2020, o ano vazio

Coronavírus mudou os planos de todos

Enrico Bertagnoli
Paradoxos
3 min readOct 13, 2020

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Por Enrico Bertagnoli, Fábio Ribeiro e Guilherme Pansonato

A vontade de voltar no tempo sempre é grande, mas especificamente neste ano era necessário voltar ao final de 2019. Avisar a si mesmo que o ano que viria não seria AQUELE ano em que esperávamos por mudanças ou uma grande guinada na vida.

Pensando também no futuro, como explicar a nossos filhos o que foi 2020? Como explicar que de março a outubro um vazio ocupou o calendário e todo dia foi o aguardo de uma esperança como se espera chuva em meio à seca?

Dois mil e vinte foi o ano do vazio; a pandemia que assolou o mundo impôs que o mais boêmio dos seres humanos virasse um recatado e o mais sociável, de repente, teve que se tornar ilha. A medida que tentam retomar a vida, baseado no negacionismo ou não, existe uma certeza, o vazio deixado. O número de vidas perdidas, ou melhor, o número de vidas afetadas pelas mortes, em decorrência do vírus, é algo ainda difícil de calcular. Logo nós, humanos, que nos vangloriamos de ocupações, sempre insaciáveis a ponto de nem terminar de destruir esse planeta e já estarmos pensando no próximo. Logo nós, que a qualquer suspiro de solidão criamos telas, narrativas, estórias, histórias e afins, para que não lembremos do inevitável final solitário.

Foto: Fábio Ribeiro Barreto

Andar pelas ruas e avenidas vazias também nos faz pensar em quem está em casa, aflito, olhando pela janela nos arriscando a se contaminar por uma doença, que não se sabe de onde vem, para onde vai.

Estádios, bares, restaurantes, lojas vazias. Leitos ocupados e hospitais cheios. Alguns tiveram o privilégio de poder ficar em casa, em segurança, assistindo tudo e esperando por tempos melhores. Enquanto isso, muitos tiveram que sair para trabalhar, obrigados, receosos.

No começo, o cenário das cidades lembrava os filmes de guerra. Ruas abandonadas, lugares vazios, um ar pesado carregava o ambiente. Se aventurar em uma caminhada poderia ser um grande perigo. Ao cruzar com alguém, dois olhares vazios, meio baixos, se encontravam em solidariedade e o movimento de cima para baixo com a cabeça afirmava entre os dois desconhecidos que estava tudo bem, que aquele terror ia passar.

E tudo isso incita a reflexão de que os vazios são tantos no Brasil. Não existe representação democrática, não existe esperança de melhora, não existe o ídolo unificador. Até o futebol, antes unânime, agora já começa a definhar. Parece que nós, quentes e sempre cordiais, fomos punidos por esse comportamento. Chega de abraço, beijo, contato físico, aglomeração e do acordo selado no aperto de mão.

Em tempos difíceis como o que vivemos, assistir ao noticiário é uma tarefa complicada: se manter atualizado tem seu preço, já que diariamente somos bombardeados pelas notícias preocupantes do assombroso avanço do coronavírus do Oiapoque ao Chuí. Um velho ditado dizia que a ignorância é uma benção, talvez seja mesmo. Apenas no Brasil, são 148.957* mortos pela covid-19, vidas perdidas e familiares de luto. E esse número não vai parar, amanhã será maior e, depois de amanhã, ainda maior.

2020 faz jus ao seus zeros, esvazia demais. Mas nem tudo é ruim como parece sempre ser. O zero é também quem faz a dezena, a centena e o milhar. Do papel em branco que surge a criação. Talvez até o ano venha com um ensinamento, daqueles de professor chato, e que só daqui a anos e anos fará sentido. O ano vazio? Não, o ano que nos ensinou a ser sozinhos.

*Dados atualizados às 17h30 de 08/10/2020

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