A guerra, o neoliberalismo e a perda dos sentidos

Como os Estados Unidos usam o caos como ferramenta para espalhar o sua ideologia pelo mundo

Bruno Castro
Paradoxos
3 min readOct 14, 2020

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Por Bruno de Castro

(Foto: Ronile/ Pixabay)

Não é segredo que os Estados Unidos fizeram uso de grandes desastres como ferramentas de controle social em larga escala, especialmente nos campos político e econômico. É possível achar evidências quanto ao uso dessa “doutrina de choque” desde a década de 1970, com as ditaduras latino-americanas e o governos de Margaret Thatcher (Reino Unido) e Ronald Reagan (EUA), que se aproveitaram de momentos de choque generalizado para empreender a agenda neoliberal em seus respectivos países. Desde então, os EUA nunca se afastaram completamente dos princípios neoliberais, tendo a população, três décadas após a gestão Reagan, elegido George W. Bush como presidente após uma campanha atravessada pelo discurso neoliberal e religioso.

A ideologia neoliberal, nas últimas décadas, foi aplicada em países que acabaram de passar por uma tragédia, seja social, natural ou por ação humana. Como no Chile, por exemplo, após o apoio à deposição de Allende, os norte-americanos influenciaram a presença dos Chicago Boys — ultraliberais formados em universidades norte-americanas. Casos semelhantes ocorreram em todos os países latinos que passaram por períodos de ditadura, na Líbia, onde foram registrados novos casos de escravidão.

Os atentados de 11 de setembro 2001 configuraram o evento perfeito para permitir que Bush não só fortalecesse o neoliberalismo dentro dos Estados Unidos, mas também o forçasse em outros países usando como desculpa uma “guerra ao terror”, que visava exclusivamente ampliar o imperialismo econômico e cultural estadunidense e multiplicar exponencialmente os lucros de empresas americanas e europeias. Em suma, o 11 de Setembro trouxe o choque generalizado para a população americana, que se sentiu ameaçada e perdida e, portanto, estava mais sugestionada às medidas neoliberais e imperialistas do governo Bush.

Após uma violenta invasão estadunidense no Iraque, sob a desculpa de depor e capturar o então presidente Saddam Hussein, o país adentrou um período de intensa instabilidade generalizada, precisando conviver com ocupações militares dos Estados Unidos, influência coercitiva do governo e de empresas estadunidenses e diversos conflitos entre grupos armados, dentre eles, inclusive, grupos que lutam para recuperar a autonomia e independência do país.

É fácil perceber que todos os referenciais e pontos de apoio daquela população foram afetados pelo contexto de guerra em que vivem, o que faz com que busquem novas bases nos diversos grupos que disputam o poder naquele território, o que acaba por impulsionar ainda mais os conflitos. Vendo suas casas, escolas, templos, monumentos e locais de trabalho e de lazer sendo destruídos, é compreensível pensar que boa parte da população desenvolva um apego extremo a determinados símbolos e a um patriotismo exacerbado, sem perceber que esses eram exatamente os efeitos esperados e pretendidos por aqueles que destruíram suas bases, e que veem no caos generalizado que causaram apenas uma chance de aumentarem seus lucros e seu poder.

Por outro lado, a “doutrina de choque” aplicada pelo exército americano se refere a uma forma muito refinada de controle social disfarçada de democracia, na qual se usa o estado de choque após uma tragédia (natural ou causada por pessoas) como uma ferramenta para alcançar determinados objetivos econômicos e políticos que não seriam aceitos pela população ou pelos governantes em um estado “normal”, sendo essa uma estratégia muito utilizada a partir da década de 1970 para implementar a agenda neoliberal em diversos países do mundo.

Ainda que estejam separadas por décadas de distância, os regimes totalitários e os governos neoliberais que aplicaram a doutrina de choque possuem alguns aspectos convergentes. Em primeiro lugar, em ambos os casos ocorre a perda de pontos referenciais e sentidos, sejam eles da história do país ou da história dos próprios indivíduos, que os deixam com uma sensação de vazio e de estarem perdidos, visto que já não sabem ou não têm mais acesso aquilo que os definia como pessoas e são obrigados a buscarem novos pontos de apoio, muitas vezes fornecidos pelos próprios governantes de acordo com a ideologia que querem implementar.

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