O show tem que continuar

Rodolfo Salles
Paradoxo3
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3 min readFeb 22, 2017

A abertura dos portões me colocaram diante do maior momento de minha vida. Essa é minha grande chance de deixar essa prisão de uma vez por todas! Tudo depende de uma única vitória. Meus passos levantam poeira pela arena enquanto eu giro ao redor de meu corpo, obtendo uma visão panorâmica da plateia que viera só para me ver ganhar. Eu darei a eles o show que tanto querem.

Quando os portões do outro lado se arreganham, mal acredito no que vejo. É apenas um garoto. Eles deviam estar me gozando. Será mais fácil do que eu imaginava. O pestinha é ágil, e mal aparece, já corre na direção da armadura no centro da arena. Eu também corro, tomando impulso com as asas de metal que construí ao longo das batalhas, crente de que ele não conseguirá pegá-la antes de mim. Mas a agilidade do merdinha é surpreendente, e ele se engalfinha sobre o monte de sucata no centro do campo de batalha. As luzes se acendem, e um grande pássaro composto de engrenagens ergue-se, montando suas partes uma a uma. Merda, eu não fui ágil o suficiente.

Com um assovio, chamo por Kalamidade, e ele logo dá um rasante sobre a arena. O dragão havia sido meu companheiro nas mais diversas batalhas, e aquela não será diferente. Com uma baforada, ele atinge o garoto em cheio, fazendo-o perder sua concentração e despencar do pássaro. As peças desabam do céu, e eu salto sobre elas.

É minha vez. Com as mãos nos globos, concentro minha energia, e o leão composto de metal, engrenagens e cabos ruge como o rei que é, seus olhos brilhantes iluminam a escuridão da arena. O garoto tenta correr, mas faço o leão avançar sobre ele com seu instinto natural predador. Olho nos olhos de minha presa, e neles, vejo os olhos de meu pequeno filho, morto no dia em que me tornei escrava do império de Sadhes. Não consigo avançar sobre ele.

— Eu só queria voar daqui… — diz o menino, com lágrimas nos olhos.

Meu filho sempre quis voar. Sempre quis conhecer os céus, e eu sempre prometi que o levaria para tal. O que eu estou fazendo? Luto para deixar de ser uma atração, para virar uma soldado, e acabarei me tornando aqueles que saqueavam famílias e faziam mais prisioneiros para Sadhes. Eu tinha me tornado uma máquina mais fria do que aquele leão que me ajudou a ceifar tantas vidas.

Olho para as bordas da arena, para os líderes daquela nação, fazendo milionárias apostas com minha batalha, e volto-me para o menino assustado.

— Obrigada por me fazer ver — eu digo, e guio o leão na direção da arquibancada, aos saltos até alcançar a sala dos anfitriões, deixando que a criatura faça seu verdadeiro banquete.

Esta noite, sob a luz vermelha da lua nos céus, há guerra, morte e destruição, e sobre as cinzas de um império, me levanto naquela fera de metal, e lidero uma marcha de libertação de todas aquelas terras.

Aquele é, sem dúvidas, meu maior espetáculo.

Ilustração: Akemy Hayashi
Conto: Rodolfo de Salles

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Rodolfo Salles
Paradoxo3

Um imaginador de mundos, um construtor de universos e um escravo da criatividade… ou vai ver fui programado pra acreditar nisso tudo XD