Crônicas de Corredores de Ônibus na Cidade de São Paulo

Um relato definitivo sobre como é vantajoso usar o táxi em São Paulo, sob a ótica dos dados

Rafael Coronel, PhD.
Parada Obrigatória
6 min readAug 27, 2018

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Eu sei muito bem o que é estar dentro de um táxi, seja em Nova Iorque, Cidade do Cabo, Chicago, Bogotá, Buenos Aires, Londres ou São Francisco. Já experimentei o serviço de transporte mais famoso do mundo nas mais diversas e mais importantes cidades ao redor do planeta e ainda consigo enxergar nele um quê de ‘romantismo’ que retrata a solidão do taxista e também a angústia do passageiro na ânsia de chegar logo ao seu destino. E eu sei muito bem (também) o que é estar dentro de um táxi em São Paulo. E afirmo, categoricamente, que nada se compara a estar dentro de um táxi na cidade mais encantadora (e ao mesmo tempo mais caótica) do mundo.

Aqui em São Paulo, num período de pouco mais de um ano, contabilizei aproximadamente 800 corridas, num total de mais de 300 horas de viagens pela cidade. É como ficar quase duas semanas dentro de um táxi rodando sem parar. Pode parecer pouco, mas é muita coisa. É quase que um exercício. Pra se ter uma noção, embora a probabilidade de se pegar um carro com o mesmo taxista seja baixíssima numa gigante como Sampa, aconteceu comigo algumas vezes também. Daí sempre tem o taxista gente boa, tem aquele com cara de sério (mal-humorado) e tem também “taxista analista político”, que dá pitaco às vésperas de eleições presidenciais. Conto tudo isso só pra dar uma dimensão do quanto eu já andei de táxi por aqui e do quanto aprendi sobre a personalidade e as dores de quem faz do táxi o seu escritório ambulante diário.

A ideia de colocar um pouco da minha experiência como passageiro de táxi em números visa dar uma ideia ao leitor do quanto eu conheço sobre os bastidores da operação de táxis numa megalópole cheia de problemas relacionados à mobilidade urbana. Em São Paulo, não precisa de muito pra que o trânsito vire uma tremenda dor de cabeça. Se chove, então, aí sim as coisas realmente se tornam bastante complicadas. E essa ampla bagagem como usuário é o fio condutor que une a pessoa ao profissional da mobilidade urbana que sou.

“Quem tem estômago pra dirigir em São Paulo ‘tá’ apto a dirigir em qualquer lugar do mundo, independente dos desafios, até no meio da guerra”.

(palavras de um taxista anônimo)

Meu trabalho como Data Scientist pode ser comparado (guardadas as devidas proporções e ressalvas) ao trabalho de um médico clínico. Já fui responsável por conduzir importantes estudos e análises investigativas dentro de mobilidade urbana, algumas delas cujos resultados me levaram a arquitetar soluções práticas e efetivas que já foram implementadas nas operações de táxis em quase todas as cidades mais importantes da América Latina. Portanto, posso dizer que também conheço bem o lado técnico da dinâmica de gigantes problemáticos como Cidade do México, Bogotá, Lima, Buenos Aires e Santiago. É interessante notar que cada cidade tem personalidade própria e comportamento distinto, o que impacta diretamente em buscar soluções personalizadas para cada cultura. No fundo, meu trabalho envolve, além de investigar os sintomas e diagnosticar as doenças de cada cidade, receitar o remédio certo e aplicá-lo na dose exata.

Um dos maiores desafios dentro de mobilidade contemporânea reside na otimização da logística de deslocamento de veículos urbanos. No caso dos táxis, o desafio é essencialmente juntar passageiros e motoristas, fazer o casamento perfeito. E, neste caso, o sucesso de um bom casamento ocorre quando conseguimos juntá-los de maneira que ambos estejam satisfeitos. Nesse business um dos índices de satisfação mais importantes é o fator tempo, e é muito natural (quase uma característica nata) que em cidades como São Paulo pessoas disponham de muito pouco (ou nenhum) tempo e a complexidade do tráfego é um agente complicador. Entretanto, nesse contexto, São Paulo leva uma importante vantagem sobre qualquer outra cidade do mundo, o que torna o transporte por táxis extremamente vantajoso: a presença dos corredores de ônibus. Assim, o táxi figura como um importante modal pois a exclusividade de se trafegar em corredores de ônibus oferece vantagens expressivas sobre o transporte particular P2P (do inglês, Peer-to-Peer.

