A vacina contra HPV: um caso particular de Parceria Público-Privado para a efetividade do Estado na saúde

Camila Norwig Galvão
Para Trocar Ideias
Published in
6 min readOct 3, 2020

As parcerias público-privadas (PPP) são caracterizada pelas diferentes relações de colaboração entre atores públicos e privados com objetivos em comum. Essas parcerias podem se desenvolver em diferentes setores no âmbito doméstico e internacional. Na área de saúde no Brasil, as PPP estão inseridas em um projeto de Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP). Com isso, pretendo contextualizar as PPP no setor da saúde com ênfase no esboço das PDPs. No mais, busco trazer como exemplo a parceria da vacina contra o vírus do Papiloma Humano (HPV) entre o governo brasileiro, o Instituto Butantan e o Laboratório Merck Sharp & Dohme para entender a tendência de parcerias entre o público e o privado na saúde.

A década de 1970 foi marcada pela a ascensão da visão neoliberal em contexto de crise econômica e ajustes estruturais de instituições, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. No mais, o Estado de bem-estar social perde espaço para o Estado mínimo, com a supervalorização do mercado e do setor empresarial. Nesse contexto, as PPP foram apresentadas como a solução inovadora para a baixa efetividade do Estado para o alcance do desenvolvimento. Contudo, as críticas trazem a intensificação da pobreza e da desigualdade como resultado dessa movimentação. Assim, essas parcerias no setor da saúde promoveriam ação conjunta a fim de materializar as Iniciativas Globais em Saúde no âmbito internacional, enquanto que providenciaria serviços de saúde e inovações na esfera doméstica [1].

No Brasil, as PDPs são um mecanismo de política industrial utilizado na saúde, definido pela Portaria nº 2.531, de 12 de novembro de 2014, do Ministérios da Saúde. Essas parcerias têm como primazia proporcionar ao Sistema Único de Saúde (SUS) produtos estratégicos, tais como medicamentos, vacinas e soros, por exemplo. Os objetivos consistem em ampliar o acesso a medicamentos estratégicos, aumentar a fabricação e produção desses medicamentos no país, aumentar o desenvolvimento tecnológico e buscar vantagem para os interesses do Poder Público [2].

Dito isso, a parceria da vacina contra o HPV é um bom exemplo desse mecanismo. O vírus do HPV é transmitido por via sexual e com alta transmissão que acarreta o desenvolvimento do câncer de colo uterino, o segundo tipo de câncer mais comum nas mulheres no Brasil [3]. O câncer de colo uterino apresenta uma evolução lenta, com lesões precursoras que antecedem às lesões invasoras. Dessa forma, as vacinas contra HPV, em princípio, visam a prevenção da infecção pelo vírus, reduzindo o número de casos que venham a ter o câncer posteriormente [4].

Em 2012, o Ministério da Saúde anunciou a PDP da vacina anti-HPV para a integração ao SUS, que foi introduzida de forma gradual em 2014. Assim, firmou-se a parceria com o Instituto Butantan e o Laboratório Merck com o investimento de R$ 1,1 bilhão para a compra de 41 milhões de doses da vacina durante cinco anos [5]. O Ministério da Saúde pagou cerca de R$ 30 por dose, 15% abaixo do valor do Fundo Rotatório da Organização Pan-Americana de Saúde [6], iniciativa para o acesso rápido a vacinas e insumos estratégicos para as Américas. Na tabela abaixo, podemos observar a cobertura da vacina que começou em 2014 na população de 11 a 13 anos. Em 2015, as meninas de 9 e 10 anos foram introduzidas. Posteriormente, as meninas de até 14 anos puderam tomar as doses da vacina no intervalo referencial de 6 meses [7].

Fonte: MINISTÉRIOS DA SAÚDE (2016)

A parceria envolve a transferência de tecnologia da empresa estrangeira para o laboratório público, que passaria a produzir a vacina em território nacional [8]. Segundo Carlos Gadelha, então secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos:

a transferência de tecnologia da vacina contra HPV é um marco dentro da política de desenvolvimento produtivo. Quando temos disponibilidade destas vacinas por produtores nacionais, conseguimos garantir autonomia tecnológica, reduzindo a vulnerabilidade do SUS [9].

As PDPs fortalecem a base produtiva nacional, uma vez que o mercado internacional da saúde é assimétrico e oligopolista, centrado nos Estados Unidos e na Europa. No mais, há barreiras à entrada de tecnologia em decorrência de inúmeros investimentos e do sistema de patentes assinados nos acordos de propriedade intelectual – TRIPS – que garantem o monopólio por 20 anos para a produção de insumos patenteados. Assim, as PDPs também asseguram a capacidade produtiva nacional e a autonomia do sistema de saúde, com o desenvolvimento de pesquisas e medicamentos e o controle sobre o conhecimento [10].

