A cultura do cancelamento existe?

Como colonizadores, MCs, pesquisadores e youtubers caíram no mesmo vazio pós-moderno

natalia queiroz
Paradoxos
2 min readOct 16, 2020

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Por Isabela Assis, Natalia Queiroz e Valentina Rosa

“Cultura do cancelamento” é o termo usado nas mídias sociais que caracteriza o fenômeno de internautas julgarem falas e atitudes, normalmente de pessoas públicas, que a seu ver podem ser problemáticas ou insatisfatórias. O nome forte é normalmente seguido por menções raivosas em mídias sociais, piadas e repercussão negativa da imagem do cancelado.

Segundo o maior dicionário australiano inglês, “cancelado” foi o termo de 2019. Crédito: Pixabay

O The Macquarie Dictionary, definiu o termo como o mais importante do ano de 2019, e, segundo o Google, as buscas pela expressão cresceram 1.200% entre os meses de maio e julho.

De MC Biel, à renomada pesquisadora Lilia Schwarcz.

Da jornalista Bárbara Gancia, à cantora Marília Mendonça.

Todos já estiveram cancelados. O importante dessa frase é o verbo “estiveram”, no pretérito perfeito. Isso porque, apesar de qual fora o erro destas pessoas, de publicações racistas, à piadas mal entendidas, a processos de agressão doméstica, essas pessoas ainda têm fãs, ainda têm patrocínios e carreiras de sucesso.

Talvez o alto valor que se dê ao cancelamento faça parte do desejo incessante do jovem pós-moderno de achar algo que preencha os vazios de todas as certezas que derrubamos. Mas quando o que nos preenche, o que idolatramos, não cumpre todas as nossas expectativas, a única maneira de se reparar é o completo repúdio. Que, apesar de violento, passa tão rápido quanto veio.

Em julho de 2020, a revista Veja fez uma capa que gerou controvérsias na web ao colocar inúmeros “cancelados” em um mesmo patamar, desde Cristóvão Colombo a Anitta, dando impressão de que todas as motivações para tais cancelamentos tenham sido precipitadas e exageradas.

As grandes mídias tradicionais e grupos privilegiados, que por muito tempo ditaram moda e comportamentos, hoje se veem a mercê de um tribunal rápido e agressivo. As comunicações em rede permitiram a responsabilização de falas e atos com respostas em força exponencial.

Depois de uma “thread”, ou fio, em português, no Twitter criticando a desproporcionalidade dos “cancelamentos” mencionados pela capa da Veja, o jornalista Thiago Amparo recebeu uma resposta da escritora e ativista social Luciene Ain-Zaila que dizia “só eu acho essa babaquice de cancelamento patética e digna de ser ridicularizada? Isso é modismo e preguiça de debate sério. Espero que não comecem a chamar de conceito”. Talvez, mais importante que cancelar a cultura do cancelamento, seja entender de onde vem, primeiro, a necessidade de se falar o que bem entende, sem pensar quem ou o que aquilo pode ferir e, segundo, como grupos organizados em rede podem equilibrar a sede por preencher seus vazios com a justiça que eles mesmo esperam.

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