília-DF: [s. n.], 2019.

[5] Ibidem.

[6]LEITE, Daniela Soares. A AIDS no Brasil: mudanças no perfil da epidemia e perspectivas. Brazil Journal of Development , Curitiba-PR, v. 6, ed. 8, 2020.

[7]EMAS, Rachel. The Concept of Sustainable Development: Definition and Defining Principles. Brief for Global Sustainable Development Report, [s. l.], 2015. Disponível em: https://sustainabledevelopment.un.org/content/documents/5839GSDR%202015_SD_concept_definiton_rev.pdf. Acesso em: 24 ago. 2020.

[8]PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Relatório sobre o desenvolvimento humano no Brasil. RJ: IPEA/PNUD, 1996.

[9]OLIVEIRA, Gilson Batista de. Uma discussão sobre o conceito de desenvolvimento. Revista FAE, Curitiba-PR, v. 5, ed. 2, 2002.

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