Em suma, observamos que as Parcerias Público-Privadas surgiram em meados dos anos 1970, tendo em vista a maior cooperação entre Estados e atores privados para ações internacionais na saúde. No campo doméstico, percebemos com esse caso é particular, uma vez que a parceria proporcionou um maior exercício do direito à saúde, com acesso e disponibilidade de medicamentos e vacinas, autonomia do privada e do internacional e efetividade do SUS. Além de oferecer as vacinas para jovens, visando a prevenção contra o vírus. As PPPs possuem inúmeras consequências e críticas no âmbito internacional, mas as PDPs no Brasil trazem uma perspectiva diferente sobre essas parcerias e reafirmam o papel do Estado na provisão da saúde através do SUS, sem se ausentar de seu dever com a população.

Referências Bibliográficas

[1] ALMEIDA, Célia. Parcerias público-privadas (PPP) no setor saúde: processos globais e dinâmicas nacionais. Cad. Saúde Pública, [s. l.], v. 33, ed. 2, 2017. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/csp/2017.v33suppl2/e00197316/. Acesso em: 23/09/2020.

[2] CUNHA FILHO, Marcelo Martins. Parcerias público-privadas para a produção de medicamentos no Brasil. 2016. 72 f., il. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado em Farmácia) – Universidade de Brasília, Brasília, 2016. Disponível em: https://bdm.unb.br/handle/10483/14022. Acesso em: 24/09/2020.

[3] MINISTÉRIO DA SAÚDE (Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde). Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Vacina contra HPV na prevenção de câncer de colo do útero. Relatório de Recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, Brasília, 2013. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Incorporados/VacinaHPV-final.pdf. Acesso em: 22 set. 2020.

[4] SANCHES, Eliete Batista. Prevenção do HPV: A utilização da vacina nos serviços de saúde. Revista Saúde e Pesquisa, [s. l.], v. 3, ed. 2, p. 255–261, 2010. Disponível em: https://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/saudpesq/article/view/1257/1082. Acesso em: 23 set. 2020.

[5] SUS passa a ofertar vacina contra HPV a partir de 10 de março. Blog da Saúde – Ministério da Saúde, [S. l.], 22 jan. 2014. Disponível em: http://www.blog.saude.gov.br/servicos/33530-sus-passa-a-ofertar-vacina-contra-hpv-a-partir-de-10-de-marco. Acesso em: 22 set. 2020.

[6] MINISTÉRIO da Saúde recebe primeiro lote da vacina contra HPV. Blog da Saúde – Ministério da Saúde, [s. l.], 10 jan. 2014. Disponível em: http://www.blog.saude.gov.br/index.php/programasecampanhas/33490-ministerio-da-saude-recebe-primeiro-lote-da-vacina-contra-hpv. Acesso em: 23 set. 2020.

[7] MINISTÉRIOS DA SAÚDE (Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis). Secretaria de Vigilância em Saúde. PNI-Programa Nacional de Imunizações. Boletim Informativo Vacinação contra HPV, [s. l.], 2016. Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2017/julho/28/Boletim-informativo.pdf. Acesso em: 22 set. 2020.

[8] MINISTÉRIO da Saúde recebe primeiro lote da vacina contra HPV. Blog da Saúde – Ministério da Saúde, [s. l.], 10 jan. 2014. Disponível em: http://www.blog.saude.gov.br/index.php/programasecampanhas/33490-ministerio-da-saude-recebe-primeiro-lote-da-vacina-contra-hpv. Acesso em: 23 set. 2020.[9] SUS passa a ofertar vacina contra HPV a partir de 10 de março. Blog da Saúde – Ministério da Saúde, [S. l.], 22 jan. 2014. Disponível em: http://www.blog.saude.gov.br/servicos/33530-sus-passa-a-ofertar-vacina-contra-hpv-a-partir-de-10-de-marco. Acesso em: 22 set. 2020.

[10] COSTA, Lais Silveira; METTEN, Antoine; DELGADO, Ignacio Jose Godinho. As Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo em saúde na nova agenda de desenvolvimento nacional. SAúDE DEBATE, Rio de Janeiro, v. 40, ed. 111, p. 279–291, 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/sdeb/v40n111/0103-1104-sdeb-40-111-0279.pdf. Acesso em: 23 set. 2020.

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