“No fundo, meu trabalho envolve, além de investigar os sintomas e diagnosticar as doenças de cada cidade, receitar o remédio certo e aplicá-lo na dose exata”.

Recentemente fui responsável por um profundo (e bastante intrincado) estudo em data science sobre o táxi em São Paulo na intenção de ratificar o que eu (como muitos), dentro da minha experiência como usuário, já notara sobre a agilidade desse tipo de serviço sobre os rivais do P2P, serviço de carro privado). Resolvi, portanto, estudar corridas em trechos críticos da Cidade, preferencialmente trajetos longos, mais complexos quanto à quantidade de veículos que concomitantemente concorrem as vias principais e que, necessariamente, sejam servidos por corredores exclusivos para ônibus. Foram eles:

Corredor Norte-Sul (Proximidades da República sentido Santo Amaro)

Foram consideradas corridas inciadas nas proximidades da Praça da República e finalizadas nas mediações do Terminal Santo Amaro (aproximadamente 20 Km).

Pinheiros para Aeroporto de Congonhas (via Av. Brasil/Ibirapuera e Av. Washington Luiz)

Foram consideradas corridas inciadas no coração de Pinheiros e finalizadas no terminal de embarque do Aeroporto de Congonhas (aproximadamente 10 Km).

A análise considerou, além dos dados de corridas de táxis comuns, dados históricos de corridas P2P (ocorridas de 2016-jan até 2017-Set-18), entre as 16:00 e as 21:00, para todos os dias da semana. Foram analisadas aproximadamente 1 milhão de corridas realizadas nesse período.

Resultados para os trechos analisados

As corridas realizadas por táxis em ambos os trechos apresentaram um tempo de viagem aproximadamente 30% menor em dias úteis (segunda a sexta). Isso representa, na prática, uma economia de cerca de 20 minutos em ambos os percursos. Para o trecho contemplado pelo corredor Norte-Sul, as corridas de táxi apresentaram tempo 30.45% menores que as corridas realizadas com carros privados, considerando todos os dias da semana. Excluindo-se sábados de domingos, esse número sobe para 32.3%. Já para o trecho entre Pinheiros e o Aeroporto de Congonhas, com o táxi o tempo de percurso é 31.24% menor que as corridas realizadas com carros privados. Excluindo-se sábados e domingos, a economia de tempo gira em torno de 31.5%.

“Para o executivo que chega a São Paulo logo pela manhã e que se dirige para um dia cheio de compromissos na cidade e que volta a Congonhas pra tomar o avião de volta pra casa no fim do dia, 20 minutos por percurso é um tempo ganho significativo”, diz um alto executivo de uma multinacional com sede em São Paulo.

Em tempos de crise da mobilidade, onde o inchaço urbano, o aumento crescente do número de automóveis e o consequente estrangulamento das vias se torna um sério problema de ordem pública, repensar os modais se faz absolutamente necessário para o cidadão comum dos grandes centros. Possuir um carro numa cidade como São Paulo muitas vezes sai mais caro do que partir para outros meios de locomoção. Nesse contexto o táxi, além de muitas vezes oferecer um custo praticamente igual ao transporte P2P, ainda oferece as vantagens de ser significativamente mais rápido.

E é justamente aí que o meu lado Data Scientist encontra, afinal, o meu lado usuário de táxis: os números só confirmam o que eu já sabia por experiência. É muito mais compensador chegar mais cedo onde quer que eu tenha de ir do que pagar o mesmo pra chegar (bem) depois. Dá pra fazer muita coisa em 20 minutos. Terminar de tomar aquele cafezinho sem pressa, tirar aquela última soneca depois de um dia anterior até mais tarde no escritório, fazer alguns minutos de exercícios ou simplesmente se dar o luxo de ter mais algum tempinho de sobra pra simplesmente não fazer nada.

Um bom exemplo é este artigo que você acabou de ler. Confesso que boa parte dele foi elaborado no conforto do banco de um táxi, entre uma corrida e outra. E é por essas e outras que eu ainda pego táxis todos os dias e ainda pretendo acumular muitas horas pelos corredores de ônibus nas diversas áreas da cidade.

E não vou parar por aí, não.

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Rafael Coronel, PhD.
Parada Obrigatória

Forbes 2018 | Chief Data Officer | Data Executive | LGPD & GDPR Master.